25 abril 2013

JUROS

Uma pequena alta dos juros que se
parece com uma pequena gravidez


J. Carlos de Assis, na Agência Carta Maior




O problema com uma pequena elevação da taxa básica de juros é que ela tem todos os elementos essenciais de uma pequena gravidez. Uma vez instalada, é difícil parar. No caso de ser usada para combater a inflação tudo conspira para novas altas. Se a alta de preços se devesse realmente ao crédito supostamente barato, 0,25 ponto percentual é pouco para contrariar a tendência. Se não é o caso, a inflação, alimentada por outras forças, continuará se elevando exigindo novas doses de taxa básica.

Caso vivêssemos num mundo dominado pela sinceridade, os defensores de uma política de juros altos poderiam reivindicar a elevação da taxa básica simplesmente dizendo que com isso ganham mais dinheiro na ciranda financeira. Seria como no caso daquele famoso bandido americano a quem perguntaram por que assaltava bancos: “Porque lá é onde está o dinheiro”, respondeu. No nosso caso, o dinheiro (e o lucro) mais fácil está na aplicação em títulos públicos indexados à Selic.

Alguns podem dizer que não sou um grande especialista em política monetária ao ponto de me confrontar com uma decisão dos sábios do Copom. Contudo, entre esses sábios existem pelo menos dois que se opuseram à elevação da taxa. Serão eles menos sábios e prudentes do que seus colegas altistas? Ou há outras razões ocultas por trás da decisão do Copom? Sim, porque apenas os néscios poderiam supor que a alta conjuntural do tomate e da cebola configurasse uma tendência inflacionária.

Suspeito que as razões ocultas estejam bem longe de nossas hortas. Está na balança comercial, um fantasma na economia tão assustador quanto a inflação. Mário Henrique Simonsen costumava dizer que inflação aleija enquanto o balanço de pagamentos mata. No primeiro trimestre do ano, fechamos as contas comerciais com um déficit de US$ 5,15 bilhões, o pior da história. Em janeiro, a exemplo do pífio PIB de 2012, tivemos um pífio saldo comercial de US$ 164 milhões, 91,9% inferior ao de março do ano passado.

O mais preocupante, no que diz respeito aos números de março, é que as exportações (US$ 19,323 bilhões) cresceram apenas 1,6% numa base anual, enquanto as importações (US$ 19,159 bilhões) aumentaram 11,6%. Se essa tendência continuar, muito breve nossas reservas cambiais serão comidas como mingau, pelas beiradas, usando a terminologia de Brizola, e para ficarmos no mesmo lugar. É que os manufaturados, o lado mais nobre das exportações em termos de geração de valor agregado, de renda e de emprego, desabaram em 8,2%.

Registre-se que o maior aumento de importações, em março, foi de bens de capital (12%) e combustíveis (15%). Se o aumento da taxa básica de juros visa a reduzir a demanda nesses setores para favorecer a balança comercial, o efeito será oposto: são dois setores de demanda rígida, insensíveis à política monetária. Assim, a atração de recursos especulativos externos com juros internos mais altos para fechar o balanço de pagamentos valoriza o real; o câmbio valorizado estimula em outras áreas, ainda mais, as importações e desestimula as exportações, o que agrava a situação inicial à custa de um duvidoso controle da inflação - na medida em que não se compra nem cebola nem tomate com dólar!

O mais grave é que estamos no curso de uma situação estrutural de déficits externos da qual só eventualmente nos livraremos com a plena exploração do pré-sal, mesmo assim sujeita à evolução de preços do mercado mundial de hidrocarbonetos (os EUA caminham para a auto-suficiência com seus trilhões de metros cúbicos de reserva de gás de xisto). Mesmo que o pré-sal nos salve financeiramente, não nos salvará automaticamente da doença holandesa, na medida em que nos especializará ainda mais na produção e exportação de produtos naturais com fraca geração de empregos diretos e indiretos.

Esse risco se tornou presente desde, no mínimo, 2010, quando, no âmbito do G-20, a Alemanha impôs ao resto da Europa políticas de austeridade fiscal que estrangulam a demanda interna e favorecem, onde possível, as exportações. Fiz ao menos uns dez artigos sobre isso, alertando para o dumping europeu na exportação e a queda de sua demanda de importações como conseqüência de uma política deliberada que não tem um horizonte final à vista. Vemos as conseqüências agora.

Só há uma estratégia possível diante disso: o aprofundamento da integração produtiva de América do Sul, a qual, num contexto de crescimento econômico comum estimulado pela própria integração, venha se tornar um mercado expansivo (já é grande) para nossas exportações de manufaturados e, sobretudo, de bens de capital. Não é uma estratégia de resultados de curto prazo. Contudo, temos reservas internacionais suficientes para garantir o curto prazo enquanto chegam os resultados de médio e longo prazos. 

Espero com grande expectativa a Conferencia Suramericana sobre Recursos Naturales y Desarrollo Integral de la Región, convocada pela Unasul, a realizar-se em Caracas nos dias 27 a 30 de maio. Recursos naturais a serem explorados de forma sustentável são o grande ativo de desenvolvimento sul americano. Falta, porém, infraestrutura de transportes e, evidentemente, um esquema de financiamento para sustentá-la, que tem necessariamente de ser público. A saída, a meu ver, é um imposto sobre combustíveis automotivos regional vinculado a investimentos em transportes, a exemplo da Cide brasileira, temporária e equivocadamente zerada. É a sugestão que pretendemos levar a Caracas.



J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).




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