20 abril 2012

IMPRENSA, POLÍTICA ECONÔMICA

IMPRENSA  MÍDIA  IMPRENSA  MÍDIA





CPI da mídia?


Por Mino Carta, na Revista Carta Capital 


Capas exemplares. Quando o caso explode, a revisitação do Sudário. Decidida a CPI, a versão que agrada ao patrão
Recheada de anúncios, a última edição da Veja esmera-se em representar à perfeição a mídia nativa. A publicidade premia o mau jornalismo. Mais do que qualquer órgão da imprensa, a semanal da Editora Abril exprime os humores do patronato midiático em relação à CPI do Cachoeira e se entrega à sumária condenação de um réu ainda não julgado, o chamado mensalão, apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história do País”.
A ligação entre o inquérito parlamentar e o julgamento no Supremo Tribunal Federal é arbitrária, a partir das sedes diferentes dos dois eventos. Mas a arbitrariedade é hábito tão arraigado dos herdeiros da casa-grande a ponto de formar tradição. Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão. Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado pelo Supremo.
O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção. Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília, com o infrator enfim preso. Não é o que se espera de um qualificado integrante do expediente de uma revista pronta a se apresentar como filiada ao clube das mais importantes do mundo. Pois é, o Brasil ainda é capaz de dar guarida a grandes humoristas.
Não faltam, nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT. É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”. De graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de CartaCapital, pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa 2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames de consciência entre o fígado e a alma.
Casa-grande e senzala continuam de pé e, por ora, falta quem se atire à demolição. No fundo, os graúdos sempre anseiam aparecer no Jornal Nacional e nas páginas amarelas de Veja. Um convescote promovido por João Dória Jr., de próxima realização, conta com a presença de 14 governadores. Nem ouso me referir ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira. O qual, obviamente, está em ótimas mãos. Igual a Daniel Dantas.
Resta algo mais, merecedor de destaque e, suponho em vão, da atenção da mídia nativa. Passou oito anos a agredir o presidente Lula e o agredido contumaz deixou o governo com quase 90% de aprovação. A presidenta Dilma, embora ex-guerrilheira não é ex-metalúrgica, e tem merecido alguma condescendente compreensão. Mesmo assim, se houver oportunidade, não será poupada. Por enquanto, cuida-se, de quando em quando, de colocar pedras em seu caminho. Não são o bastante, ela cresce inexoravelmente em popularidade. Não me arrisco a crer que os alicerces da senzala comecem a ser abalados, já me enganei demais ao longo da vida. Por parte da mídia, não valeria, porém, analisar os fatos com um mínimo de realismo?





Liberdade de expressão: vestígios do
Brasil de Vieira 



(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

As informações muitas vezes são desencontradas, mas com uma boa dose de paciência e de persistência, quem visitar Salvador hoje ainda poderá conhecer algumas preciosidades.

Exemplos:

** As fundações originais do Colégio dos Jesuítas (1553), depois Hospital Real Militar da Cidade do Salvador,localizado no Largo do Terreiro de Jesus. O prédio, onde ainda hoje funciona a Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, foi construído sobre essas fundações seculares que lá permanecem, quase 500 anos depois.

Foi aí que o menino Antonio Vieira, nascido em Lisboa, mas logo transferido para a Bahia – onde seu pai, Cristóvão Vieira Ravasco, era escrivão do Tribunal da Relação – se transformou no padre jesuíta que marcou o século 17 como destemido defensor dos povos nativos e dos “cristãos novos”, conselheiro de reis, diplomata e “imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa).

** Alguns locais onde Vieira fez seus mais importantes sermões, parcialmente preservados. É o caso da capela restaurada da Santa Casa de Misericórdia (1549-1552) e do púlpito da antiga Igreja de Nossa Senhora da Ajuda – construída em 1549, reformada em 1579, demolida em 1912 e reconstruída em 1923.

** Vestígios da antiga Quinta do Tanque ou Quinta dos Padres, hoje conhecida como Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, onde funciona o Arquivo Público da Bahia. Aí Vieira passou os últimos 16 anos de sua vida preparando seus sermões para publicação.

** A cela onde teria falecido e o local onde teria sido enterrado Vieira na Catedral Basílica Primacial de São Salvador, antiga capela do Colégio dos Jesuítas(1566/1656), no Largo do Terreiro de Jesus.

Antonio Vieira x John Milton

Esse retorno ao passado se justifica.

Um instigante desafio para os interessados nas dificuldades ainda hoje existentes na compreensão e na prática dos conceitos de liberdade de expressão e liberdade da imprensa no Brasil é colocar em perspectiva histórica comparada a realidade do Brasil e da Inglaterra, a partir do século 17. Foi na terra e na época de Hobbes, Milton e Locke que teve início a defesa moderna da liberdade de expressão e da liberdade de imprimir “sem licença prévia”.

Um bom começo para explorar esse desafio seria estudar as circunstâncias da vida e da obra de dois ilustres representantes do pensamento seiscentista: o padre Antonio Vieira (1608-1697), no Brasil, e John Milton (1608-1674), na Inglaterra.

Existe pelo menos um estudo que compara Vieira e Milton, mas se refere apenas às características proféticas e utópicas do pensamento de ambos (Nuno M. D. P. Ribeiro, The second coming: prophecy and utopian thought in John Milton and Antonio Vieiradisponível aqui).

Estudar comparativamente Vieira e Milton é ainda apenas um projeto. Por hora, registro que as “circunstâncias” de boa parte da vida de Vieira podem ser encontradas na Bahia seiscentista, mesmo século do advogado e poeta Gregório de Matos (de quem Vieira tornou-se amigo no retorno ao Brasil, em 1681). O jesuíta viveu na Bahia por mais de 41 anos, na sua infância, juventude e início da maturidade (1614-1641), e, depois, na sua velhice (1681-1697). Na Bahia ele pronunciou alguns dos seus mais importantes sermões.

Referências iniciais seriam (1) o sermão da Visitação de Nossa Senhora, proferido por Vieira na Santa Casa de Misericórdia, em julho de 1640; e (2) o discurso ao parlamento inglês de Milton, conhecido como Areopagitica, escrito em novembro de 1644 e publicado em português pela primeira vez no Correio Braziliense de Hipólito da Costa, em 1810.

São textos separados por apenas quatro anos que, todavia, sinalizam um enorme abismo civilizatório.

Vieira, fazendo um balanço geral da situação em que se encontrava a colônia, afirmava, na presença do recém nomeado vice-rei, o marquês de Montalvão, que o Brasil estava na mesma condição do infante, isto é, aquele que não fala e que “a maior ocasião de seus males” era exatamente “tolher-se-lhe a fala”.

Milton, por outro lado, dirigia-se ao Parlamento Britânico defendendo a plena liberdade individual de expressão e de imprimir sem licença prévia, em nome da razão e da liberdade, condições para que cada cidadão pudesse exercer seu livre arbítrio.

No Brasil colônia do início do século 17 não havia qualquer possibilidade de se imprimir. Como se sabe, a primeira tipografia (imprensa) só chegou aqui com o príncipe regente dom João, em 1808. Por outro lado, na Inglaterra do século 17, confirmavam-se valores e direitos do humanismo cívico republicano que iriam se consolidar ao longo dos séculos como conquistas humanas fundamentais.

Lições da história

O desafio fica apenas identificado.

Um mergulho no passado, a comparação com o que ocorria em outros países e a constatação de nosso atraso relativo ajudarão a entender as imensas dificuldades de superação do gap histórico existente desde a nossa colonização. Na verdade, esse gap parece ainda condicionar muito das resistências que interditam o debate e impedem que avancemos no sentido de dar voz àqueles que têm tido sua voz tolhida, como afirmou Vieira, desde o século 17.

Apesar de quatrocentos anos, muito mudou, mas muito ainda permanece semelhante.

Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.


Fonte: www.cartamaior.com.br 



POLÍTICA ECONÔMICA POLÍTICA ECONÔMICA



JUROS: A LIÇÃO QUE FICA

por Saul Leblon


Juros: a lição que fica

A rendição dos bancos ao novo ciclo de queda dos juros marca um divisor na forma de se fazer política econômica no país. Quebrou-se um lacre político. Rompeu-se uma parede hegemônica ardilosamente defendida durante décadas com argumentos supostamente técnicos. Em uma semana, o que era uma impossibilidade esférica, condicionada ao atendimento de uma soberba lista de 20 'contrapartidas' comunicada a Brasília com deselegância pelo presidente do sindicato dos bancos (Febraban) , Murilo Portugal, reverteu-se em adesão maciça ao corte das taxas. 

Como se deu a transmutação da inflexibilidade em cordura? O governo e os partidos progressistas não devem temer a resposta que os fatos comunicam. Ela pode ser resumida numa constatação:o Estado brasileiro deixou de ser, exclusivamente, um agente passivo da ganância e mero coadjuvante das 'forças de mercado' e de seus impulsos gananciosos.

É apenas o começo de uma travessia tateada desde o segundo mandato de Lula e que ganharia importante margem de manobra ideológica no colapso da ordem neoliberal, em 2008. Neste braço-de-ferro dos juros, superou-se a fronteira da ação meramente defensiva para se testar um movimento coordenado, bem sucedido, de cerco e corte dos spreads bancários. Em 15 dias o governo arregimentou os bancos estatais para um corte exemplar nas taxas de até 50% em algumas linhas. Ato contínuo, traduziu-se esse movimento em vantagens para milhões de pessoas oferecendo-se aos correntistas de instituições privadas a oportunidade de trocar de banco e de dívida, em condições vantajosas. A Presidenta da República e o ministro da Fazenda fecharam o cerco contra o bunker argentário com um discurso ineditamente político, incisivo e inteligível à maioria da população. 'Fundamentos técnicos' alegados para a persistência da usura foram esfarelados em praça pública. 

O dispositivo midiático conservador ainda tentou desqualificar a ofensiva classificada como 'voluntarismo estatal'. Rapidamente a exposição pública dos lucros astronômicos da banca privada -- há oito anos o setor é o mais rentável na lista das companhias abertas negocuadas em Bolsa-- e o contraponto exercido pelos bancos estatais, acendeu a luz amarelo nos centros de decisão das grandes instituições. A queda de braço era para valer; o governo não iria recuar. 

A execração pública já ganhava dimensão política na mídia alternativa e dela transbordaria fatalmente para a opinião pública. Na 4ª feira veio o golpe de misericórdia: o Banco Central cortou outros 0,75% na taxa básica de juros, o que baratearia ainda mais o custo de captação gerando ganhos adicionais ao já abusivos spreads bancários. A defesa da usura tornou-se insustentável. A revoada baixista selou a eficácia da ação política do Estado na reordenação do setor mais estratégico e influente da economia. 

Bancos são o coração da economia capitalista. Representam por assim dizer a infraestrutura básica do sistema garantindo o provimento do crédito e o financiamento indispensáveis ao conjunto da economia. Trata-se de um serviço público exercido por agentes privados cada vez mais cartelizados, diga-se, já que seis bancões dominam 80% do mercado,.

O governo parece ter descoberto que essa alavanca poderosa não pode mais ser deixada à sua própria lógica. Porém, mais que isso: pode constatar que o Estado brasileiro, embora desidratado pelo ciclo neoliberal, ainda tem poder político e instrumental para enquadrar e coordenar os interesses mais poderosos do país. A maior lição dessa descoberta é que ela vale também para equacionar outras esferas e desafios. O saldo é inestimável. Não deve ser esquecido.



Fonte: www.cartamaior.com.br 



Nenhum comentário:

Postar um comentário