SUJEIRA NÃO LIMPA SUJEIRA
Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
Veja derrubou Orlando Silva com uma matéria em que um ex-militante do PCdoB acusava o ex-camarada, então ministro do Esporte, de receber propinas em dinheiro, numa garagem em Brasília.
A denúncia do ex-policial militar João Dias carecia de provas e Veja sabia disso. Mesmo assim serviu-se das aspas, valorizou-as espetacularmente, deixando em segundo plano todas as falcatruas com as ONGs que, aliás, já haviam sido noticiadas e vinham sendo investigadas há tempos pelas autoridades.
O ministro do Esporte foi obrigado a demitir-se porque a Procuradoria Geral da República pediu a abertura de um inquérito e o Supremo Tribunal Federal autorizou-a. A investigação relaciona-se com as falcatruas e não com o recebimento de propinas. Depois da defenestração do ministro, seu acusador confessou à imprensa que desistiria de procurar as provas. Ninguém o cobrou por isso. Nem o semanário sentiu-se na obrigação de sequenciar o episódio.
Garantia de veracidade
Depois de divinizar o jornalismo investigativo como modalidade superior, exclusiva de uma tropa de elite, nossa imprensa está conseguindo avacalhá-lo com procedimentos abusivos. O uso de denúncias explosivas e espetaculares – não comprovadas e não comprováveis – para alavancar outras menos apelativas é um recurso chinfrim, maroto. Cria precedentes perigosos, estimula a criação de uma categoria de agentes provocadores e arapongas que vivem nos corredores do poder – sobretudo em Brasília – bicando tetas ou praticando extorsões.
Para sanear nossa vida pública convém utilizar procedimentos jornalísticos inquestionáveis. Aspas são garantias de veracidade, forjá-las sem comprovação é velhacaria.
Sujeira não limpa sujeira.
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COBERTURA SOLIDÁRIA. E CÍNICA.
Por Washington Araujo, no Observatório da Imprensa
Quando a divulgação de que um ex-presidente da República sofre de um câncer passa a ocupar desmesurado espaço na imprensa escrita, radiofônica, televisiva e virtual (web) é robusto sinal de que algo vai mal – muito mal – na nossa conhecida atividade jornalística. E é isso o que está acontecendo desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou à população que sofria de um câncer na laringe, na sexta-feira (28/10).
Triste espetáculo encenado por ícones do jornalismo: jornalistas há muito consagrados fingindo solidariedade ao presidente enfermo e usando a tal “solidariedade” como escada para desancar seu ideário político, desferindo pesado bombardeio opinativo contra suas festejadas conquistas quando à frente do governo; analistas políticos, ou que assim se julgam, usando os meios a seu dispor para, a título de condenação, endossar uma minoria rancorosa que, principalmente no mundo virtual, vocifera a estapafúrdia sugestão de que o ex-presidente trate de seu câncer na rede pública de saúde do país, o SUS.
A situação é de um cinismo tão exuberante que até os angelicais seres barrocos que prestam contínuos louvores à divindade em centenas de igrejas que remontam aos tempos do Brasil Colônia e do Brasil Império logo perceberiam que suas palavras não passam de deslavada fraude ética e moral. E isso fica mais evidente quando, vasculhando arquivos dos grandes jornais e revistas nos últimos 20 ou 30 anos, não encontramos qualquer registro de que os igualmente ex-presidentes Tancredo Neves, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney tenham, enquanto enfermos, no exercício da presidência da República ou não, buscado atendimento médico provido pelo Sistema Único da Saúde.
Cercadinho midiático
Do mesmo jeito, não temos conhecimento de qualquer endosso, velado ou escancarado, por parte de nossos paladinos da liberdade de expressão, a uma campanha para que demais lideranças políticas como os ex-governadores Mário Covas, Leonel Brizola e Orestes Quércia, apenas para mencionar uns poucos, tenham sido instados a recobrar sua saúde física e mental usando a estrutura do SUS. Todos calaram, desconversaram ou, simplesmente, fizeram o que seria mais apropriado: a questão de uma celebridade – seja política ou do mundo artístico – buscar tratamento em hospitais particulares carece de qualquer relevância jornalística. E por uma razão basilar: em qualquer país do mundo, em qualquer sociedade, seja capitalista ou socialista, democrática, teocrática ou ditatorial, as pessoas enfermas buscam tratamento médico de acordo com suas posses e de acordo com a capacitação dos médicos e a qualidade inovadora dos equipamentos hospitalares que suas finanças possam arcar.
Então, caberia perguntar, por que toda a algaravia? Por que tamanha potencialização de um clamor que não se sustenta em pé por si só? Por uma razão também basilar: o preconceito de classe. Isso mesmo: um ex-operário, sem diploma acadêmico, por mais que tenha alcançado o topo do poder político nacional por duas vezes consecutivas, e por mais que possa colecionar diplomas de doutorado na categoria honoris causa, a ele outorgados pelas mais prestigiosas universidades do mundo, ainda assim continuará sendo visto sempre pelas lentes do preconceito tupiniquim. Um preconceito que lhe joga na cara sempre que pode: “Você, não passa de um operário! Trate-se sua saúde, então, como reles operário que é. Não renegue suas origens, siga o caminho que o seu povo deve seguir em caso de doença”.
Explicação mais simples que essa, impossível. Será que não passa pela cabeça dos que clamam para que Lula se trate no SUS – ou pelos que, na mídia, avalizam a infeliz iniciativa – que nunca, absolutamente nunca, qualquer sistema de saúde mantido por qualquer governo terá orçamento suficiente para manter em seus quadro clínico os mais gabaritados cientistas na área médica, os mais renomados estudiosos dessa ou daquela enfermidade; e também não terá condições de manter em funcionamento, 24 horas por dia, os ultrassensíveis (e caríssimos) equipamentos hospitalares de ponta?
A verdade é que as matérias impressas nos dois ou três principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro têm um único objetivo: tonificar o preconceito contra o ex-operário Lula. Aquele mesmo que foi duplamente eleito presidente do Brasil e que, de quebra, ainda elegeu sua sucessora.
Essa mesma imprensa, tão ciosa em seu diuturno esforço por se autoproclamar guardiã de postulados éticos, ao invés de apoiar manifestações tão mesquinhas, deveria repudiá-las. Mas, mesmo desejando agora repudiar, suas manifestações carecem de autoridade moral porque não se encontram nelas algo essencial ao bom jornalismo: a pureza de motivos. Daí que alguns jornalistas, aproveitando para reverberar ainda mais a funesta campanha, aproveitam seu cercadinho midiático para expressar solidariedade ao ex-presidente desancando “seus infelizes e-leitores”, que demonstram tamanha desumanidade quando o momento seria mais propício para “expressar a mais elevada carga de caridade humanitária”.
Esquecem-se que, assim como nos ensinavam os gregos antigos (“dize-me com quem andas, que te direi quem és”), na situação atual poderíamos cunhar algo como “dize-me quem lês, que te direi o que pensas”. Com efeito, cada jornalista, cada colunista, cada analista na imprensa, tem exatamente o leitor que o merece.
Exemplo de superação
Não gostaria de encerrar sem antes me conceder outro exercício mental. É o seguinte: e se o ex-presidente Lula decidir se tratar, sim, pelo SUS? E se, por essas coisas do destino, lograr completa recuperação, igual ou melhor que aquela a ser provida pelo sistema privado de saúde? Seria o caso de esperarmos uma nova campanha dizendo que “o presidente Lula, embora tratado pelo SUS, recebeu cuidados médicos de seu médico particular de longa data – mais de 20 anos –, o doutor Roberto Khalil”?
Irônico constatar que a campanha “Lula vá para o SUS” é promovida pelos mesmos entes públicos, privados e midiáticos que orquestraram não faz dois anos aquela campanha contra o restabelecimento da CPMF, que deveria alavancar expressivo montante de recursos para subsidiar a saúde pública. Os mesmos que brandem tão insidioso ataque ao ex-presidente parecem esquecer o provérbio popular que reza “o câncer não dá só nos outros” – e, certamente, seriam os primeiros a buscar hospitais de primeira linha.
Desejo a Lula votos de rápida recuperação em sua saúde. Para alguém que já superou outros tipos de câncer, como o da ignorância e truculência da ditadura, o do preconceito dos poderosos e o da inveja dos fracassados, temos que esperar que um câncer na laringe é, por assim dizer, dos males, o menor.
O que me enoja, não é o câncer do Lula. O que me enoja é o partidarismo político-partidário da grande imprensa. Isso me enoja. Muito.
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O lado canalha do país
Por Ricardo Kotscho, em seu Blog
Ao voltar a São Paulo na noite de segunda-feira (31/10), após passar três dias mergulhado na Bienal Internacional do Livro de Alagoas, fiquei perplexo quando abri o computador e os jornais para ler o que andaram escrevendo a respeito da doença do ex-presidente Lula.
É inacreditável, revoltante, repugnante o comportamento de quem se aproveita deste momento delicado na vida dele para atacar o seu governo, encerrado com os maiores índices de aprovação de um presidente da República na história política brasileira.
Não me refiro apenas aos internautas doentes que frequentam as redes sociais, inclusive este blog, de onde são sumariamente deletados, mas insistem em enviar seus comentários carregados de ódio, preconceito e desrespeito pelos que pensam diferente.
Eles apenas refletem a onda, repetindo até com as mesmas palavras, o processo de radicalização que se espalhou pelo país no segundo turno da campanha eleitoral do ano passado, quando boa parte da grande imprensa deu tempo e espaço para colunistas e blogueiros encarregados de desconstruir a imagem de Lula e seu governo.
O mesmo discurso
O outro lado desta estupidez vimos na segunda-feira, quando a repórter Monalisa Perrone, da Rede Globo, foi agredida na entrada do Hospital Sírio-Libanês por dois cafajestes que se diziam de um movimento chamado Merd TV.
A culpa não é da internet, como agora denunciam alguns dos que participaram desta campanha sórdida ao descobrir que seus seguidores foram longe demais no desrespeito à figura humana do ex-presidente.
Mandar Lula se tratar no SUS e culpar o paciente pela sua doença é apenas um pretexto para despejar a saraivada de ofensas e grosserias, que não são de hoje, mas ganharam proporções alarmantes nos últimos dias.
Tenho o hábito de ler a área de comentários dos grandes portais e fico pensando se não tem ninguém nestas empresas capaz de dar um basta a este esgoto que corre a céu aberto nas chamadas redes sociais. Custa tanto fazer moderação dos comentários que muitas vezes repetem, com expressões mais chulas, o que o próprio blogueiro escreveu?
Recuso-me a citar os nomes desses canalhas, que nunca foram nem serão publicados neste Balaio. São famosos em seus nichos de mercado, não precisam da minha publicidade.
Lembro-me quando a direção do portal iG me pediu para passar a fazer a moderação dos comentários porque a baixaria já era grande, uns três anos atrás. De lá para cá, só piorou.
Muitos me acusaram de fazer censura aos leitores, como até hoje as entidades representativas dos barões da mídia gritam que estão querendo acabar com a liberdade de imprensa cada vez que se discute qualquer regulamentação para esta atividade econômica.
“Diante do tom agressivo de alguns leitores, a Folha.com chegou a suspender temporariamente os comentários em reportagens publicadas no fim de semana”, informa o jornal em sua edição de terça-feira (1/11). Por que só agora?
No “Painel do leitor” da mesma edição, o leitor Luiz Eduardo Horta resume o pensamento de tantos outros, inclusive de colunistas deste jornal: “Lula daria grande prova de amor ao Brasil se, como um mártir, recorresse ao SUS para tratar-se do câncer que o acomete (...)”. Escreveram as mesmas coisas quando começou o calvário do ex-vice-presidente José Alencar, falecido este ano.
Conheço esses tipos, muito comuns nos meios que frequento. São os mesmos que se orgulham de sonegar impostos, negando-se a contribuir com os recursos que faltam para melhorar a saúde pública, e até hoje criticam o Bolsa Família.
Ovo e a galinha
A interatividade é a grande riqueza da internet e deve ser preservada. Viramos todos emissores e receptores de informações e opiniões. Por isso mesmo, esta conquista deve ser preservada, removendo-se o lixo que invade as áreas de comentários, em respeito aos leitores que fazem delas importante instrumento de participação democrática.
Já escrevi isto muitas vezes desde que comecei a trabalhar na blogosfera, e os leitores são testemunhas do cuidado que dedico ao blog. Faço pessoalmente a moderação dos comentários e procuro ser o mais democrático possível com as opiniões contrárias às minhas, mas perde seu tempo quem continua mandando mensagens calhordas que não respeitam a dignidade alheia. Aqui, não passam.
No caso de Lula, muitos leitores e amigos me escreveram e ligaram pedindo mais informações sobre a doença dele, mas não tinha o que acrescentar ao que toda a imprensa vem publicando desde a descoberta do câncer no sábado.
Por ordem dele mesmo, os médicos que cuidam do ex-presidente estão dando diariamente todas as informações sobre a doença e o tratamento do tumor na laringe.
Melhoramos nos últimos anos em quase todas as áreas da vida nacional, recuperamos a autoestima e conquistamos o respeito de outros países, mas a doença de Lula expõe o lado canalha que ainda sobrevive no país, uma gente que não aprende, não perdoa e não se conforma de ter perdido o poder. Para mim, é muito triste constatar isso.
Gostaria de só falar das coisas boas, como Maceió receber quase 200 mil visitantes na sua bienal do livro, graças à dedicação da sua organizadora, a incansável Sheila Maluf.
É a história do ovo e da galinha. A internet é apenas um moderno instrumento tecnológico para servir à comunicação humana, assim como a televisão, o rádio, o celular. Não é responsável pelo mau uso que muitos ainda fazem dela.
Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
Veja derrubou Orlando Silva com uma matéria em que um ex-militante do PCdoB acusava o ex-camarada, então ministro do Esporte, de receber propinas em dinheiro, numa garagem em Brasília.
A denúncia do ex-policial militar João Dias carecia de provas e Veja sabia disso. Mesmo assim serviu-se das aspas, valorizou-as espetacularmente, deixando em segundo plano todas as falcatruas com as ONGs que, aliás, já haviam sido noticiadas e vinham sendo investigadas há tempos pelas autoridades.
O ministro do Esporte foi obrigado a demitir-se porque a Procuradoria Geral da República pediu a abertura de um inquérito e o Supremo Tribunal Federal autorizou-a. A investigação relaciona-se com as falcatruas e não com o recebimento de propinas. Depois da defenestração do ministro, seu acusador confessou à imprensa que desistiria de procurar as provas. Ninguém o cobrou por isso. Nem o semanário sentiu-se na obrigação de sequenciar o episódio.
Garantia de veracidade
Depois de divinizar o jornalismo investigativo como modalidade superior, exclusiva de uma tropa de elite, nossa imprensa está conseguindo avacalhá-lo com procedimentos abusivos. O uso de denúncias explosivas e espetaculares – não comprovadas e não comprováveis – para alavancar outras menos apelativas é um recurso chinfrim, maroto. Cria precedentes perigosos, estimula a criação de uma categoria de agentes provocadores e arapongas que vivem nos corredores do poder – sobretudo em Brasília – bicando tetas ou praticando extorsões.
Para sanear nossa vida pública convém utilizar procedimentos jornalísticos inquestionáveis. Aspas são garantias de veracidade, forjá-las sem comprovação é velhacaria.
Sujeira não limpa sujeira.
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COBERTURA SOLIDÁRIA. E CÍNICA.
Por Washington Araujo, no Observatório da Imprensa
Quando a divulgação de que um ex-presidente da República sofre de um câncer passa a ocupar desmesurado espaço na imprensa escrita, radiofônica, televisiva e virtual (web) é robusto sinal de que algo vai mal – muito mal – na nossa conhecida atividade jornalística. E é isso o que está acontecendo desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou à população que sofria de um câncer na laringe, na sexta-feira (28/10).
Triste espetáculo encenado por ícones do jornalismo: jornalistas há muito consagrados fingindo solidariedade ao presidente enfermo e usando a tal “solidariedade” como escada para desancar seu ideário político, desferindo pesado bombardeio opinativo contra suas festejadas conquistas quando à frente do governo; analistas políticos, ou que assim se julgam, usando os meios a seu dispor para, a título de condenação, endossar uma minoria rancorosa que, principalmente no mundo virtual, vocifera a estapafúrdia sugestão de que o ex-presidente trate de seu câncer na rede pública de saúde do país, o SUS.
A situação é de um cinismo tão exuberante que até os angelicais seres barrocos que prestam contínuos louvores à divindade em centenas de igrejas que remontam aos tempos do Brasil Colônia e do Brasil Império logo perceberiam que suas palavras não passam de deslavada fraude ética e moral. E isso fica mais evidente quando, vasculhando arquivos dos grandes jornais e revistas nos últimos 20 ou 30 anos, não encontramos qualquer registro de que os igualmente ex-presidentes Tancredo Neves, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney tenham, enquanto enfermos, no exercício da presidência da República ou não, buscado atendimento médico provido pelo Sistema Único da Saúde.
Cercadinho midiático
Do mesmo jeito, não temos conhecimento de qualquer endosso, velado ou escancarado, por parte de nossos paladinos da liberdade de expressão, a uma campanha para que demais lideranças políticas como os ex-governadores Mário Covas, Leonel Brizola e Orestes Quércia, apenas para mencionar uns poucos, tenham sido instados a recobrar sua saúde física e mental usando a estrutura do SUS. Todos calaram, desconversaram ou, simplesmente, fizeram o que seria mais apropriado: a questão de uma celebridade – seja política ou do mundo artístico – buscar tratamento em hospitais particulares carece de qualquer relevância jornalística. E por uma razão basilar: em qualquer país do mundo, em qualquer sociedade, seja capitalista ou socialista, democrática, teocrática ou ditatorial, as pessoas enfermas buscam tratamento médico de acordo com suas posses e de acordo com a capacitação dos médicos e a qualidade inovadora dos equipamentos hospitalares que suas finanças possam arcar.
Então, caberia perguntar, por que toda a algaravia? Por que tamanha potencialização de um clamor que não se sustenta em pé por si só? Por uma razão também basilar: o preconceito de classe. Isso mesmo: um ex-operário, sem diploma acadêmico, por mais que tenha alcançado o topo do poder político nacional por duas vezes consecutivas, e por mais que possa colecionar diplomas de doutorado na categoria honoris causa, a ele outorgados pelas mais prestigiosas universidades do mundo, ainda assim continuará sendo visto sempre pelas lentes do preconceito tupiniquim. Um preconceito que lhe joga na cara sempre que pode: “Você, não passa de um operário! Trate-se sua saúde, então, como reles operário que é. Não renegue suas origens, siga o caminho que o seu povo deve seguir em caso de doença”.
Explicação mais simples que essa, impossível. Será que não passa pela cabeça dos que clamam para que Lula se trate no SUS – ou pelos que, na mídia, avalizam a infeliz iniciativa – que nunca, absolutamente nunca, qualquer sistema de saúde mantido por qualquer governo terá orçamento suficiente para manter em seus quadro clínico os mais gabaritados cientistas na área médica, os mais renomados estudiosos dessa ou daquela enfermidade; e também não terá condições de manter em funcionamento, 24 horas por dia, os ultrassensíveis (e caríssimos) equipamentos hospitalares de ponta?
A verdade é que as matérias impressas nos dois ou três principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro têm um único objetivo: tonificar o preconceito contra o ex-operário Lula. Aquele mesmo que foi duplamente eleito presidente do Brasil e que, de quebra, ainda elegeu sua sucessora.
Essa mesma imprensa, tão ciosa em seu diuturno esforço por se autoproclamar guardiã de postulados éticos, ao invés de apoiar manifestações tão mesquinhas, deveria repudiá-las. Mas, mesmo desejando agora repudiar, suas manifestações carecem de autoridade moral porque não se encontram nelas algo essencial ao bom jornalismo: a pureza de motivos. Daí que alguns jornalistas, aproveitando para reverberar ainda mais a funesta campanha, aproveitam seu cercadinho midiático para expressar solidariedade ao ex-presidente desancando “seus infelizes e-leitores”, que demonstram tamanha desumanidade quando o momento seria mais propício para “expressar a mais elevada carga de caridade humanitária”.
Esquecem-se que, assim como nos ensinavam os gregos antigos (“dize-me com quem andas, que te direi quem és”), na situação atual poderíamos cunhar algo como “dize-me quem lês, que te direi o que pensas”. Com efeito, cada jornalista, cada colunista, cada analista na imprensa, tem exatamente o leitor que o merece.
Exemplo de superação
Não gostaria de encerrar sem antes me conceder outro exercício mental. É o seguinte: e se o ex-presidente Lula decidir se tratar, sim, pelo SUS? E se, por essas coisas do destino, lograr completa recuperação, igual ou melhor que aquela a ser provida pelo sistema privado de saúde? Seria o caso de esperarmos uma nova campanha dizendo que “o presidente Lula, embora tratado pelo SUS, recebeu cuidados médicos de seu médico particular de longa data – mais de 20 anos –, o doutor Roberto Khalil”?
Irônico constatar que a campanha “Lula vá para o SUS” é promovida pelos mesmos entes públicos, privados e midiáticos que orquestraram não faz dois anos aquela campanha contra o restabelecimento da CPMF, que deveria alavancar expressivo montante de recursos para subsidiar a saúde pública. Os mesmos que brandem tão insidioso ataque ao ex-presidente parecem esquecer o provérbio popular que reza “o câncer não dá só nos outros” – e, certamente, seriam os primeiros a buscar hospitais de primeira linha.
Desejo a Lula votos de rápida recuperação em sua saúde. Para alguém que já superou outros tipos de câncer, como o da ignorância e truculência da ditadura, o do preconceito dos poderosos e o da inveja dos fracassados, temos que esperar que um câncer na laringe é, por assim dizer, dos males, o menor.
O que me enoja, não é o câncer do Lula. O que me enoja é o partidarismo político-partidário da grande imprensa. Isso me enoja. Muito.
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O lado canalha do país
Por Ricardo Kotscho, em seu Blog
Ao voltar a São Paulo na noite de segunda-feira (31/10), após passar três dias mergulhado na Bienal Internacional do Livro de Alagoas, fiquei perplexo quando abri o computador e os jornais para ler o que andaram escrevendo a respeito da doença do ex-presidente Lula.
É inacreditável, revoltante, repugnante o comportamento de quem se aproveita deste momento delicado na vida dele para atacar o seu governo, encerrado com os maiores índices de aprovação de um presidente da República na história política brasileira.
Não me refiro apenas aos internautas doentes que frequentam as redes sociais, inclusive este blog, de onde são sumariamente deletados, mas insistem em enviar seus comentários carregados de ódio, preconceito e desrespeito pelos que pensam diferente.
Eles apenas refletem a onda, repetindo até com as mesmas palavras, o processo de radicalização que se espalhou pelo país no segundo turno da campanha eleitoral do ano passado, quando boa parte da grande imprensa deu tempo e espaço para colunistas e blogueiros encarregados de desconstruir a imagem de Lula e seu governo.
O mesmo discurso
O outro lado desta estupidez vimos na segunda-feira, quando a repórter Monalisa Perrone, da Rede Globo, foi agredida na entrada do Hospital Sírio-Libanês por dois cafajestes que se diziam de um movimento chamado Merd TV.
A culpa não é da internet, como agora denunciam alguns dos que participaram desta campanha sórdida ao descobrir que seus seguidores foram longe demais no desrespeito à figura humana do ex-presidente.
Mandar Lula se tratar no SUS e culpar o paciente pela sua doença é apenas um pretexto para despejar a saraivada de ofensas e grosserias, que não são de hoje, mas ganharam proporções alarmantes nos últimos dias.
Tenho o hábito de ler a área de comentários dos grandes portais e fico pensando se não tem ninguém nestas empresas capaz de dar um basta a este esgoto que corre a céu aberto nas chamadas redes sociais. Custa tanto fazer moderação dos comentários que muitas vezes repetem, com expressões mais chulas, o que o próprio blogueiro escreveu?
Recuso-me a citar os nomes desses canalhas, que nunca foram nem serão publicados neste Balaio. São famosos em seus nichos de mercado, não precisam da minha publicidade.
Lembro-me quando a direção do portal iG me pediu para passar a fazer a moderação dos comentários porque a baixaria já era grande, uns três anos atrás. De lá para cá, só piorou.
Muitos me acusaram de fazer censura aos leitores, como até hoje as entidades representativas dos barões da mídia gritam que estão querendo acabar com a liberdade de imprensa cada vez que se discute qualquer regulamentação para esta atividade econômica.
“Diante do tom agressivo de alguns leitores, a Folha.com chegou a suspender temporariamente os comentários em reportagens publicadas no fim de semana”, informa o jornal em sua edição de terça-feira (1/11). Por que só agora?
No “Painel do leitor” da mesma edição, o leitor Luiz Eduardo Horta resume o pensamento de tantos outros, inclusive de colunistas deste jornal: “Lula daria grande prova de amor ao Brasil se, como um mártir, recorresse ao SUS para tratar-se do câncer que o acomete (...)”. Escreveram as mesmas coisas quando começou o calvário do ex-vice-presidente José Alencar, falecido este ano.
Conheço esses tipos, muito comuns nos meios que frequento. São os mesmos que se orgulham de sonegar impostos, negando-se a contribuir com os recursos que faltam para melhorar a saúde pública, e até hoje criticam o Bolsa Família.
Ovo e a galinha
A interatividade é a grande riqueza da internet e deve ser preservada. Viramos todos emissores e receptores de informações e opiniões. Por isso mesmo, esta conquista deve ser preservada, removendo-se o lixo que invade as áreas de comentários, em respeito aos leitores que fazem delas importante instrumento de participação democrática.
Já escrevi isto muitas vezes desde que comecei a trabalhar na blogosfera, e os leitores são testemunhas do cuidado que dedico ao blog. Faço pessoalmente a moderação dos comentários e procuro ser o mais democrático possível com as opiniões contrárias às minhas, mas perde seu tempo quem continua mandando mensagens calhordas que não respeitam a dignidade alheia. Aqui, não passam.
No caso de Lula, muitos leitores e amigos me escreveram e ligaram pedindo mais informações sobre a doença dele, mas não tinha o que acrescentar ao que toda a imprensa vem publicando desde a descoberta do câncer no sábado.
Por ordem dele mesmo, os médicos que cuidam do ex-presidente estão dando diariamente todas as informações sobre a doença e o tratamento do tumor na laringe.
Melhoramos nos últimos anos em quase todas as áreas da vida nacional, recuperamos a autoestima e conquistamos o respeito de outros países, mas a doença de Lula expõe o lado canalha que ainda sobrevive no país, uma gente que não aprende, não perdoa e não se conforma de ter perdido o poder. Para mim, é muito triste constatar isso.
Gostaria de só falar das coisas boas, como Maceió receber quase 200 mil visitantes na sua bienal do livro, graças à dedicação da sua organizadora, a incansável Sheila Maluf.
É a história do ovo e da galinha. A internet é apenas um moderno instrumento tecnológico para servir à comunicação humana, assim como a televisão, o rádio, o celular. Não é responsável pelo mau uso que muitos ainda fazem dela.
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