Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Em meio ao tiroteio entre representantes do Judiciário e do Congresso Nacional, alguns sinais de que a crise entre o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal pode ser amenizada nos próximos dias por pura inércia. Na curiosa agenda da imprensa brasileira, os fins de semana são propícios a certo esvaziamento de tensões, talvez porque os jornais não têm jornalistas em número suficiente para manter plantões mais reforçados. Assim, as declarações da sexta-feira costumam dar o tom geral até a terça-feira seguinte, quando os repórteres colhem novas declarações e realimentam o velho teatro de opiniões mutantes.
Curiosamente, é o Poder Executivo que sobe ao palco para desarmar os espíritos, embora os jornais ainda apostem no agravamento das controvérsias. O Globo é o mais explícito, ao anunciar em manchete: “Confronto entre STF e Congresso se agrava”. Ainda mais curioso é o fato de que os jornais tomam partido em favor da Suprema Corte com muito mais empenho do que as entidades corporativas da magistratura, que mantêm discreto distanciamento dos embates.
Esses movimentos indicam que a crise pode se desvanecer como num passe de mágica, sem que nenhuma das partes tome qualquer iniciativa – ou talvez por isso mesmo, apenas por inanição, ou seja, por falta de declarações a serem colhidas e amplificadas pela imprensa.
Um final assim anódino seria um sintoma ainda mais grave do processo de deterioração das instituições republicanas, submetidas ao jogo de conveniências de interesses muito particulares.
Se os protagonistas do mais recente bate-boca na imprensa tomassem realmente a sério o que dizem ou fazem, levariam às últimas consequências seus atos: o Congresso aprovaria a proposta de controle do STF pelo Legislativo e a Corte Suprema definiria a legislação sobre a criação de novos partidos. Quem sabe, dessa inversão de papéis poderia surgir o embrião de algumas reformas muito reclamadas pela sociedade.
Mas não há hipótese de isso vir a acontecer: não há, no Judiciário ou no Legislativo, líderes capazes de transformar uma crise em oportunidade de mudança, e a presidente da República tem sua cota de problemas a resolver. Os dirigentes do Senado e da Câmara tiveram suas reputações manchadas ainda antes de tomarem posse, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, em duas cenas de destempero, jogou fora o patrimônio que lhe foi emprestado pela imprensa no julgamento da Ação Penal 470.
E o brasileiro?
Segundo uma pesquisada Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, o brasileiro prefere “dar um jeitinho” sempre que pode, em vez de cumprir as regras. Esse pode ser o sintoma mais claro de que o cidadão não confia nas instituições, a começar do Judiciário, aquele poder que deveria assegurar o cumprimento das normas da vida civil.
Se as regras não são respeitadas, muito menos quem as faz: o Brasil tem uma estrutura partidária cuja representatividade se deteriora a cada período eleitoral, por conta de alianças que atendem essencialmente aos interesses dos grupos que dominam as agremiações. Esse jogo vicioso acaba por afetar também o poder Executivo.
Curiosamente, o melhor texto disponível na imprensa por estes dias, a respeito da origem da atual crise institucional, não foi produzido por nenhum dos diários genéricos de circulação nacional, mas pelo Valor Econômico, o principal jornal brasileiro especializado em economia e negócios. Sob o título “A arenga no poder”, a autora observa que “se a lei eleitoral é ruim, a intervenção judicial é pior”, lembrando que o desequilíbrio nas relações partidárias foi criado por uma intervenção do Tribunal Superior Eleitoral, em 2002, quando decidiu que as coligações entre partidos deveriam ser verticalizadas: uma coligação no plano federal deveria se reproduzir nas disputas estaduais.
Na ocasião, a norma favorecia o grupo do governo, liderado pelo PSDB, e prejudicava a candidatura do petista Lula da Silva. Mas, apesar de não contar oficialmente com uma grande máquina eleitoral, Lula venceu e depois teve que fazer concessões para formar uma aliança que lhe permitisse governar.
Essa análise apresentada pelo Valor permite ao leitor entender como uma intervenção do Judiciário criou a circunstância que, mais tarde, iria levar à Ação Penal 470. A regra da verticalização não sobreviveu à realidade e acabou contribuindo para confundir o eleitorado, que não entende por que razão velhos inimigos acabam dividindo palanques.
Tais formulações contribuem para reduzir a confiança do cidadão no sistema político-partidário e desmoralizam a democracia. Mas a imprensa hegemônica não parece especialmente preocupada com esse risco.
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