19 abril 2013

ATENTADO EM BOSTON

O valor da cada vítima


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa




Os jornais brasileiros se socorrem de agências internacionais para concorrer pela primazia de oferecer o material mais interessante sobre o atentado ocorrido em Boston, nos Estados Unidos, na segunda-feira (15/4/). No entanto, a disputa já não é apenas entre os meios tradicionais: além de suas edições fixas em papel, os diários precisam assegurar a atenção do público em suas versões digitais, num ambiente em que qualquer indivíduo com um aparelho móvel de comunicação pode acrescentar elementos novos e interessantes à cobertura.
Esse evento revela como funciona o processo que deverá se chamar “jornalismo social”, mas também preserva certas características das escolhas das edições tradicionais.
Essa disputa pela atenção de uma grande audiência durante eventos inesperados e de grande repercussão é crucial para a sobrevivência das marcas tradicionais de mídia, porque quanto mais tempo e mais frequência as pessoas dedicarem a determinado site, maior será sua fidelidade e maior a possibilidade de que voltem a fazer a mesma escolha em outras ocasiões.
Mas eventos de grande impacto, como o ato terrorista que interrompeu a chegada dos maratonistas em Boston, deixando três mortos e mais de uma centena de feridos, revelam um novo aspecto do jornalismo de urgência, cuja característica principal é a irrelevância de uma marca na origem da notícia.
O designer digital Hong Qu, que trabalhou na equipe dos criadores do Youtube eatualmente é bolsista da Fundação Nieman para o Jornalismo, da Universidade Harvard, compilou as primeiras postagens de imagens e textos logo após a explosão da primeira bomba perto da linha de chegada da maratona e produziu uma observação esclarecedora sobre a evolução dos fatos. Sua análise (aqui, em inglês) mostra que, numa situação impactante, o contexto deixou de ser uma disputa entre jornalistas pela primazia de trazer a público a notícia em primeira mão.
Diz o pesquisador:
“No mundo atual da mídia social, telefones celulares e do ciclo em tempo real de notícias 24 horas por dia, os jornalistas enfrentam concorrentes por todo lado: testemunhas oculares, fontes oficiais e até mesmo amigos e familiares de pessoas envolvidas no acontecimento estão partilhando informações antes mesmo que as instituições tradicionais da imprensa tenham publicado a versão oficial da história.”
Boston é logo ali
O bolsista da Fundação Nieman alinha 26 postagens de informações feitas do local por cidadãos comuns, bombeiros e outras testemunhas, começando pela publicação da primeira imagem, exatamente um minuto após a explosão inicial.
Após analisar cuidadosamente a sequência de notícias, ele observa que os jornalistas seguem mantendo três capacidades no ecossistema de informações: publicização em larga escala, credibilidade e roteirização dos fatos em torno de uma história.
Embora qualquer indivíduo munido dos meios digitais possa romper o ineditismo de um fato relevante, poucos conseguem difundi-lo para uma grande audiência. Portanto, se a mídia tradicional perdeu a primazia de dar a notícia em primeira mão, resta investir no potencial de difusão, assegurar sua credibilidade e desenvolver a capacidade de compor histórias que venham a interessar o público.
A propósito, a maratona que não chegou ao fim teve como vencedor o etíope Lelisa Desisa Benti, que completou o percurso em 2h10m22s.
No caso de um evento esportivo que se transforma em tragédia, como no exemplo, o interesse do público e até mesmo o perfil da audiência mudam completamente, o que exige do profissional de imprensa também a capacidade de adaptação.
Finalmente, no que se refere à hierarquia das histórias entre os fatos de um dia, fica flutuando no ar a observação do experiente repórter e apresentador Rodolfo Gamberini, postada numa rede de jornalistas. Ele registra que é raro ver na imprensa brasileira dramas tão bem descritos como o do menino que esperava o pai e morreu na explosão da bomba em Boston, e comparou com os registros burocráticos sobre as mortes de dezenas de crianças no Afeganistão, provocadas pela ação dos drones, armas aéreas não tripuladas usadas pelas tropas americanas.
A partir da constatação de que “aquilo que está mais próximo nos toca mais”, e de que o preconceito pode definir o valor simbólico de cada vítima, ele deixa uma provocação: “No caso tupiniquim, é mais próxima a vítima de Boston do que os executados durante a madrugada em São Paulo”.
Evidentemente, a questão é complexa e envolve o impacto potencial de um fato isolado diante da História, mas não deixa de ser instigante observar como o jornalismo enxerga a humanidade conforme uma hierarquia particular, no mínimo questionável.


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