Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Coleta-se uma nota aqui, uma entrevista ali, e um conceito começa a se formar na mente do leitor de jornais e vasculhador dos meios digitais: a democracia brasileira é uma ampla e bem articulada “ação entre amigos”, na qual a imprensa cumpre o papel do síndico.
Observe-se, por exemplo, esta joia do pensamento democrático: o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil vai propor ao relator do Projeto de Lei 41/13, senador Pedro Taques (PDT-MT), que inclua entre os crimes hediondos os homicídios cometidos contra advogados no exercício da profissão. Trata-se de um pequeno fragmento no amplo debate sobre o controle da violência, tema que emerge na imprensa cada vez que ocorre um crime de grande repercussão.
Interessante observar que a repercussão, nos meios jornalísticos, não depende do número de vítimas, da circunstância ou das motivações do ato violento, mas quase sempre do estatuto social dos envolvidos, da região onde ocorre o crime, do maior ou menor interesse da polícia em dar publicidade ao acontecimento.
O Projeto de Lei que tem como relator o senador Taques pretende alterar o Código Penal e a Lei 8.072, de 1990, propondo considerar hediondo o crime de homicídio contra servidores públicos integrantes das instituições policiais, bombeiros, guardas municipais, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, do Judiciário e agentes do sistema penitenciário, quando no exercício da função pública ou quando o homicídio ocorrer em razão dela. Os condenados por crime hediondo perdem uma série de benefícios legais, como a suspensão condicional da pena, a liberdade sob fiança ou indulto.
Embora a proposta contenha aspectos questionáveis e a própria lei dos crimes hediondos tenha sofrido alterações por decisões do Supremo Tribunal Federal, não se trata aqui de discutir seus aspectos legais. Argumenta-se, por exemplo, que os atentados mortais contra agentes públicos, com objetivo de garantir execução, ocultação ou impunidade por outro crime, já estariam incluídos na categoria dos crimes hediondos, por serem considerados homicídio qualificado – o que tornaria redundante o Projeto de Lei 41/13.
O Congo é aqui
É o caso, exemplar, dos cinco funcionários do Ministério do Trabalho que investigavam denúncias de trabalho escravo em Minas Gerais e foram assassinados no município de Unaí, em 2004. Nove anos depois, os acusados não foram julgados e quatro deles estão em liberdade, agraciados com o benefício do habeas-corpus.
Mas a questão central, aqui, é como se dá o debate público sobre a ordenação jurídica da República brasileira e de como esse debate é influenciado pelas escolhas da imprensa. A observação diária da agenda pública proposta ou avalizada pela mídia tradicional, com repercussão nas redes sociais digitais, indica que tudo, no Brasil, é tratado como parte de um jogo de interesses de grupos.
O próprio Congresso Nacional seria mais bem definido como um conclave de lobistas do que como Parlamento. Em consequência dessa degeneração da vida institucional do país, os debates se caracterizam por uma retórica viciada que remete a valores amplos do interesse coletivo quando, invariavelmente, os argumentos se referem a interesses estritos de grupos. Seja na política, na economia ou na generalidade da vida urbana, essa é a dialética por trás do noticiário, onde vale absolutamente tudo para induzir o maior número possível de cidadãos a determinadas opiniões.
Alguns casos chegam ao nível do grotesco, como ocorreu na página mantida pelo Estado de S.Paulo no Facebook, na quinta-feira (18/4), em texto que remetia a uma reportagem sobre suposto corte de recursos para merenda escolar em São Paulo. A fotografia que ilustrava o post do Estadão era de uma criança africana, do Congo, conforme denúncia o site bluebus.com.br, especializado em mídia.
Embora o Estadão tenha usado a foto tirada na guerra do Congo apenas como ilustração, não dá para dissimular a tentativa de ligar a imagem da miséria africana às escolas municipais de São Paulo.
Essa parcialidade explícita da imprensa contamina todos os outros meios, inclusive as redes sociais digitais, estimulando o radicalismo ideológico em muitos cidadãos, o que apenas agrava o processo de esgarçamento do tecido social que se evidencia na rotina do brasileiro. Essa fragmentação alcança até mesmo grupos de intelectuais e jornalistas, onde questões sociais são comumente tratadas a pedradas.
Interessante observar a esse respeito, como, em muitos casos, certas opiniões reacionárias se apoiam em textos póstumos do poeta Friedrich Nietzsche sobre uma suposta “ilusão da igualdade”.
A “ação entre amigos” no contexto institucional ameaça transformar a jovem democracia brasileira em um ringue de vale-tudo, onde até a irracionalidade é erudita.
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