20 janeiro 2013

REGULAÇÃO DA MÍDIA

Lições do MEC ao MiniCom


Edgard Rebouças, no Observatório da Imprensa




 Em 8 de janeiro último saiu publicado no Diário Oficial a lista de 38 cursos universitários reprovados pelo Ministério da Educação (MEC), o que contou com uma vasta cobertura jornalística. E se o Ministério das Comunicações fizesse o mesmo? Qual seria o tom das matérias?
Independentemente dos critérios adotados na avaliação do MEC e/ou dos equívocos de boa parte da imprensa em interpretar tais informações, todos reconhecem que, em nome do ensino de qualidade e do interesse público, o Estado cumpre seu papel constitucional em fiscalizar as universidades tanto em forma (laboratórios, bibliotecas, equipamentos...) como em conteúdo (projetos didáticos, capacidade do corpo docente, “provão” para os estudantes...).
No Jornal Nacional daquela noite (ver aqui), pelo lado das universidades mal pontuadas falaram o coordenador do curso de Arquitetura da Mackenzie, Paulo Correia, e a reitora da PUC, Ana Maria Marques Cintra, ambas instituições confessionais com sede em São Paulo. Nos dois casos, mesmo com a surpresa, as respostas foram semelhantes.
“Vamos nos debruçar sobre os dados para que a gente reverta isso da forma mais rápida. Numa escola com esse nível de tradição, nós devemos essa resposta à sociedade”, disse Correia. Já a reitora, falando que tomará providências o quanto antes, afirmou: “Até porque nós entendemos que a avaliação do MEC seja alguma coisa importante para a universidade”.
E a posição do ministro Aloizio Mercadante na sonora que encerra a matéria foi curta e grossa: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de abertura de vestibular”.
A Constituição de 1988 diz em seu artigo 209 que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional, e II – autorização e avaliação de qualidade pelo poder público”. São apenas duas exigências – muito pouco se comparadas aos princípios estabelecidos logo mais adiante, no artigo 221, ainda no título da Ordem Social, quando trata da programação das concessionárias de rádio e televisão:
“I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.
Qual a diferença entre a educação e a comunicação? Por que uma tem seu controle social legitimado e a outra, repudiado?
Discursos de conveniência
Vale lembrar a cobertura do mesmo Jornal Nacional em 16 de março de 2010, quando do lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), com a Rede Globo criticando a proposta da criação de uma regulamentação do artigo 221 da Constituição, prevendo sanções para concessionárias de rádio e TV que o violassem. Exatamente como o MEC faz com as escolas que autoriza a funcionar.
Havia ainda outra proposta no PNDH-3, esta falando mais fundo nos bolso das concessionárias: “suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos direitos humanos”. Para quem acha que “bandido bom é bandido morto”, banaliza o uso de câmeras escondidas e faz apologia cotidiana da violência, realmente, trata-se de uma grande ameaça.
Além dos discursos de conveniência adotados pela imprensa, vale também levantar o questionamento sobre os discursos do governo. Imaginemos a mesma fala de Aloizio Mercadante na boca do ministro das Comunicações Paulo Bernardo: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de renovação da concessão”. Ou da ministra Helena Chagas, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência: “Não vai ter jeitinho, não tem colher de chá, e se o plano de melhorias não for muito bem elaborado não há a menor possibilidade de anúncios do Banco do Brasil, Caixa, Petrobras...”.
O que garante a tranquilidade dos radiodifusores é o fato de terem a certeza de que não serão tocados em seus privilégios. Além da fala presidencial de que o “único tipo de controle à mídia é o controle remoto”, as emissoras de rádio e TV ainda fazem questão de desconsiderarem que são concessionárias de serviço público. Mas nem precisariam, já que o artigo 41 da Lei nº 8.987/1995 – a chamada Lei de Concessões –, o primeiro das disposições transitórias, diz:
“O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens”.
Por que não?! Abro um parênteses aqui para dar a dica que valeria um bom estudo a respeito do lobby em torno desta lei sancionada por Fernando Henrique Cardoso.
A histórica inércia do MiniCom pode ser destacada com alguns casos recentes: a) a reforma na regulamentação sobre os conteúdos de TV por assinatura partiu da Ancine; b) os debates sobre o sistema público/estatal de TV foram provocados pelo Ministério da Cultura; c) o Programa Nacional de Banda Larga nasceu na Casa Civil; d) a classificação indicativa é proposta do Ministério da Justiça; e) a regulamentação da publicidade vem da Anvisa e do Ministério da Saúde; f) a Conferência Nacional de Comunicação só saiu do papel porque o então presidente Lula mandou, e isso aos 44 minutos do segundo tempo.
Já passou da hora de o Executivo e o Legislativo brasileiros deixarem de ser omissos em relação aos temas da comunicação. Há de chegar o tempo em que – a exemplo do que acontece nos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, França, Alemanha e outros países democráticos – a imprensa brasileira irá noticiar que empresas de mídia foram reprovadas em forma e/ou conteúdo; e seus dirigentes darão entrevistas para falar das mudanças que farão em prol do interesse público.
A Educação tem mesmo muito a ensinar.
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[Edgard Rebouças é jornalista, mestre e doutor em Comunicação na área de políticas de comunicações, professor na Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Observatório da Mídia: direitos humanos, políticas e sistemas (www.ufes.br/observatoriodamidia)]


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