09 abril 2012

IMPRENSA, ESCÂNDALOS E ARAPONGAS

O escândalo Watergate está completando 40 anos. Como seria a cobertura jornalística
de tal caso nos dias de hoje? Como "evoluiu" o sistema de arapongagem? Como o
Brasil se situa nesse campo, nos dias de hoje, com os conluios entre a imprensa (revista
Veja, até agora), políticos e criminosos? Leiam os dois artigos abaixo. Eles contam um
pouco dessa história. 






COMO O ESCÂNDALO WATERGATE SERIA
COBERTO HOJE PELA IMPRENSA?


Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa








 Esta foi a pergunta feita aos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, as estrelas principais do congresso anual da Sociedade de Editores de Notícias dos Estados Unidos (ASNE), que promoveu umacelebração antecipada dos 40 anos do escândalo investigado pelos dois jornalistas e que culminou na renúncia do então presidente Richard Nixon.


Woodward e Bernstein tentaram responder,  mas não conseguiram ir além de uma nostálgica constatação de que os tempos mudaram e que os jovens estudantes de jornalismo nas faculdades de hoje estão mais preocupados com as novas tecnologias do que com os protagonistas da informação diária.
A provocação feita por um colega de Woodward e Bernstein motivou um professor da universidade de Yale a pedir que alunos da escola de jornalismo escrevessem textos contando como acham que o escândalo seria coberto hoje. A maioria confessou que iria imediatamente para a Internet buscar informações.
A reação dos estudantes deixou Woodward indignado,  mas a pergunta vale um debate porque a questão pode ajudar a entender melhor o contexto informativo no qual estamos mergulhados.  A troca de ideias pode ajudar novos e velhos jornalistas a achar pontos de identificação, em vez de antagonismos estéreis.
Para começar, temos que ver o ambiente político da época em que os dois jornalistas do Washington Post iniciaram uma investigação que se tornaria um marco na história do jornalismo mundial.  O caso Watergate ganhou tanta repercussão porque a política do início dos anos 1970 ainda estava marcada por uma imagem moralista. Hoje são tantos os casos de corrupção e espionagem ilegal  que pipocam em governos de todo mundo que a desastrada invasão dos escritórios do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington DC, seria vista apenas como mais um item na carregada pauta de escândalos políticos.
Além disso, é certo que Woodward e Bernstein teriam a companhia de milhares de blogueiros despejando na internet uma avalancha de informações, a maioria de difícil comprovação imediata, fazendo com que o público assumisse uma posição desconfiada. Isso sem falar no inevitável  surgimento de versões dos acusados ou suspeitos, postadas em sites como o Twitter ou outras redes sociais.
Em 1972, os leitores do Washington Post puderam acompanhar as investigações do escândalo de forma ordenada, sequencial , seguindo o padrão jornalístico tradicional. Hoje, isto seria impossível diante dacacofonia noticiosa que imediatamente ocuparia quase todos os canais de comunicação. 
Os repórteres do Post dificilmente teriam conseguido hoje brilhar sozinhos na ribalta jornalística criada em torno de Watergate, como aconteceu há quatro décadas. Seus 15 minutos de fama que se prolongaram até hoje provavelmente não teriam durado mais que o tempo para que o trendsets (seguidor de tendências)  do Twitter registrasse o surgimento de um novo fenômeno de audiência online.
Woodward e Bernstein obtiveram quase todas as informações sobre o envolvimento de assessores do presidente Nixon da boca de um informante congnominado “Garganta Profunda” (Deepthroat), só muitos anos depois identificado como Mark Felt, um funcionário da CIA.  Na era da internet, muito provavelmente ele teria criado o seu próprio blog e suas informações passariam a ser de domínio comum da imprensa. 
No submundo contemporâneo da “arapongagem”, os informantes trocam informação por algo que geralmente é a impunidade. Mas  na era digital é mais negócio usar o anonimato da rede para soltar notícias porque o autor tem mais controle sobre a divulgação das mesmas, e  fica livre para negociar com quem pagar mais ou oferecer mais vantagens. 
A lista de comparações entre o Watergate analógico dos anos 1970 e  os escândalos contemporâneos têm uma diferença fundamental.  Há 40 anos, a imprensa tinha o controle sobre a divulgação das acusações, investigações e acusações porque era o principal canal de informações para o público. Hoje, ela  continua dependente de “gargantas profundas” como mostram os escândalos recentes em Brasília, mas tem que competir com blogs e qualquer jornalista com acesso à internet.
Na década de 1970, o mundo ainda podia ser analisado na base dos bons contra os maus. Hoje a coisa está muito mais complicada, o que torna muito complexo o trabalho da imprensa, especialmente  quando  ela leva a sério a sua função de checar as denúncias e revelar os interesses por trás de acusações ou notícias “plantadas”.
Estas são apenas algumas comparações possíveis, pois o assunto é vasto e complexo. Os leitores certamente têm muitas outras e podem compartilhá-las aqui, usando a seção de comentários.


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Dor de garganta

Sérgio Augusto (*)


Muito antes de Demóstenes Torres vir ao mundo a prudência já recomendava que não podemos confiar em ninguém, que todos são suspeitos até prova em contrário. Se até o Demóstenes original, o grande orador grego, vendeu-se a um ministro da Macedônia de Alexandre, por que um orador goiano, amigo de bicheiro, haveria de ser diferente?
Certo, nem todo herói de hoje é o vilão de amanhã, mas a história está cheia de revertérios similares ao do nosso encachoeirado senador. O exemplo mais recente é William Mark Felt, o misterioso informante do Escândalo Watergate, que morreu herói em 2008 e acaba de ressuscitar vilão num livro do jornalista Max Holland.
Felt, o segundo na hierarquia do FBI em 1972, ganhou fama com o codinome Deep Throat (Garganta Profunda), ao qual, diga-se, jamais se acostumou. Leak: Why Mark Felt Became Deep Throat intitula-se o livro. Na língua do Demóstenes Torres, “Vazamento: Por que Mark Felt virou Garganta Profunda”. Lançado há três semanas pela University Press of Kansas (304 págs., US$ 19,77 na Amazon.com), não arranha só a reputação do informante, mas também de outros coadjuvantes do mais célebre caso de espionagem política ocorrido na América.
Trono vago
O escândalo está fazendo 40 anos. Entre maio e junho de 1972, durante a campanha presidencial que culminaria com a reeleição de Richard Nixon, em novembro, um grupo de cinco pessoas tentou fotografar documentos e instalar aparelhos de escuta na sede do Comitê Nacional do Partido Democrata, no Complexo Watergate, em Washington. Na noite de 17 de junho, a quadrilha foi presa com a mão na botija. No Washington Post do dia seguinte o assalto ganhou a primeira página como um fait divers policial, logo transformado numa intrincada trama política envolvendo diretamente a Casa Branca.
Pelo menos quatro dos cinco espiões trabalhavam para a CIA, de resto proibida por lei de atuar dentro do país, jurisdição do FBI. Um acúmulo de abusos e desacertos, que, investigado à exaustão pela dupla de repórteres do Post Bob Woodward-Carl Bernstein, culminou com a renúncia de Nixon, em agosto de 1974. Deep Throat foi o fio de ariadne até o presidente, mas não o único informante secreto de Woodward, que conhecia Felt desde 1969 e só revelou sua verdadeira identidade depois que o próprio Felt o fizera, num artigo para a revista Vanity Fair, em 2005, na verdade escrito por John O’Connor, pois àquela altura Felt, com Alzheimer, não se lembrava de nada.
O filme Todos os Homens do Presidente mitificou além da conta a figura do informante que marcava encontros com Woodward numa garagem. Até lhe atribuiu um conselho, “Follow the money” (Siga o dinheiro), que virou mantra em investigações de casos de corrupção mundo afora e nunca saiu da boca de Deep Throat, foi invenção do roteirista William Goldman. Ao tirar a máscara, Felt afirmou que não se considerava um herói, mas um patriota que apenas tentara “ajudar” o país, proteger o FBI e evitar que abusos de poder ainda maiores pudessem afetar a reputação da presidência.
Bonito, nobre, mas pura bazófia, segundo Holland. Como na língua do Demóstenes Torres, garganta também é sinônimo de gabola e fanfarrão, o cognome dado a Felt ganhou, aos meus olhos, uma nova dimensão. Também o considerava um servidor público corajoso, desapegado ao cargo, mais fiel à sua consciência do que ao patrão que de forma decisiva ajudou a derrubar.
O patrão na mira de Felt, porém, não era, segundo Holland, o presidente Nixon, mas seu superior na hierarquia do FBI, L. Patrick Gray, interino no trono vagado por Hoover em maio de 1972. Felt cobiçava a direção do Bureau e teria agido o tempo todo com a intenção de detonar o chefe, demonstrando ao presidente que Gray não conseguia controlar seus subordinados. A queda de Nixon teria sido, portanto, um simples dano colateral.
Erro e acerto
No livro Secret Agenda, Jim Hougan acusou Felt de desviar o Post das pegadas da CIA, fornecendo a Woodward pistas e informações falsas. Com as atenções voltadas para o FBI, a participação da CIA no arrombamento do Comitê Democrata ficou em segundo plano. Pouco importa. Sobrou castigo para todos. Gray rodou da chefia, Felt não pegou seu lugar, os arrombadores foram presos, Nixon teve de entregar a rapadura e os democratas venceram as eleições presidenciais de 1976.
Não foi, para Felt, uma vitória de pirro. Afinal de contas, ele morreu como herói, ainda que de mentira ou por acidente como os personagens de Eddie Bracken e Dustin Hoffman nas comédias Hail a Conquering Hero Hero. Seu maior feito voluntário foi manter secreta a identidade de Deep Throat durante três décadas e meia, driblando o assédio e a vigilância de agentes do FBI e jornalistas.
Edward Jay Epstein quase o entregou em julho de 1974, nas páginas da conservadora Commentary. Foi o primeiro a intuir que os vazamentos não visavam a Nixon e sim à direção do FBI, mas perdeu o rumo ao acreditar que Deep Throat era um compósito de informantes, não uma pessoa. Por isso desprezou a informação de que alguns procuradores acreditavam que a misteriosa fonte do Post fosse, “provavelmente, Mark W. Felt, Jr.”. Errou na grafia, mas acertou na pessoa; faltou correr atrás do suspeito. Ninguém correu.
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[Sérgio Augusto é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]


Fonte: www.observatóriodaimprensa.com.br 



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