sem limite?
Eugênio Bucci (*), no Observatório da Imprensa
Na edição de segunda-feira (1/4) o Estado de S.Paulo publicou uma reportagem de página inteira (A4) sobre gastos com publicidade oficial no governo de São Paulo. Com o título “Estatais paulistas respondem por metade dos gastos do governo com propaganda“, o texto de Fernando Gallo mostra que as empresas públicas de São Paulo (Dersa, Metrô, Sabesp e outras) despenderam, de dez anos para cá, nas gestões de Geraldo Alckmin e José Serra, a soma de R$ 1,24 bilhão em campanhas promocionais. No mesmo período, outro R$ 1,2 bilhão foi consumido em divulgação da administração direta. A soma total (R$ 2,44 bilhões) seria suficiente, como anota a reportagem, para “construir, por exemplo, mais de metade da segunda fase da linha 5 do metrô, que vai ligar o Largo Treze à Chácara Klabin, ou custear o Instituto do Câncer por sete anos”.
Um dado capital: a apuração do Estado só foi possível graças à Lei de Acesso à Informação. Os números não foram fornecidos espontaneamente pelas autoridades, eles chegaram à redação em decorrência de um pedido juridicamente fundamentado na nova lei, que obriga a administração pública, quando solicitada, a repassar informações aos cidadãos. Não fosse a Lei de Acesso à Informação – que, é bom lembrar, tem apoiado reportagens em diversas cidades brasileiras –, nós não saberíamos até agora quanto dinheiro público é queimado nas ruidosas e vistosas peças publicitárias que inundam o rádio e a televisão.
Outro dado capital: o gasto com publicidade de governos (federal, estaduais e municipais) disparou no Brasil. É a rubrica que mais cresce. Para se ter uma ideia, veja-se a seguinte comparação: de 2003 a 2006 o governo paulista (gestão Alckmin) destinou R$ 188 milhões da administração direta à propaganda paga, de 2007 a 2010 (Serra) torrou R$ 756 milhões. O agigantamento dos gastos das estatais (administração indireta) é igualmente vertiginoso: somente a Sabesp, que não gastou R$ 10 milhões ao longo de 2003, ultrapassou a casa dos R$ 98 milhões em 2012.
Limite constitucional
Não se trata de uma deformação exclusiva do PSDB. É assim no Brasil todo. A Prefeitura paulistana é outro bom (quer dizer, péssimo) exemplo. Recentemente, a Rede Brasil Atual divulgou um levantamento da liderança do PT na Câmara Municipal sobre os gastos da Prefeitura com publicidade. Em 2005 o orçamento do Município previa R$ 9,7 milhões para essa rubrica. No ano de 2011 a cifra havia saltado para R$ 126,4 milhões. Isso mesmo: algo como 13 vezes mais. Outro levantamento, este do jornal Folha de S.Paulo, publicado em 27 de fevereiro, informa que nos Estados menores o gasto com publicidade oficial é proporcionalmente maior. E conta mais. “Entre 2004 e 2011, os 26 Estados e o Distrito Federal desembolsaram R$ 10,5 bilhões com propaganda, em valores corrigidos pela inflação”, revela a reportagem de Natuza Neybreno Costa. “O Distrito Federal é o que mais gastou. Em oito anos, a despesa atingiu R$ 1,34 bilhão, o equivalente a 1,75% de seu orçamento.”
E então? Qual a justificativa para a festança bilionária que vem estatizando fatias cada vez mais expressivas do mercado publicitário no Brasil? Qual o benefício público? Voltando às estatais paulistas, seria bom saber por que motivo a Sabesp, o Metrô e a Dersa precisam de tanta publicidade. Por acaso estão disputando clientela com algum concorrente? Para que serve, afinal, tanta publicidade oficial?
A resposta vai soar desagradável, mas é muito simples. Ela serve para fazer campanha eleitoral (à custa do erário) fora do período eleitoral autorizado por lei. Sem nenhuma exceção, toda publicidade governamental tem a finalidade de ganhar corações e mentes de eleitores. Estamos falando de uma prática indevida, distorcida, que emprega o dinheiro de todos para beneficiar o partido da situação, que é de uns poucos.
O resto é esperteza engravatada. Chega a ser risível a “explicação” dada pelo governo paulista às perguntas do jornalista Fernando Gallo, do Estado. Em nota o governo afirmou que sua comunicação “cumpre rigorosamente a obrigação constitucional de dar visibilidade às ações governamentais, com caráter educativo, informativo e de orientação social”. Como assim? Qual artigo da Constituição obriga os governantes a “dar visibilidade” a uma escola sem professores ou a uma inauguração antecipada de ambulatório? Nenhum artigo. A palavra “visibilidade” não entrou no texto constitucional. A Carta Magna não obriga ninguém a fazer propaganda oficial. Bem o contrário, no seu artigo 37 (inciso XXII, § 1.º) impõe um limite expresso a quem queira fazer divulgação: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Escândalo duplo
Pois nem mesmo a impessoalidade é respeitada. Por meio de logotipos que simbolizam a gestão, como o slogan “Brasil, um País de Todos”, que era usado nos governos Lula, a propaganda oficial aprendeu um truque para identificar o mandatário de que fala tão bem. Diante do selo “Brasil, um País de Todos” ninguém tinha dúvida de que se tratava do governo Lula. Desse modo a propaganda, ainda que indiretamente, faz, sim, promoção pessoal do chefe. Contraria – mesmo que de forma não afrontosa – o princípio da impessoalidade que a Constituição pretendeu adotar.
Vivemos um duplo escândalo. Um escândalo financeiro (de dispêndios galopantes), que também é um escândalo de cinismo (de cavalgaduras igualmente galopantes). A lei deveria limitar essa escalada. O que, já sabemos, é improvável. Os parlamentares são diretamente interessados no aumento dos gastos com publicidade oficial. De outro lado, os órgãos de imprensa no Brasil estão tomando gosto pela dinheirama que ganham de presente dos anunciantes oficiais. Vai ser difícil.
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Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP e da ESPM
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