Ariel Goldstein, na Agência Carta Maior
Após uma década de governos progressistas, é possível reconhecer
como as oposições políticas na região ensaiaram diversas formas de construção de
seus espaços opositores, com resultados díspares. Apesar das especificidades
nacionais, uma característica comum que atravessa esses espaços que pretendem
produzir uma alternância no poder tem sido seu fracasso na produção de uma
alternância presidencial.
Para estes setores que, necessariamente pelas características dos governos, tendem a ocupar a direito do espectro político-ideológico, uma importante disjuntiva supõe definir sua identidade no interior do sistema político, entre a impugnação do realizado em seu conjunto pelos governos – modalidade que propicia uma episódica representação das expressões de descontentamento cidadãos, mas revela sua frágil consistência para constituir representações dotadas de continuidade temporal – ou a incorporação em suas plataformas de certas políticas implementadas durante estes anos. Uma rápida comparação entre o que aconteceu nos últimos anos na Argentina, Brasil e Venezuela – três dos processos mais antigos – permite uma aproximação destas disjuntivas, assim como uma desmistificação de certa aparência de “excepcionalidade” que revestiria o caso argentino.
No Brasil, o PSDB, que deverá apresentar Aécio Neves como candidato em 2014, recorreu ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a elaboração de seu programa econômico e de campanha (Estadão, 06/01/2013). No entanto, o próprio PSDB manteve oscilações em relação ao governo de Cardoso em função da rejeição social das privatizações realizadas durante sua gestão. É por isso que os candidatos tucanos, nos últimos anos, prometiam em campanha a continuidade de políticas sociais como o Bolsa Família, caso chegassem à presidência.
Na Venezuela, nas últimas eleições de 2012, a Mesa de Unidade Democrática conseguiu unificar com certa efetividade o espectro opositor, ao mesmo tempo em que tentava se apropriar das demandas do campo adversário. Henrique Capriles parece ter produzido uma inovação ao se apropriar de demandas do campo chavista e se apresentar como a “continuidade com mudanças”.
As últimas eleições presidenciais na Argentina, em 2011, não casualmente, em um cenário muito favorável ao governo nacional, colocaram em segundo lugar com 16% a Hermes Binner, que construiu seu espaço de representação a partir de uma crítica moderada ao governo e da promessa da continuidade de certas políticas. Embora, ultimamente, vários analistas tenham assinalado com razão as debilidades da oposição argentina, no interior do espaço governista, formado pela amplitude de um peronismo que envolve em sua extensão o espectro político, está se formando uma liderança como a de Scioli, que representa um amálgama entre continuidade e oposição, que em outros países se encontra delimitada como parte do campo opositor.
Neste sentido, é possível constatar um deslocamento na construção de espaços de representação opositores, que vai desde a impugnação radical da obra dos atuais governos, modalidade dominante anos atrás, até uma incorporação de certas políticas implementadas. Isso ocorre porque o consenso social obtido pelas políticas destes governos não permite que a oposição assuma publicamente um programa de corte neoliberal. Por outro lado, um programa progressista-socialdemocrata tem poucas possibilidades de representar, do ponto de vista político-ideológico, uma alternativa bem sucedida frente a estes governos. O cientista político brasileiro André Singer, em uma recente entrevista, parece ter capturado bem a disjuntiva colocada diante do PSDB:
“O PSDB precisa ser um partido competitivo, um partido que tenha possibilidade de formar uma maioria. Não se compõe uma maioria, com a formação de classes do Brasil, com um discurso anti-popular. Por isso o PSDB tem que fugir desse discurso como o diabo da cruz. O PSDB não pode assumir, eleitoralmente, sua verdadeira posição. Há uma situação de esquizofrenia neste momento, porque o PSDB tem uma base social de classe média muito forte, é o partido da classe média, mas não pode vocalizar plenamente os pontos de vista da classe média”.
Em vista destas questões, talvez uma marca específica dos novos governos seja a incorporação de novas políticas populares como elemento constitutivo de interpelação eleitoral no sistema político: intervenção do Estado na economia e distribuição da renda para a assistência dos setores desfavorecidos. Ou seja, a partir de então, quem quiser obter um volume de votos capaz de constituir líderes competitivos deve incorporar como parte de sua interpelação uma série – palavra não casual, pois remete a uma articulação de políticas relacionadas e dificilmente separáveis – de políticas populares em seus programas eleitorais.
Isso implica, consequentemente, que as oposições de direita não podem expressar seu “verdadeiro discurso”, ou seja, aquele que corresponde de forma mecânica à representação que exercem sobre determinadas frações das camadas médias da população. Devem, assim, autonomizar a produção de uma representação acima de seus interesses de classe ou corporativos imediatos para se tornarem efetivas eleitoralmente.
Durante os anos 60 e 70 na região, a alternativa frente ao aprofundamento das tensões sociais como corolário dos processos de incorporação popular era o golpe militar, que operava como uma interrupção da democratização da democracia e de reconstituição do status quo anterior. Estando essa opção hoje vedada pela legitimidade democrática existente em vários países da região, na medida em que as posições políticas das oposições se mantiverem coincidentes com as exigências corporativas, elas seguirão ocupando um ponto irrepresentável em termos de eficácia eleitoral no tabuleiro político.
* É sociólogo e pesquisador no Instituto de Estudos da América Latina e Caribe.
Tradução: Katarina Peixoto
Para estes setores que, necessariamente pelas características dos governos, tendem a ocupar a direito do espectro político-ideológico, uma importante disjuntiva supõe definir sua identidade no interior do sistema político, entre a impugnação do realizado em seu conjunto pelos governos – modalidade que propicia uma episódica representação das expressões de descontentamento cidadãos, mas revela sua frágil consistência para constituir representações dotadas de continuidade temporal – ou a incorporação em suas plataformas de certas políticas implementadas durante estes anos. Uma rápida comparação entre o que aconteceu nos últimos anos na Argentina, Brasil e Venezuela – três dos processos mais antigos – permite uma aproximação destas disjuntivas, assim como uma desmistificação de certa aparência de “excepcionalidade” que revestiria o caso argentino.
No Brasil, o PSDB, que deverá apresentar Aécio Neves como candidato em 2014, recorreu ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para a elaboração de seu programa econômico e de campanha (Estadão, 06/01/2013). No entanto, o próprio PSDB manteve oscilações em relação ao governo de Cardoso em função da rejeição social das privatizações realizadas durante sua gestão. É por isso que os candidatos tucanos, nos últimos anos, prometiam em campanha a continuidade de políticas sociais como o Bolsa Família, caso chegassem à presidência.
Na Venezuela, nas últimas eleições de 2012, a Mesa de Unidade Democrática conseguiu unificar com certa efetividade o espectro opositor, ao mesmo tempo em que tentava se apropriar das demandas do campo adversário. Henrique Capriles parece ter produzido uma inovação ao se apropriar de demandas do campo chavista e se apresentar como a “continuidade com mudanças”.
As últimas eleições presidenciais na Argentina, em 2011, não casualmente, em um cenário muito favorável ao governo nacional, colocaram em segundo lugar com 16% a Hermes Binner, que construiu seu espaço de representação a partir de uma crítica moderada ao governo e da promessa da continuidade de certas políticas. Embora, ultimamente, vários analistas tenham assinalado com razão as debilidades da oposição argentina, no interior do espaço governista, formado pela amplitude de um peronismo que envolve em sua extensão o espectro político, está se formando uma liderança como a de Scioli, que representa um amálgama entre continuidade e oposição, que em outros países se encontra delimitada como parte do campo opositor.
Neste sentido, é possível constatar um deslocamento na construção de espaços de representação opositores, que vai desde a impugnação radical da obra dos atuais governos, modalidade dominante anos atrás, até uma incorporação de certas políticas implementadas. Isso ocorre porque o consenso social obtido pelas políticas destes governos não permite que a oposição assuma publicamente um programa de corte neoliberal. Por outro lado, um programa progressista-socialdemocrata tem poucas possibilidades de representar, do ponto de vista político-ideológico, uma alternativa bem sucedida frente a estes governos. O cientista político brasileiro André Singer, em uma recente entrevista, parece ter capturado bem a disjuntiva colocada diante do PSDB:
“O PSDB precisa ser um partido competitivo, um partido que tenha possibilidade de formar uma maioria. Não se compõe uma maioria, com a formação de classes do Brasil, com um discurso anti-popular. Por isso o PSDB tem que fugir desse discurso como o diabo da cruz. O PSDB não pode assumir, eleitoralmente, sua verdadeira posição. Há uma situação de esquizofrenia neste momento, porque o PSDB tem uma base social de classe média muito forte, é o partido da classe média, mas não pode vocalizar plenamente os pontos de vista da classe média”.
Em vista destas questões, talvez uma marca específica dos novos governos seja a incorporação de novas políticas populares como elemento constitutivo de interpelação eleitoral no sistema político: intervenção do Estado na economia e distribuição da renda para a assistência dos setores desfavorecidos. Ou seja, a partir de então, quem quiser obter um volume de votos capaz de constituir líderes competitivos deve incorporar como parte de sua interpelação uma série – palavra não casual, pois remete a uma articulação de políticas relacionadas e dificilmente separáveis – de políticas populares em seus programas eleitorais.
Isso implica, consequentemente, que as oposições de direita não podem expressar seu “verdadeiro discurso”, ou seja, aquele que corresponde de forma mecânica à representação que exercem sobre determinadas frações das camadas médias da população. Devem, assim, autonomizar a produção de uma representação acima de seus interesses de classe ou corporativos imediatos para se tornarem efetivas eleitoralmente.
Durante os anos 60 e 70 na região, a alternativa frente ao aprofundamento das tensões sociais como corolário dos processos de incorporação popular era o golpe militar, que operava como uma interrupção da democratização da democracia e de reconstituição do status quo anterior. Estando essa opção hoje vedada pela legitimidade democrática existente em vários países da região, na medida em que as posições políticas das oposições se mantiverem coincidentes com as exigências corporativas, elas seguirão ocupando um ponto irrepresentável em termos de eficácia eleitoral no tabuleiro político.
* É sociólogo e pesquisador no Instituto de Estudos da América Latina e Caribe.
Tradução: Katarina Peixoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário