Comissão da Verdade: 'alegria e tristeza' entre ex-presos e familiares
Presentes à cerimônia de sanção da lei que institui grupo para investigar violência contra direitos humanos, parentes de desaparecidos e ex-presos reclamam que ninguém será punido. Mas aplaudem devassa nos crimes. 'A gente vai continuar sendo torturada enquanto as coisas não forem esclarecidas', diz ex-militante e viúva de desaparecido.
André Barrocal
BRASÍLIA – A sanção da lei da Comissão da Verdade, que vai apurar crimes contra os direitos humanos, levou ao Palácio do Planalto familiares de mortos e desaparecidos na ditadura militar e até sobreviventes das torturas que serão investigadas. Entre eles, a sensação era dúbia. É bom trazer à tona nomes de criminosos e as circunstâncias em que atuaram, mas e a punição no fim disso tudo?
“Meu sentimento é de alegria e de tristeza”, disse Eliana Castro, irmã de Antonio Teodoro de Castro, o Raul, desaparecido na Guerrilha do Araguaia em 1971, aos 24 anos. “Não é a comissão que eu queria, eu quero Justiça. Mas vou apoiar a comissão até que ela me decepcione. Já li a lei e não vi nada que a desabone.”
O que Eliana quis dizer é que não há nada na lei que desabone a comissãoexceto um trecho: “As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório”. Ou seja, não haverá cadeia, multa, nada contra torturadores e assassinos que eventualmente venham a ser descobertos. É o motivo de 18 de novembro não ser tão histórico assim.
“A Comissão não atendeu ao que postulavam familiares e ex-presos políticos. Foi um pacote fechado que não ouviu nossos reclamos. Não conseguimos nem ser recebidos pela Dilma”, afirmou Jarbas Marques, 67 anos, preso em 1967 quando era secretário de Agitação e Propaganda do PCdoB no Distrito Federal.
Marques define-se como “o preso político mais torturado do Brasil”. Ficou dez anos encarcerado. Quando saiu, tinha uma otite crônica, o crânio quebrado na altura do “cocoruto”, incapacidade de ver com nitidez imagens em movimento, varizes. As sequelas não permitem que fique satisfeito com uma comissão não punitiva. Mas... “Em parte ela nos oportuniza que tragamos a público denúncias que estão nos enclausurando”, disse.
A esperança de pelo menos espantar fantasmas vendo a publicização de fatos e nomes criminosos também encontra abrigo em Ana Lúcia Valença de Santa Cruz Oliveira, 61 anos. Militante da Ação Popular (AP) na ditadura, ela viu o marido, Fernando de Santa Cruz, também da AP, pela última vez no Carnaval de 1974, no Rio. Segundo ela, Fernando morreu no DOI-Codi em São Paulo, depois te ter sido capturado no Rio.
“A gente vai continuar sendo torturada enquanto as coisas não forem esclarecidas”, disse Ana Lúcia, que instantes antes do início da cerimônia dizia estar “emocionada” com o momento e a oportunidade.
Mas também tinha suas queixas. “As coisas no Brasil andam muito devagar. É muito frustrante ver Argentina, Chile e Uruguai punirem quem cometeu barbaridades. Mas acho a Comissão uma vitória muito grande da sociedade brasileira, porque a gente precisa mostrar o que aconteceu.”
“Meu sentimento é de alegria e de tristeza”, disse Eliana Castro, irmã de Antonio Teodoro de Castro, o Raul, desaparecido na Guerrilha do Araguaia em 1971, aos 24 anos. “Não é a comissão que eu queria, eu quero Justiça. Mas vou apoiar a comissão até que ela me decepcione. Já li a lei e não vi nada que a desabone.”
O que Eliana quis dizer é que não há nada na lei que desabone a comissãoexceto um trecho: “As atividades da Comissão Nacional da Verdade não terão caráter jurisdicional ou persecutório”. Ou seja, não haverá cadeia, multa, nada contra torturadores e assassinos que eventualmente venham a ser descobertos. É o motivo de 18 de novembro não ser tão histórico assim.
“A Comissão não atendeu ao que postulavam familiares e ex-presos políticos. Foi um pacote fechado que não ouviu nossos reclamos. Não conseguimos nem ser recebidos pela Dilma”, afirmou Jarbas Marques, 67 anos, preso em 1967 quando era secretário de Agitação e Propaganda do PCdoB no Distrito Federal.
Marques define-se como “o preso político mais torturado do Brasil”. Ficou dez anos encarcerado. Quando saiu, tinha uma otite crônica, o crânio quebrado na altura do “cocoruto”, incapacidade de ver com nitidez imagens em movimento, varizes. As sequelas não permitem que fique satisfeito com uma comissão não punitiva. Mas... “Em parte ela nos oportuniza que tragamos a público denúncias que estão nos enclausurando”, disse.
A esperança de pelo menos espantar fantasmas vendo a publicização de fatos e nomes criminosos também encontra abrigo em Ana Lúcia Valença de Santa Cruz Oliveira, 61 anos. Militante da Ação Popular (AP) na ditadura, ela viu o marido, Fernando de Santa Cruz, também da AP, pela última vez no Carnaval de 1974, no Rio. Segundo ela, Fernando morreu no DOI-Codi em São Paulo, depois te ter sido capturado no Rio.
“A gente vai continuar sendo torturada enquanto as coisas não forem esclarecidas”, disse Ana Lúcia, que instantes antes do início da cerimônia dizia estar “emocionada” com o momento e a oportunidade.
Mas também tinha suas queixas. “As coisas no Brasil andam muito devagar. É muito frustrante ver Argentina, Chile e Uruguai punirem quem cometeu barbaridades. Mas acho a Comissão uma vitória muito grande da sociedade brasileira, porque a gente precisa mostrar o que aconteceu.”
Fonte: www.cartamaior.com.br
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Comissão da Verdade: para governo, 'pedagogia', não 'revanchismo'
Diante das críticas pela falta de punição a torturadores e assassinos no fim das apurações, Dilma Rousseff e ministro da Justiça defendem que memória e verdade têm força histórica para evitar que crimes voltem a acontecer. Em discurso, presidenta lembra que Comissão não tem espírito 'revanchista'. Chefes militares estavam na platéia. 65 mil pessoas já pediram anistia no Brasil.
André Barrocal
BRASÍLIA – Na sanção da lei da Comissão da Verdade, a presidenta Dilma Rousseff e sua equipe defenderam que informação e verdade podem ser instrumentos tão poderosos contra a repetição de atentados aos direitos humanos, quanto a punição judicial dos criminosos. Foi a forma encontrada para contornar queixas de pessoas que foram torturadas, como a própria presidenta, ou perderam parentes para a ditadura militar e que há anos sonham com condenções penais dos algozes.
“A verdade sobre nosso passado é fundamental para que aqueles fatos que mancharam nossa história nunca mais voltem a acontecer”, disse Dilma, em discurso na solenidade. "O silêncio e o esquecimento são sempre uma grande ameaça."
“A verdade em si tem um componente ético que por si se justifica. Mas tem uma pedagogia que é absolutamente insubstituível”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na mesma cerimônia.
O tipo de crime que estará na mira das tentativas de esclarecimento já levou à Comissão de Anistia, que completou dez anos em agosto, 65 mil pessoas em busca de indenização, alguma forma de reparo ou mesmo reconhecimento.
Foram anistadas 31 mil pessoas, das quais 11 mil ganharam direito a indenização, que pode ser um pagamento à vista (até R$ 100 mil no máximo) ou por mês (de um salário mínimo, R$ 545, até o teto do setor público, cerca de R$ 24 mil).
Dilma também fez referência ao espírito não “revanchista” da lei, uma alusão ao modo como a ditadura militar acabou no Brasil – sem a tomada de poder pelos perseguidos de outrora, num misto de concessão dos derrotados (iniciada bem antes com uma abertura “lenta, gradual e segura” e uma lei de anistia para os dois lados) e vitória da resistência pelo cansaço.
Como essa é história do país, parece ter sugerido a presidenta, não caberiam punições. “O Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio.”
O espírito “não revanchista”, que na prática significa não mandar à cadeia militares que torturaram e mataram, era a tônica do projeto de Comissão da Verdade que tinha sido enviado ao Congresso pelo ex-presidente Lula em abril de 2010.
Já naquela época o governo, que trocou algumas peças na transição Lula-Dilma mas segue com a mesma essência, resolvera não brigar com os militares.
Os comandantes das Forças Armadas compareceram à cerimônia no Planalto e foram citadas por Dilma no início do discurso: Julio Soares de Moura Neto (Marinha), Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (Aeronáutica) e José Carlos De Nardi (Estado-Maior). Ela também mencionou ministros, ex-ministros e parlamentares presentes.
“A verdade sobre nosso passado é fundamental para que aqueles fatos que mancharam nossa história nunca mais voltem a acontecer”, disse Dilma, em discurso na solenidade. "O silêncio e o esquecimento são sempre uma grande ameaça."
“A verdade em si tem um componente ético que por si se justifica. Mas tem uma pedagogia que é absolutamente insubstituível”, afirmou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na mesma cerimônia.
O tipo de crime que estará na mira das tentativas de esclarecimento já levou à Comissão de Anistia, que completou dez anos em agosto, 65 mil pessoas em busca de indenização, alguma forma de reparo ou mesmo reconhecimento.
Foram anistadas 31 mil pessoas, das quais 11 mil ganharam direito a indenização, que pode ser um pagamento à vista (até R$ 100 mil no máximo) ou por mês (de um salário mínimo, R$ 545, até o teto do setor público, cerca de R$ 24 mil).
Dilma também fez referência ao espírito não “revanchista” da lei, uma alusão ao modo como a ditadura militar acabou no Brasil – sem a tomada de poder pelos perseguidos de outrora, num misto de concessão dos derrotados (iniciada bem antes com uma abertura “lenta, gradual e segura” e uma lei de anistia para os dois lados) e vitória da resistência pelo cansaço.
Como essa é história do país, parece ter sugerido a presidenta, não caberiam punições. “O Brasil inteiro se encontra, enfim, consigo mesmo sem revanchismo, mas sem a cumplicidade do silêncio.”
O espírito “não revanchista”, que na prática significa não mandar à cadeia militares que torturaram e mataram, era a tônica do projeto de Comissão da Verdade que tinha sido enviado ao Congresso pelo ex-presidente Lula em abril de 2010.
Já naquela época o governo, que trocou algumas peças na transição Lula-Dilma mas segue com a mesma essência, resolvera não brigar com os militares.
Os comandantes das Forças Armadas compareceram à cerimônia no Planalto e foram citadas por Dilma no início do discurso: Julio Soares de Moura Neto (Marinha), Enzo Peri (Exército), Juniti Saito (Aeronáutica) e José Carlos De Nardi (Estado-Maior). Ela também mencionou ministros, ex-ministros e parlamentares presentes.
Fonte: www.cartamaior.com.br
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