19 abril 2013

A INFLAÇÃO DO TOMATE

Tomate: do lixo ao luxo


Najar Tubino, na Agência Carta Maior




Abril de 2012, Ribeirão Branco (SP), região de Itapetininga, no sítio administrado por Rubens Almeida, os 90 mil pés de tomate estão sendo derrubados. Já na propriedade de Ismael Rosa 50 mil pés de tomate foram plantados, um investimento de R$200 mil, que agora apodrece no pé e vai para o lixo. Produtores começaram a destruir as roças em fevereiro e a situação só piorou até aqui. Este é um relato do que aconteceu em uma das regiões produtoras de São Paulo, o segundo maior em área, com mais de 10 mil hectares plantados com o fruto, que reduziu o plantio, porque os produtores chegaram a vender a caixa de 22 kg por R$5.

Abril de 2013. Uma apresentadora da televisão abre seu programa matinal, com um colar de pérolas vermelhas gigantes. Claro que elas não existem, mas são valiosas igualmente, porque servem como uma matéria-prima riquíssima – o tomate. Custando acima de R$9 o quilo, e mais de R$100 a caixa na central de abastecimento de São Paulo. Ismael Rosa esse ano plantou 35 mil pés e declarou aos jornais da região que, em 2012, 10 mil caixas de 22 kg “foram jogadas”, a expressão é essa. No lixo, exatamente 220 toneladas de tomate. Porém, ele é apenas um exemplo.

Qual escândalo?
O fato ocorreu no Brasil inteiro. E o tomate só entrou no noticiário especializado, nas colunas e veículos agrícolas. Mas não é um escândalo milhares de toneladas jogadas no lixo, ou apodrecendo na terra, porque o produtor não tem preço no dito mercado. E também não teve crédito para recuperar na nova safra. Vamos aos fatos. O Brasil é o oitavo produtor mundial de tomate. Produz 3,5 milhões de toneladas anualmente, uma parte, cerca de 30% vai para industrialização – extratos, pastas, molhos. Goiás, São Paulo e Minas Gerais, além do Rio de Janeiro produzem mais da metade desse total. A produção acontece em duas safras, de verão e inverno. A primeira vai de novembro a março e a segunda começa em maio/junho.

A queda na área de plantio em São Paulo foi de 16% na região de Itapetininga e 20% no estado (safra de verão), porém, os produtores reduziram o número de tomateiros, porque um hectare de tomate custa R$30 mil- custo de produção. Até agora estavam no mercado o fruto de Itapeva(SP), Nova Friburgo(RJ), Venda dos Imigrantes(ES), Chapada Diamantina(BA) e Caçador(SC). A partir de maio entra o tomate de Sumaré e Mogi Guaçu (SP), Araguari, Para de Minas, Paty de Alferes e Sul de Minas, além de São José de Ubá (RJ) e o norte do Paraná (Marilândia do Sul). Ou seja, essa novela idiota de que o tomate está prejudicando a inflação no Brasil é uma cascata velha e deformada. É um espectro distorcido. Porque o preço do tomate vai cair. Principalmente porque a maior crise desse segmento, que não é tão pequeno assim, e emprega milhares de pessoas no país, nos últimos 30 anos, poderia ter sido evitada.

A queridinha e os dois mercados
Porque não liberaram crédito para suprir a dificuldade momentânea dos produtores? Por exemplo, isso nunca acontecerá com a soja. Não pela facilidade de exportação, no caso os chineses, que comprarão 63 milhões de toneladas – em 2013, é a previsão. É porque a oleaginosa queridinha do agronegócio tem dois mercados: se não é exportada como grão, pode ser transformada em óleo, no mercado interno, farelo para ração de aves e suínos comerciais, ou então entra como o principal componente no diesel – 5% na mistura- abastecendo o mercado de combustíveis fósseis. É o paraíso. Não é à toa que serão colhidos este ano 80 milhões de toneladas no Brasil.

Uma injustiça
Voltando ao tomate, por sinal, rico em licopeno, substância que combate os problemas na próstrata. O pesquisador Fabrício Zagati, do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq-USP), um dos maiores especialistas em hortifruti do país, disse que “apontar o tomate como vilão da inflação é uma injustiça com o agricultor, pois em abril de 2012o preço do fruto na roça era de R$12 a caixa de 22 kg." Em março de 2013 o preço médio da caixa no atacado paulista foi de R$79, comparado com R$23, do ano passado. E mais: já adiantou que a área da próxima safra só aumentará entre 3,5 e 5%, ainda abaixo do que já foi plantado.

Agora vamos ao setor de extratos, molhos, ketchup, os chamados atomatados. Qual o maior negócio realizado recentemente na indústria de alimentos no planeta? Em que área? Tomate. Foi o maior negócio de todos os tempos e foi anunciado no dia 14 de fevereiro. Uma associação de três bilionários (pelo menos um é) brasileiros – João Paulo Leman, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, controladores da Ambev e donos da rede americana Burger King- e um bilionário norte-americano, Warren Buffet, da Berkshire Hathaway. Eles compraram 100% da H.J.Heinz, proprietária do ketchup mais famoso do mundo, empresa de Pittsburg, Pensilvânia, por US$28 bilhões. A Heinz entrou no Brasil em 2011 depois de comprar a Quero, empresa que mantém uma fábrica em Nerópolis (GO).

O motivo: os mercados emergentes crescem, o setor avança 17% ao ano, a população tem renda e compra os produtos, não só da Heinz. No Brasil, a Cargill mantém a única operação de atomatados do mundo, assumiu as marcas Pomarola, Tarantella, Elefante e Pomodoro, adquiridas da Unilever. E a Bunge, outra múlti estadunidense comprou as marcas Salsaretti e Etti, da Hypermarcas. Resultado: junto com a empresa nacional Predilecta – quatro fábricas em Goiás e São Paulo-, mais a Fugini, controlam 80% do mercado. E a Heinz ainda controla 70% das mudas de tomate híbrido usados no plantio industrial. A Embrapa está anunciando uma semente nacional, a BRS Sena, para 2014.

No seu devido lugarOu seja, vamos botar o tomate no seu devido lugar e parar com piadinhas internéticas ou transformar o fruto em socialite e, o que é pior, imbróglio do Banco Central. Por sinal, os pesquisadores do Cepea também destacaram na segunda semana de abril a queda nos preços da carne de frango e do frango vivo.

“As cotações são as menores desde agosto de 2012. O consumo de carne de frango e suíno, após a quaresma, não reagiu”.

É um alerta, porque justamente as carnes fizeram o papel de vilã da inflação dos alimentos em 2012, em consequência da alta nas cotações do milho, componente mais importante nas rações – ele é o energético. A seca nos Estados Unidos retirou 100 milhões de toneladas do mercado mundial. O Brasil enfrentou uma seca no sul, a Argentina idem, além de Rússia, Cazaquistão e Ucrânia. Um frio brusco atingiu a Polônia e uma inundação o Reino Unido. Total da fatura para a resseguradora Munich Re, por perdas agrícolas – US$23 bilhões, 80% pagos aos norte-americanos. É o prejuízo das mudanças climáticas, cada vez mais, um ingrediente do chamado agronegócio. Não muito favorável.

Cotações de soja e milho em queda
Para completar o quadro mundial dos alimentos, que estão pesando no bolso de milhões de pessoas no mundo, sempre com a ajuda dos fundos de investimento, que passaram a apostar em índices de commodities elevando as cotações, dois recados. Do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA):

“Se confirmarem os números da produção de 369 milhões de toneladas de milho e 92,5 milhões de toneladas de soja no país haverá uma queda expressiva nos preços da soja e do milho, que bateram recordes em 2012. A soja cai mais de 26% de US$14,30 para US$10,50 por bushel e o milho queda de 33%, de US$7,20 para US$4,80 por bushel. A previsão é de um cenário mais folgado para a oferta de grãos na safra 2013/14”. O Brasil vai produzir 76 milhões de toneladas de milho, recorde histórico e as cotações no Mato Grosso já despencaram para R$12 a saca – o preço do governo federal é de R$13,80. Portanto, a ração tem que baixar, por consequência, os preços das carnes de suínos e aves também, entre outras coisas. O Brasil consome quase 10 milhões de toneladas de frango por ano. 

Ressaltando que os preços dos alimentos estão em patamares acima das médias históricas e deverão se manter assim na próxima década. Também é uma previsão do USDA. Já a FAO, organização das Nações Unidas que cuida da agricultura e alimentação, fez um alerta para o declínio da população rural no planeta. A expansão da produção agrícola cresceu 2% na década de 2001 a 2010, e cairá para 1,7% na próxima década. Existe uma previsão de um êxodo de 600 milhões de asiáticos para os centros urbanos nos próximos anos. Se isso se confirmar será simplesmente uma tragédia.

Escândalo verdadeiro
Agora um escândalo verdadeiro, não sorrateiro, como o citado neste caso. Um levantamento realizado pela Embrapa em 2007 constatou que as perdas com hortaliças no Brasil atingia uma média de 35%. No caso do tomate a perda era de 41%. No caso das frutas a média de 30%. Os motivos: manuseio inadequado no campo, embalagens impróprias, transporte ineficiente, comercialização a granel, não utilização do frio, estradas ruins. Então, perde-se 10% durante a colheita, 50% entre o manuseio e o transporte, 30% nas centrais de abastecimento – a Ceages perde 100 toneladas de alimentos por dia, 30 a 50% poderiam ser aproveitados-, 10% diluídos entre os supermercados e os consumidores. Aliás, 60% do lixo urbano recolhido no Brasil são compostos por restos de alimentos. Para a mídia esquálida desse país isso literalmente não está na pauta. 




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