Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Um dia como esta terça-feira (16/4) oferece excelentes condições para a observação da imprensa tradicional no Brasil. Nos principais jornais do país, assim como na imprensa internacional, destaca-se apenas uma notícia: a dos atentados que deixaram pelo menos três mortos e mais de uma centena de feridos, na cidade de Boston. Notícia pura e simples, relato de um acontecimento de grave importância, com prováveis consequências nos registros da contemporaneidade, esse é o exemplar único de todas as edições deste dia. O mais, no que se refere à política e à economia, aos crimes do dia e até mesmo ao esporte, é, claramente, produto de opinião aplicado a versões de fatos.
As explosões que transformaram em tragédia a tradicional maratona se impõem com um impacto tal que expõe com absoluta clareza a retórica monocórdia que caracteriza o jornalismo predominante nos nossos principais meios de comunicação. A razão pode ser muito simples: não há espaços para interpretações no fato de alguém ter explodido duas bombas de conteúdos dilacerantes no meio de uma multidão de civis: trata-se de um ato terrorista.
Como as autoridades americanas desautorizaram de imediato qualquer especulação e bloquearam o acesso de jornalistas a qualquer indício de autoria, a imprensa teve que se restringir aos fatos. Dessa forma, a leitura de uma notícia “pura” permite comparar estruturas de textos, imagens e distribuição de conteúdos no produto jornalístico impresso, de modo a expor os solecismos sígnicos, ou seja, as inadequações e distorções de significado.
Como o jornalismo vem progressivamente abandonando a intenção de compreender o mundo em favor da pretensão de interpretar a realidade, o fato que se impõe aos sentidos, com toda sua clareza e seu horror, tem também o efeito de iluminar a obscuridade das opiniões que encobrem os demais eventos do dia.
Embora esse exercício possa parecer complicado, basta que o leitor ou leitora leia a notícia sobre os atentados e, em seguida, faça uma leitura mais atenta, por exemplo, da cobertura sobre o resultado da eleição presidencial na Venezuela. No primeiro caso, busca-se o máximo de precisão; no segundo, a intenção é claramente impor uma interpretação.
Eike versus Veja
Não importa nem um pouco se a interpretação proposta para a questão política na Venezuela venha a se revelar correta ou falsa, porque esse tipo de diagnóstico sempre depende de um recorte na História – um acontecimento pode ser positivo ou negativo em variadas proporções, conforme o tempo e o lugar do qual seja observado.
A questão é: a imprensa tradicional ainda seria capaz de facilitar a compreensão da realidade contemporânea? O fundo dessa questão seria, então: cabe à imprensa fazer interpretações ou é seu papel facilitar a compreensão da realidade?
Acontece por esses dias, num grupo de relacionamento formado por jornalistas no Facebook,um debate que envolve a expressão “jornalista clássico”. Encontram-se ali comentários interessantes de profissionais da imprensa que atravessaram os períodos mais intensos do jornalismo brasileiro, desde os tempos do telex, ainda sob a ditadura militar, até o advento das tecnologias digitais de comunicação e informação.
Pode-se incluir nesse debate expressões correlatas, tais como “jornalismo clássico” ou “imprensa tradicional”, e em torno de qualquer um desses temas se há notar uma sensação geral de que aquilo que chamamos de imprensa forma um corpo estranho na sociedade, como uma bolha que se isola do atual ambiente criado pelas mídias digitais.
Alguns protagonistas frequentes do noticiário procuram romper essa espécie de bolha de interpretação criada pela imprensa, em busca de espaços comunicacionais mais arejados. Observando-se alguns fatos objetivos, pode-se destacar, por exemplo, o episódio em que o empresário Eike Batista, atacado pela revista Veja na semana passada, decide responder pelo Twitter, com três posts no sábado (13/4).
Foi a maneira mais adequada que ele encontrou para desmentir informações de que um de seus empreendimentos, o porto do Açu, no Rio de Janeiro, estaria literalmente afundando, e contestar dados da revista sobre os níveis de seu endividamento junto ao BNDES.
Se tivesse insistido apenas em uma retratação de Veja, mesmo com todo poder que lhe empresta sua fortuna, Eike Batista ficaria esperando por uma improvável decisão judicial.
Por sua própria condição de empresário ousado, ele está sujeito a muita polêmica, mas ninguém haverá de dizer que é ingênuo. Se, ao ver seus interesses ameaçados na mídia tradicional, ele procura vazar para o ambiente digital, é porque sabe que na bolha interpretativa da imprensa a versão predomina sobre o fato.
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