Demóstenes, Marconi e Policarpo
Por Mino Carta, na Revista CartaCapital
O caso do senador Demóstenes Torres é representativo de uma crise moral que, a bem da sacrossanta verdade, transcende a política, envolve tendências, hábitos, tradições até, da sociedade nativa. No quadro, cabe à mídia um papel de extrema relevância. Qual é no momento seu transparente objetivo? Fazer com que o escândalo goiano fique circunscrito à figura do senador, o qual, aliás, prestimoso se imola ao se despedir do DEM. DEM, é de pasmar, de democratas.
Ora, ora. Por que a mídia silencia a respeito de um ponto importante das passagens conhecidas do relatório da Polícia Federal? Aludo ao relacionamento entre o bicheiro Cachoeira e o chefe da sucursal da revista Veja em Brasília, Policarpo Júnior. E por que com tanto atraso se refere ao envolvimento do governador Marconi Perillo? E por que se fecha em copas diante do sequestro sofrido por CartaCapital em Goiânia no dia da chegada às bancas da sua última edição? Lembrei-me dos tempos da ditadura em que a Veja dirigida por mim era apreendida pela PM.
A omissão da mídia nativa é um clássico, precipitado pela peculiar convicção de que fato não noticiado simplesmente não se deu. Não há somente algo de podre nas redações, mas também de tresloucado. Este aspecto patológico da atuação do jornalismo pátrio acentua-se na perspectiva de novas e candentes revelações contidas no relatório da PF. Para nos esclarecer, mais e mais, a respeito da influência de Cachoeira junto ao governo tucano de Goiás e da parceria entre o bicheiro e o jornalista Policarpo. E em geral a dilatar o alcance da investigação policial.
Quanto à jornalística, vale uma súbita, desagradável suspeita. Como se deu que os trechos do documento relativos às conversas entre Cachoeira e Policarpo tenham chegado à redação deVeja? Sim, a revista os publica, quem sabe apenas em parte, para demonstrar que o chefe da sucursal cumpria dignamente sua tarefa profissional. Ou seria missão? No entanto, à luz de um princípio ético elementar, o crédito conferido pelo jornalista às informações do criminoso configura, por si, a traição aos valores da profissão. Quanto à suspeita formulada no início deste parágrafo, ela se justifica plenamente: é simples supor vazamento originado nos próprios gabinetes da PF. E vamos assim de traição em traição.
A receita não a dispensa, a traição, antes a exige nas mais diversas tonalidades e sabores. A ser misturada, para a perfeição do guisado, com hipocrisia, prepotência, desfaçatez, demagogia, arrogância etc. etc. E a contribuição inestimável da mídia, empenhada em liquidar rapidamente o caso Demóstenes, para voltar, de mãos livres, à inesgotável tentativa de criar problemas para o governo. Os resultados são decepcionantes, permito-me observar. A popularidade da presidenta Dilma acaba de crescer de 72% para 77%.
E aqui constato haver quem tenha CartaCapital como praticante de um certo, ou incerto, “jornalismo ideológico”. Confesso, contristado, minha ignorância quanto ao exato significado da expressão. Se ideológico significa fidelidade canina à verdade factual, exercício desabrido do espírito crítico, fiscalização diuturna do poder onde quer que se manifeste, então a definição é correta. E é se significa que, no nosso entendimento, a liberdade é apanágio de poucos, pouquíssimos, se não houver igualdade. A qual, como sabemos, no Brasil por ora não passa de miragem.
E é se a prova for buscada na nossa convicção de que Adam Smith não imaginava, como fim último do capitalismo, fabricantes de dinheiro em lugar de produtores de bens e serviços. Ou buscada em outra convicção, a da irresponsabilidade secular da elite nativa, pródiga no desperdício sistemático do patrimônio Brasil e hoje admiravelmente representada por uma minoria privilegiada exibicionista, pretensiosa, ignorante, instalada no derradeiro degrau do provincianismo. Ou buscada no nosso apreço por toda iniciativa governista propícia à distribuição da renda e à realização de uma política exterior independente.
Sim, enxergamos no tucanato a última flor do udenismo velho de guerra e em Fernando Henrique Cardoso um mestre em hipocrisia. Quid demonstrandum est pela leitura do seu mais recente artigo domingueiro na página 2 do Estadão. O presidente da privataria tucana, comprador dos votos parlamentares para conseguir a reeleição e autor do maior engodo eleitoral da história do Brasil, afirma, com expressão de Catão, o censor, que se não houver reação, a corrupção ainda será “condição de governabilidade”.
Achamos demagógica e apressada a decisão de realizar a Copa no Brasil e tememos o fracasso da organização do evento, com efeitos negativos sobre o prestígio conquistado pelo País mundo afora nos últimos dez anos. Ah, sim, estivéssemos de volta ao passado, a 2002, 2006 e 2010, confirmaríamos nosso apoio às candidaturas de Lula e Dilma Rousseff. Se isso nos torna ideológicos, também o são os jornais que nos Estados Unidos apoiaram e apoiarão Obama, ou que na Itália se colocaram contra Silvio Berlusconi. Ou o Estadão, quando em 2006 deu seu voto a Geraldo Alckmin e em 2010 a José Serra.
Não acreditamos, positivamente, que de 1964 a 1985 o Brasil tenha sido entregue a uma “ditabranda”, muito pelo contrário, embora os ditadores, e seus verdugos e torturadores, tenham se excedido sem necessidade em violência, por terem de enfrentar uma resistência pífia e contarem com o apoio maciço da minoria privilegiada, ou seja, a dos marchadores da família, com Deus e pela liberdade. Hoje estamos impavidamente decepcionados com o comportamento de muitos que se apresentavam como esquerdistas e despencaram do lado oposto, enquanto gostaríamos que a chamada Comissão da Verdade atingisse suas últimas consequências.
Agora me pergunto como haveria de ser definido o jornalismo dos demais órgãos da mídia nativa, patrões, jagunços, sabujos e fâmulos, com algumas exceções, tanto mais notáveis porque raras. Ideologias são construídas pelas ideias. De verdade, alimentamos ideias opostas. Nós acreditamos que algum dia o Brasil será justo e feliz. Eles querem que nada mude, se possível que regrida.
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Crise e oportunidade
Por Marcos Coimbra, na Revista CartaCapital
Enganam-se os que pensam que a atual- crise política diz respeito unicamente ao governo. Ele está no meio dela, mas não foi o que a criou ou é o que tem de encontrar sozinho os modos de superá-la.
Os fatos que levaram à sua deflagração são conhecidos: um dia, o governo perdeu no Senado a votação para a recondução do presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres. A maioria dos senadores não aprovou o nome indicado pelo Planalto.
Pronto, a crise estava oficialmente instalada.
Pouco importou se naquele resultado pesaram fatores particulares. A inimizade de longa data do senador Roberto Requião (PMDB-PR) para com o candidato da presidenta, que levou alguns de seus colegas a votar solidariamente com ele, foi uma causa importante, mas ninguém lhe deu destaque.
O que ficou foi a derrota do governo. E as coisas começaram a andar a partir daí.
O clima no Congresso Nacional se complicou. Quem tinha queixas se encheu de coragem e resolveu se queixar ainda mais. Alguns deputados e senadores sempre contabilizados como integrantes da “base” entraram em motim aberto. Não foram muitos, mas logo conquistaram adeptos.
No Palácio do Planalto, a primeira reação foi substituir os líderes no Senado e na Câmara. Pagou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) pelos pecados do senador Romero Jucá (PMDB-RR). Saíram juntos.
De lá para cá, o governo não teve, no entanto, mais sossego. Algumas pequenas derrotas, nenhuma importante, não preocuparam. Mas duas votações decisivas foram interrompidas: empacaram o Código Florestal e a Lei Geral da Copa.
Em horas desse tipo, logo surge quem queira se aproveitar. É assim, por exemplo, quando o trânsito fica engarrafado nas grandes cidades. Como por mágica, aparecem vendedores de tudo – água, biscoitos, jornais – tentando faturar um trocado.
Partidos com a densidade de um PR, que pouquíssimas pessoas nem sequer sabem que existe, declararam-se “fora da base”. Mas sem queimar navios: deixaram claro que voltariam assim que se sentissem “valorizados”.
Partidos com a densidade de um PR, que pouquíssimas pessoas nem sequer sabem que existe, declararam-se “fora da base”. Mas sem queimar navios: deixaram claro que voltariam assim que se sentissem “valorizados”.
Até o cidadão comum, que acompanha pouco o noticiário e não se interessa por política, entende a crise. Como mostram as pesquisas qualitativas disponíveis, ela é percebida como uma queda de braço entre Dilma e “os políticos”. Eles tentando levar vantagens; ela não o permitindo.
Não é surpresa que a vasta maioria da opinião pública esteja do lado da presidenta na peleja. Mas a aprovação sozinha não resolve o impasse. Crise e oportunidade, como dizem aqueles que têm interesse por orientalismos, andam juntas. No chinês tradicional, isso fica evidente: a palavra “crise” é formada por dois elementos, um que representa “perigo”, outro que significaria “ocasião propícia”.
Há quem explique a crise de agora pela impaciência da presidenta com os velhos hábitos da política brasileira. São os que dizem que é sua falta de cintura e sua inapetência para o diálogo político que levaram o governo à situação atual. Que isso não teria acontecido com seus antecessores, mais escolados nas manhas e tretas da negociação parlamentar.
Talvez. Mas a mesma historia pode ser contada de maneira diferente.
Talvez. Mas a mesma historia pode ser contada de maneira diferente.
A “dureza” e a “teimosia” de Dilma abrem oportunidades. Sua baixa tolerância, seu pavio curto, sua recusa de passar a mão na cabeça de deputados e senadores existem e estão subjacentes à crise. São, no entanto, chances para mudar o minueto que o Executivo e o Legislativo vêm dançando desde o fim da ditadura.
Isso não seria bom apenas para o governo, mas para toda a sociedade brasileira. Se a oportunidade fosse aproveitada, Dilma não lucraria sozinha.
Interessa a todos. À oposição que, naturalmente, pretende voltar a ser governo. Aos empresários, sindicatos, movimentos sociais e às organizações de representação, que ganhariam com melhores regras de relacionamento entre os poderes. Às pessoas comuns, que as desejam desde sempre.
O complicado é desenvolver instrumentos para que as oportunidades sejam concretizadas. Um acordo mínimo entre governo e oposições – políticas, civis e midiáticas – é provavelmente necessário.
Dilma deu o primeiro passo. Quem dará o próximo?
HUMOR HUMOR HUMOR
(Tirado do blog de Paulo Henrique Amorim - www.conversaafiada.com.br)
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