19 novembro 2011

ECONOMIA

A natureza da crise atual

O pensamento conservador pensa a sociedade como um sistema governado por tendências ao equilíbrio, em que as crises são apenas desvios temporários. Para o próprio Marx, as crises são inerentes ao capitalismo, como resultado das suas contradições intrínsecas entre produção e consumo, entre produção social e apropriação privada. Mais tarde, o economista russo Kondratrieff classificou as crises cíclicas do capitalismo em ciclos longos de caráter expansivo e recessivo.

Há um certo consenso no pensamento crítico de que ao longo ciclo expansivo do segundo pós-guerra aos anos 70 do século passado, se sucede um ciclo recessivo do capitalismo em escala mundial, em que estamos imersos até hoje. Isto se deve a que a desregulamentação promovida pelo neoliberalismo produziu uma gigantesca transferência de capitais do setor produtivo ao financeiro – sob a forma especulativa -, porque o capitalismo não está feito para produzir e sim para acumular. Se os capitais encontram melhores conduções de ganho na especulação – como passou a acontecer – se transferem e se concentram maciçamente aí.

A hegemonia do capital financeiro, por sua vez, representa um freio à expansão da produção, ao mesmo tempo que agudiza a contradição entre a produção e o consumo. O capital financeiro, ao viver da compra e venda de papeis, não tem interesses na extensão do mercado popular de consumo, nem na geração de empregos. Tem assim dificuldades de gerar suas próprias bases sociais de apoio, salvo setores mais restritos da classe média alta. Daí também seu esgotamento relativamente prematuro, ao desembocar em derrotas políticas.

Porém, as próprias transformações operadas pelo neoliberalismo dificultam a construção de alternativas a ele – seja por sua auto-reforma, seja pela sua superação. A desregulamentação econômica, a hegemonia dos mecanismos anárquicos de mercado, o enfraquecimento dos Estados nacionais, a fragmentação social – tudo gera situações de crises hegemônicas, em que o velho – o neoliberalismo – sobrevive, a preços cada vez mais caros, enquanto as vias da sua superação encontram dificuldades para se impor.

O maior drama do nosso tempo vem de que, enquanto o capitalismo exibe abertamente seus limites e contradições, escancara, na crise atual, sua impotência para solucionar os próprios problemas gerados por ele, o socialismo e os fatores para sua construção também sofreram vários retrocessos, com a desmoralização do socialismo, das economias planificadas, do Estado, da politica, dos partidos, das soluções coletivas aos problemas da sociedade. Abriu-se assim um longo período de crise hegemônica, de disputa pelas alternativas ao neoliberalismo, que não deve ter solução em prazos curtos, enquanto o próprio sistema atual não consiga gerar alternativas para sua recomposição – sempre mais conservadora – e não se consiga ainda recompor as forcas sociais, políticas e ideológicas que possam dirigir uma superação do neoliberalismo e do capitalismo. Um longo período de turbulências e instabilidades, em que as crises serão mais regra do que exceção.

A essa instabilidade econômica haveria que agregar a instabilidade geopolítica mundial, produto do enfraquecimento da hegemonia global norteamericana, sem que surjam ainda no horizonte forças que possam deslocá-lo desse lugar e substituí-lo, numa dinâmica de construção de um mundo multipolar.

A crise surgida em 2008 não é uma crise cíclica tradicional do capitalismo, da qual ele costuma emergir queimando estoques, empregos, com grandes retrocessos, em que o mercado depurava as empresas mais frágeis e se retomava o ciclo expansivo, a partir de um nível mais baixo. A discussão sobre a forma da crise iniciada naquele momento – se em formado de V ou de W – vai se revelando claramente a favor deste ultimo, com perspectivas de sucessivas e reiteradas recaídas, como esta, de 2011.

No primeiro momento, a crise – que significativamente apareceu no setor financeiro, mediante créditos fictícios, que finalmente explodiram e deram início a um processo recessivo do conjunto das economias do centro do capitalismo – foi combatida com a recomposição do setor financeiro, privilegiado nos apoios governamentais. Os governos salvaram os bancos, acreditando que os bancos salvariam os países. Os bancos se salvaram a si mesmos e deixaram os países abandonados à anarquia dos mercados especulativos.

Ha’ quem diga que seria a crise final do capitalismo. Giovanni Arrighi caracteriza a predominância do capital financeiro como uma marca do final de um sistema hegemônico – característica fortemente presente no estágio atual de crise do sistema capitalista. Immanuel Wallerstein se arriscou a predizer que o capitalismo deve terminar em 50 anos. Mas como o capitalismo nao é apenas um sistema econômico, mas também um sistema de poder – representado pelo imperialismo como poder hegemônico no mundo -, ele não se auto-destroi, não terminará se não for derrubado, não apenas por um projeto alternativo, mas pelas forças que este projeto consiga gerar, as previsões sobre o futuro do capitalismo – e da humanidade – dependem das lutas sociais, politicas e ideológicas e da capacidade de se gestar, nestas, as alternativas concretas ao capitalismo.

O neoliberalismo pode chegar a ser substituído – até por alternativas ainda mais conservadoras – no marco do capitalismo, sobrevivendo, com formas ainda mais reacionárias.

A crise econômica atual vê na Europa a substituição da vontade popular, expressa nas eleições, pela ditadura dos mercados que derrubam governos e elegem seus próprios governantes, destruindo as democracias e os Estados de bem estar social produzidos por décadas de lutas de lutas populares.

A verdadeira natureza da crise é assim uma crise de hegemonia, uma crise de alternativas, que deve ter um caráter prolongado, em meio a um mundo instável econômica e geopoliticamente. A construção de um mundo multipolar e de projetos pós-neoliberais é o objetivo imediato dos que desejam superar este mundo guiado pelas guerras e pelos mercados, que só tem trazido violência e sofrimento para grande parte da humanidade.

Nós, na America Latina, que lutamos pela construção dessas alternativas, sabemos o que significam esses sofrimentos - tivemos ditaduras militares e governos neoliberais – e como sua superação só pode se dar com políticas de paz e de negociações políticas dos conflitos, e com políticas econômicas e sociais de desenvolvimento com democratização social.

Por EMIR SADER, em seu blog


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O capitalismo e a miséria nos EUA

Por Mauro Santayana, em seu blog:

O capitalismo, dizem alguns de seus defensores, foi uma grande invenção humana. De acordo com essa teoria, o sistema nasceu da ambição dos homens e do esforço em busca da riqueza, do poder pessoal e do reconhecimento público, para que os indivíduos se destacassem na comunidade, e pudessem viver mais e melhor à custa dos outros. Todos esses objetivos exigiam o empenho do tempo, da força e da mente. Foi um caminho para o que se chama civilização, embora houvesse outros, mais generosos, e em busca da justiça. Como todos os processos da vida, o capitalismo tem seus limites. Quando os ultrapassa no saqueio e na espoliação, e isso tem ocorrido várias vezes na História, surgem grandes crises que quase sempre levam aos confrontos sangrentos, internos e externos.

A revista Foreign Affairs, que reflete as preocupações da intelligentsia norte-americana (tanto à esquerda, quanto à direita) publica, em seu último número, excelente ensaio de George Packer – The broken contract; Inequality and American Decline. Packer é um homem do establishment. Seus pais são professores da Universidade de Stanford. Seu avô materno, George Huddleston, foi representante democrata do Alabama no Congresso durante vinte anos.

O jornalista mostra que a desigualdade social nos Estados Unidos agravou-se brutalmente nos últimos 33 anos – a partir de 1978. Naquele ano, com os altos índices de inflação, o aumento do preço da gasolina, maior desemprego, e o pessimismo generalizado, houve crucial mudança na vida americana. Os grandes interesses atuaram, a fim de debitar a crise ao estado de bem-estar social, e às regulamentações da vida econômica que vinham do New Deal. A opinião pública foi intoxicada por essa idéia e se abandonou a confiança no compromisso social estabelecido nos anos 30 e 40. De acordo com Packer, esse compromisso foi o de uma democracia da classe média. Tratava-se de um contrato social não escrito entre o trabalho, os negócios e o governo, que assegurava a distribuição mais ampla dos benefícios da economia e da prosperidade de após-guerra - como em nenhum outro tempo da história do país.

Um dado significativo: nos anos 70, os executivos mais bem pagos dos Estados Unidos recebiam 40 vezes o salário dos trabalhadores menos remunerados de suas empresas. Em 2007, passaram a receber 400 vezes mais. Naqueles anos 70, registra Packer, as elites norte-americanas se sentiam ainda responsáveis pelo destino do país e, com as exceções naturais, zelavam por suas instituições e interesses. Havia, pondera o autor, muita injustiça, sobretudo contra os negros do Sul. Como todas as épocas, a do após-guerra até 1970, tinha seus custos, mas, vistos da situação de 2011, eles lhe pareceram suportáveis.

Nos anos 70 houve a estagflação, que combinou a estagnação econômica com a inflação e os juros altos. Os salários foram erodidos pela inflação, o desemprego cresceu, e caiu a confiança dos norte-americanos no governo, também em razão do escândalo de Watergate e do desastre que foi a aventura do Vietnã. O capitalismo parecia em perigo e isso alarmou os ricos, que trataram de reagir imediatamente, e trabalharam – sobretudo a partir de 1978 – para garantir sua posição, tornando-a ainda mais sólida. Trataram de fortalecer sua influência mediante a intensificação do lobbyng, que sempre existiu, mas, salvo alguns casos, se limitava ao uísque e aos charutos. A partir de então, o suborno passou a ser prática corrente. Em 1971 havia 141 empresas representadas por lobistas em Washington; em 1982, eram 2445.

A partir de Reagan a longa e maciça transferência da renda do país para os americanos mais ricos, passou a ser mais grave. Ela foi constante, tanto nos melhores períodos da economia, como nos piores, sob presidentes democratas ou republicanos, com maiorias republicanas ou democratas no Congresso. Representantes e senadores – com as exceções de sempre – passaram a receber normalmente os subornos de Wall Street. Packer cita a afirmação do republicano Robert Dole, em 1982: “pobres daqueles que não contribuem para as campanhas eleitorais”.

Packer vai fundo: a desigualdade é como um gás inodoro que atinge todos os recantos do país – mas parece impossível encontrar a sua origem e fechar a torneira. Entre 1974 e 2006, os rendimentos da classe média cresceram 21%, enquanto os dos pobres americanos cresceram só 11%. Um por cento dos mais ricos tiveram um crescimento de 256%, mais de dez vezes os da classe média, e quase triplicaram a sua participação na renda total do país, para 23%, o nível mais alto, desde 1928 – na véspera da Grande Depressão.

Esse crescimento, registre-se, vinha de antes. De Kennedy ao segundo Bush, mais lento antes de Reagan, e mais acelerado em seguida, os americanos ricos se tornaram cada vez mais ricos.

A desigualdade, conclui Packer, favorece a divisão de classes, e aprisiona as pessoas nas circunstâncias de seu nascimento, o que constitui um desmentido histórico à idéia do american dream.

E conclui: “A desigualdade nos divide nas escolas, entre os vizinhos, no trabalho, nos aviões, nos hospitais, naquilo que comemos, em nossas condições físicas, no que pensamos, no futuro de nossas crianças, até mesmo em nossa morte”. Enfim, a desigualdade exacerbada pela ambição sem limites do capitalismo não é apenas uma violência contra a ética, mas também contra a lógica. É loucura.

Ao mundo inteiro – o comentário é nosso- foi imposto, na falta de estadistas dispostos a reagir, o mesmo modelo da desigualdade do reaganismo e do thatcherismo. A crise econômica mais recente, provocada pela ganância de Wall Street, não serviu de lição aos governantes vassalos do dinheiro, que continuaram entregues aos tecnocratas assalariados do sistema financeiro internacional. Ainda ontem, Mário Monti, homem do Goldman Sachs, colocado no poder pelos credores da Itália, exigia do Parlamento a segurança de que permanecerá na chefia do governo até 2013, o que significa violar a Constituição do país, que dá aos representantes do povo o poder de negar confiança ao governo e, conforme a situação, convocar eleições.

Tudo isso nos mostra que estamos indo, no Brasil, pelo caminho correto, ao distribuir com mais equidade a renda nacional, ampliar o mercado interno, e assim, combater a desigualdade e submeter a tecnocracia à razão política. É necessário, entre outras medidas, manter cerrada vigilância sobre os bancos privados, principalmente os estrangeiros, que estão cobrindo as falcatruas de suas instituições centrais com os elevados lucros obtidos em nosso país e em outros países da América Latina.





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