américalatina AMÉRICALATINA
O golpe de 2002 na Venezuela: a
praia Girón da mídia golpista
Emir Sader, em seu Blog
A mídia latino-americana sempre foi golpista. Representante das oligarquias do continente, dirigida por um punhado de famílias (todo país tem seus Frias, Mesquitas, Marinhos, Civitas), sempre esteve envolvida nos golpes militares contra a democracia no continente, do lado dos EUA.
Se a OEA foi chamada por Fidel de Ministério das Colônias dos EUA, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) é seu Ministério de Comunicação para as Colônias. Sempre coordenou a ação da mídia nos golpes militares e nas campanhas contra os governos democráticos do continente.
Antes mesmo da campanha que levou Getúlio ao suicídio, em 1954, e derrubou Perón em 1955, a mídia ja tinha sido participante fundamental no sangrento golpe na Guatemala, em 1954, que levou esse país a se tornar, nas décadas seguintes, naquele que sofreu os maiores massacres em um continente cheio de massacres.
Há exatamente 10 anos atrás a mídia venezuelana mobilizou e convocou um golpe militar contra Hugo Chavez. O movimento chegou a ter sucesso imediato, uma TV escandinava pode produzir "A revolução não será televisionada”, documentário já tornado um clássico do cinema de documentário sobre a América Latina. O presidente da Fiesp de lá foi nomeado presidente da ditadura que pretendia se instalar e era saudado, no Palácio Presidencial, pelos chefes da Igreja católica, pelos donos das empresas de comunicação, pelos dirigentes dos partidos de direita, enquanto Hugo Chavez era levado por militates para uma ilha e pressionado para assinar sua renúncia.
Assim que soube do golpe, o povo desceu maciçamente às ruas, dirigiu-se ao Palácio, derrubou as grades e entrou no prédio. Assiste-se nesse momento, no documentário, os chefes do golpe fugirem rapidamente pelas portas laterais do Palácio, enquanto o povo penetra nele.
As TVs e rádios golpistas simplesmente deixaram de dar notícias e passaram a projetar desenhos animados. O fugaz presidente golpista tentou enganar a CNN dando entrevista como se estivesse ainda no Palácio Presidencial, mas o próprio entrevistador lhe disse que sabia que ele já estava num quartel, fugindo. A nem veja, nem leia, eufórica, deu mais um “furo”: sua edição da semana saiu, no sábado cedo, com a notíia do golpe que teria derrubado Hugo Chavez como a grande matéria de capa. (Nenhum meio tradicional de comunicação brasileiro, todos com DNA de golpistas, recordou os 10 anos do golpe fracassado na Venezuela.)
Embora houvesse já ma doutrina e um acordo dos governos do continente de se oporem aos golpes militares, sentiu-se o silêcio ou a cumplicidade, e salvo Cuba, nã houve protestos contra a derrubada de um presidente legalmente eleito no continente. O povo venezuelano fez justiça com suas próprias mãos e recolocou Hugo Chavez na presidêcia do pais, para a qual tinha sido eleito por seu voto.
O golpe de 11 de abril de 2002 foi, para a mídia golpista latino-americana, o que a também fracassada invasão de Praia Giron foi para o imperialismo norteamericano: sua primeira grande derrota, que demonstrou que o povo do continente não a aceitar mais que ela pusesse e tirasse governantes no continente. Que agora é o povo quem decide seu destino na América Latina.
Se a OEA foi chamada por Fidel de Ministério das Colônias dos EUA, a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) é seu Ministério de Comunicação para as Colônias. Sempre coordenou a ação da mídia nos golpes militares e nas campanhas contra os governos democráticos do continente.
Antes mesmo da campanha que levou Getúlio ao suicídio, em 1954, e derrubou Perón em 1955, a mídia ja tinha sido participante fundamental no sangrento golpe na Guatemala, em 1954, que levou esse país a se tornar, nas décadas seguintes, naquele que sofreu os maiores massacres em um continente cheio de massacres.
Há exatamente 10 anos atrás a mídia venezuelana mobilizou e convocou um golpe militar contra Hugo Chavez. O movimento chegou a ter sucesso imediato, uma TV escandinava pode produzir "A revolução não será televisionada”, documentário já tornado um clássico do cinema de documentário sobre a América Latina. O presidente da Fiesp de lá foi nomeado presidente da ditadura que pretendia se instalar e era saudado, no Palácio Presidencial, pelos chefes da Igreja católica, pelos donos das empresas de comunicação, pelos dirigentes dos partidos de direita, enquanto Hugo Chavez era levado por militates para uma ilha e pressionado para assinar sua renúncia.
Assim que soube do golpe, o povo desceu maciçamente às ruas, dirigiu-se ao Palácio, derrubou as grades e entrou no prédio. Assiste-se nesse momento, no documentário, os chefes do golpe fugirem rapidamente pelas portas laterais do Palácio, enquanto o povo penetra nele.
As TVs e rádios golpistas simplesmente deixaram de dar notícias e passaram a projetar desenhos animados. O fugaz presidente golpista tentou enganar a CNN dando entrevista como se estivesse ainda no Palácio Presidencial, mas o próprio entrevistador lhe disse que sabia que ele já estava num quartel, fugindo. A nem veja, nem leia, eufórica, deu mais um “furo”: sua edição da semana saiu, no sábado cedo, com a notíia do golpe que teria derrubado Hugo Chavez como a grande matéria de capa. (Nenhum meio tradicional de comunicação brasileiro, todos com DNA de golpistas, recordou os 10 anos do golpe fracassado na Venezuela.)
Embora houvesse já ma doutrina e um acordo dos governos do continente de se oporem aos golpes militares, sentiu-se o silêcio ou a cumplicidade, e salvo Cuba, nã houve protestos contra a derrubada de um presidente legalmente eleito no continente. O povo venezuelano fez justiça com suas próprias mãos e recolocou Hugo Chavez na presidêcia do pais, para a qual tinha sido eleito por seu voto.
O golpe de 11 de abril de 2002 foi, para a mídia golpista latino-americana, o que a também fracassada invasão de Praia Giron foi para o imperialismo norteamericano: sua primeira grande derrota, que demonstrou que o povo do continente não a aceitar mais que ela pusesse e tirasse governantes no continente. Que agora é o povo quem decide seu destino na América Latina.
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POLÍTICA EXTERIOR
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Dilma e as conversações na Casa Branca
Por Mauro Santayana, em seublog:
A primeira referência séria de um líder norte-americano sobre o Brasil foi de Thomas Jefferson. Em maio de 1787 – quando era embaixador em Paris, dois anos antes da reunião dos Estados Gerais e da descoberta da conspiração de Vila Rica – Jefferson se encontrou, em Nimes, no sul da França, com José Joaquim da Maia, que lhe falou sobre a possível independência do Brasil e das relações que poderiam estabelecer-se entre as duas nações, que ocupavam posição predominante no sul e no norte do hemisfério ocidental.
]Jefferson enviou seu relatório, bem divulgado pelos historiadores brasileiros, ao futuro Secretário de Estado, John Jay. O documento não tratava somente do Brasil, mas, também, do México e do Peru. No caso brasileiro, além de relatar o que lhe dissera José Joaquim da Maia sobre as riquezas brasileiras, a situação estratégica do Brasil e a possibilidade de uma insurreição vitoriosa - se os brasileiros tivessem armas e alguma assistência militar que estavam dispostos a pagar, conforme seu interlocutor - Jefferson prevê vantagens comerciais para o seu país.
A personalidade de Joaquim José da Maia não é muito conhecida. Não se tem notícia de outra presença sua na História, além do encontro com Jefferson. No ano seguinte, ainda muito jovem, ele morreria. Mas o fato levanta a hipótese de que a conjuração mineira já se encontrava em andamento, e tinha presença entre os estudantes brasileiros de Montpellier – a maioria deles das Minas. Coube a Domingos Vidal Barbosa, como registram os Autos da Devassa da Inconfidência, levar a informação da posição de Jefferson aos inconfidentes.
O mesmo Jefferson voltará a referir-se ao Brasil, 30 anos depois, em carta a La Fayette, seu amigo e um dos combatentes na Guerra da Independência dos Estados Unidos. Retirado em Monticello, o grande homem de Estado comenta os assuntos do mundo e de seu país. Ao discutir os problemas continentais, refere-se ao Brasil – a correspondência é de 14 de maio de 1817, quando a Revolução Pernambucana, iniciada em 6 de março, lhe parecia vitoriosa, embora naquela mesma semana as tropas legalistas tivessem sitiado o movimento, que seria logo debelado. Diz então Jefferson a Lafayette (Jefferson, Writings, The Library of America, 1984, pag. 1409) que Portugal, ávido em manter suas extensões no sul, acabara de perder a rica província de Pernambuco, e que ele não se espantaria se os brasileiros mandassem logo de volta a Portugal sua família real. E se referia ao Brasil como mais populoso, muitíssimo mais extenso, mais rico e mais sábio do que a metrópole.
Ao longo destes dois séculos e algumas décadas de vida das duas nações, poderíamos ter encontrado convivência melhor, mas os norte-americanos – talvez com exceção de Jefferson e alguns poucos mais – sempre nos viram como inferiores e sujeitos à sua vontade. Faltou-nos falar-lhes sem arrogância, mas com firmeza. É constrangedor anotar que, salvo em alguns momentos, como os de Getúlio, no Brasil, e Franklin Roosevelt (não Ted) nos Estados Unidos, os gestos de subserviência partiram das próprias elites brasileiras.
A visita da presidente Dilma Roussef a Washington está sendo vista, por certos observadores, como de poucos resultados. Entre outros fatos, apontam que não lhe foi oferecido um jantar de gala, mas simples almoço de trabalho. Trata-se de bom sinal: a austeridade do encontro demonstra que, nas conversações preliminares, os diplomatas norte-americanos perceberam que a chefe de Estado não chegava aos Estados Unidos para o ritual de vassalagem - conforme ocorria em certo período de nosso passado quase recente - mas como representante de uma nação soberana, disposta a discutir assuntos de interesse recíproco, de forma séria e honrada.
Ao não transformar uma conversa de trabalho em jantar de gala, Obama tratou o Brasil como o Brasil quer ser tratado: um país que não se deixa engambelar por homenagens dessa natureza. Não somos mais dirigidos por personalidades deslumbradas, que se sentem engrandecidas quando são conduzidas ao Palácio de Buckingham em carruagens puxadas a cavalos brancos e de arneses prateados, a fim de serem recebidos por uma rainha astuta.
As relações entre os dois países podem, e devem, ser melhores do que nunca foram – desde que os norte-americanos nos vejam em nossa devida dimensão. O Brasil, ao contrário de certos desavisados, não tem a pretensão de liderar os paises sulamericanos, mas sente o dever de defender a autodeterminação de seus vizinhos, como defende a própria. Não queremos que nos estendam o tapete vermelho, mas que nos recebam com o respeito que os amigos se merecem. Pelo menos, este é o sentimento do povo brasileiro, ainda que não seja o de todos os seus diplomatas e homens públicos.
A viagem de Dilma Roussef deve ser entendida como um êxito. Tratou-se de uma conversa franca, e não de troca de amabilidades chochas, ditadas pelas conveniências da diplomacia. O confronto de interesses entre os dois grandes países é normal. Anormal seria a subordinação dos interesses de um aos interesses do outro. As discórdias se resolvem nos acordos e tratados, sempre que em benefício comum.
A primeira referência séria de um líder norte-americano sobre o Brasil foi de Thomas Jefferson. Em maio de 1787 – quando era embaixador em Paris, dois anos antes da reunião dos Estados Gerais e da descoberta da conspiração de Vila Rica – Jefferson se encontrou, em Nimes, no sul da França, com José Joaquim da Maia, que lhe falou sobre a possível independência do Brasil e das relações que poderiam estabelecer-se entre as duas nações, que ocupavam posição predominante no sul e no norte do hemisfério ocidental.
]Jefferson enviou seu relatório, bem divulgado pelos historiadores brasileiros, ao futuro Secretário de Estado, John Jay. O documento não tratava somente do Brasil, mas, também, do México e do Peru. No caso brasileiro, além de relatar o que lhe dissera José Joaquim da Maia sobre as riquezas brasileiras, a situação estratégica do Brasil e a possibilidade de uma insurreição vitoriosa - se os brasileiros tivessem armas e alguma assistência militar que estavam dispostos a pagar, conforme seu interlocutor - Jefferson prevê vantagens comerciais para o seu país.
A personalidade de Joaquim José da Maia não é muito conhecida. Não se tem notícia de outra presença sua na História, além do encontro com Jefferson. No ano seguinte, ainda muito jovem, ele morreria. Mas o fato levanta a hipótese de que a conjuração mineira já se encontrava em andamento, e tinha presença entre os estudantes brasileiros de Montpellier – a maioria deles das Minas. Coube a Domingos Vidal Barbosa, como registram os Autos da Devassa da Inconfidência, levar a informação da posição de Jefferson aos inconfidentes.
O mesmo Jefferson voltará a referir-se ao Brasil, 30 anos depois, em carta a La Fayette, seu amigo e um dos combatentes na Guerra da Independência dos Estados Unidos. Retirado em Monticello, o grande homem de Estado comenta os assuntos do mundo e de seu país. Ao discutir os problemas continentais, refere-se ao Brasil – a correspondência é de 14 de maio de 1817, quando a Revolução Pernambucana, iniciada em 6 de março, lhe parecia vitoriosa, embora naquela mesma semana as tropas legalistas tivessem sitiado o movimento, que seria logo debelado. Diz então Jefferson a Lafayette (Jefferson, Writings, The Library of America, 1984, pag. 1409) que Portugal, ávido em manter suas extensões no sul, acabara de perder a rica província de Pernambuco, e que ele não se espantaria se os brasileiros mandassem logo de volta a Portugal sua família real. E se referia ao Brasil como mais populoso, muitíssimo mais extenso, mais rico e mais sábio do que a metrópole.
Ao longo destes dois séculos e algumas décadas de vida das duas nações, poderíamos ter encontrado convivência melhor, mas os norte-americanos – talvez com exceção de Jefferson e alguns poucos mais – sempre nos viram como inferiores e sujeitos à sua vontade. Faltou-nos falar-lhes sem arrogância, mas com firmeza. É constrangedor anotar que, salvo em alguns momentos, como os de Getúlio, no Brasil, e Franklin Roosevelt (não Ted) nos Estados Unidos, os gestos de subserviência partiram das próprias elites brasileiras.
A visita da presidente Dilma Roussef a Washington está sendo vista, por certos observadores, como de poucos resultados. Entre outros fatos, apontam que não lhe foi oferecido um jantar de gala, mas simples almoço de trabalho. Trata-se de bom sinal: a austeridade do encontro demonstra que, nas conversações preliminares, os diplomatas norte-americanos perceberam que a chefe de Estado não chegava aos Estados Unidos para o ritual de vassalagem - conforme ocorria em certo período de nosso passado quase recente - mas como representante de uma nação soberana, disposta a discutir assuntos de interesse recíproco, de forma séria e honrada.
Ao não transformar uma conversa de trabalho em jantar de gala, Obama tratou o Brasil como o Brasil quer ser tratado: um país que não se deixa engambelar por homenagens dessa natureza. Não somos mais dirigidos por personalidades deslumbradas, que se sentem engrandecidas quando são conduzidas ao Palácio de Buckingham em carruagens puxadas a cavalos brancos e de arneses prateados, a fim de serem recebidos por uma rainha astuta.
As relações entre os dois países podem, e devem, ser melhores do que nunca foram – desde que os norte-americanos nos vejam em nossa devida dimensão. O Brasil, ao contrário de certos desavisados, não tem a pretensão de liderar os paises sulamericanos, mas sente o dever de defender a autodeterminação de seus vizinhos, como defende a própria. Não queremos que nos estendam o tapete vermelho, mas que nos recebam com o respeito que os amigos se merecem. Pelo menos, este é o sentimento do povo brasileiro, ainda que não seja o de todos os seus diplomatas e homens públicos.
A viagem de Dilma Roussef deve ser entendida como um êxito. Tratou-se de uma conversa franca, e não de troca de amabilidades chochas, ditadas pelas conveniências da diplomacia. O confronto de interesses entre os dois grandes países é normal. Anormal seria a subordinação dos interesses de um aos interesses do outro. As discórdias se resolvem nos acordos e tratados, sempre que em benefício comum.
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