18 janeiro 2013

OPINIÕES

A síndrome Safatle/Dutra - Parte II


Izaías Almada, na Agência Carta Maior




“Ao afirmar que os condenados do mensalão não seriam desligados do partido, ao aceitar organizar uma contribuição para manter tais condenados a pagarem as multas aplicadas pelo STF e, agora, ao achar normal que alguém condenado em última instância assuma uma vaga no Congresso, o PT age como um avestruz que coloca a cabeça na terra e erra de maneira imperdoável.”
Vladimir Safatle em artigo na Folha de São Paulo 

“... todos os que o conhecem nunca tiveram um minuto de dúvida quanto à sua integridade de caráter e quanto à limpidez de sua trajetória de vida. Entre eles estou eu, admirador que sempre o considerou um militante exemplo pela sua dignidade, a coragem e a lucidez...”
Prof. Antonio Candido, em carta ao deputado José Genoíno

Com a contextualização em relação ao título desses meus artigos feita no primeiro deles atempadamente pela amiga Conceição Lemes – do VIOMUNDO - volto ao assunto sobre as opiniões do professor Vladimir Safatle e do ex-governador gaúcho Olívio Dutra. Vamos em frente.

Em 1997 tive o privilégio de coordenar, junto com os jornalistas Granville Ponce e Alípio Freire, o livro de memórias de prisioneiros políticos TIRADENTES: UM PRESÍDIO DA DITADURA. Privilégio acrescido com a honra de ter como apresentador da obra o professor Antonio Candido de Mello e Souza, um de nossos mais brilhantes intelectuais. No seu prefácio, o professor Antonio Candido destaca o seguinte trecho dos organizadores à página 16, referindo-se aos memorialistas: “Ninguém é vítima ao aderir a uma causa (a opção pela luta armada) de livre e espontânea vontade, mesmo considerando a possibilidade de uma ou de outra falha no recrutamento de um militante. É curioso notar, inclusive, que de todos os textos que recebemos, não há nenhum em que o autor faça qualquer alusão a uma eventual condição de vítima daquele processo de luta política. E só não comete erros quem não ousa”.

De certa maneira, a autocrítica daquele processo de ousada luta política foi feita por muitos que após e experiência da luta armada se incorporaram à criação do Partido dos Trabalhadores, que teve o professor Antonio Candido como um de seus fundadores. Autocrítica que pressupunha a crença em valores democráticos ainda por conquistar. Entre eles estavam José Genoíno e José Dirceu. 

Vencida a ditadura em alguns dos seus aspectos mais sensíveis e visíveis, como a liberdade de reunião e a volta dos sindicatos, das organizações estudantis, o fim da censura a imprensa, a retorno do ‘habeas corpus’, o direito de ir e vir, o cessar das mortes e desaparecimentos de opositores ao regime, parte representativa da esquerda e não só, organizou e fundou o PT. E partidos políticos, ao que se sabe, se organizam para chegar ao poder político, como é óbvio, e se possível chegar ao mais alto cargo governamental republicano, o que foi conseguido em 2002 com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Refém de uma economia de mercado atrelada aos interesses rentistas e corporativos, nacionais e internacionais, bem como de um quadro político partidário anômalo, fisiológico e bastante conservador, o PT – como qualquer outro partido de esquerda progressista e democrático – apesar das seguidas vitórias eleitorais viu-se jogado às feras numa arena onde a platéia dividia-se entre a esperança e o medo. Diariamente, desde então, jornais, rádios, televisões, revistas semanais vêm tentando colocar o PT, seus militantes e seus eleitores no “seu devido lugar”. A Casa Grande mostrava e continua a mostrar as garras através dos seus porta-vozes.

Visto pelas lentes da dialética pode-se dizer que para os seus eleitores, o PT trouxe a esperança; para os adversários, em particular os mais conservadores, o medo, o receio. Quem não se lembra da campanha contra Lula em 1989? Do ponto de vista interno, entretanto, há o natural medo de não se corresponder à imensa responsabilidade de governar o país consoante as expectativas criadas e, na contramão desse medo, a esperança dos adversários pelo fracasso nesse sentido. E governar não é ir para um baile de debutantes ou praticar boas ações para ganhar o reino dos céus. Essa, quando muito, será a visão edulcorada de um medievalismo tardio, de uma cultura acadêmica afrancesada, de tempos inquisitoriais ou de exacerbado e ingênua recato quase religioso diante do poder econômico dominante.

Passados poucos mais de 40 anos, nos quais muito se fez para o estabelecimento de um pensamento único no mundo, após a queda do socialismo real na Europa, proclamando-se para isso até o fim da História, os vários discursos neoliberais vão tendo vencidas as suas datas de garantia de uso, a última delas em 2008, já com algumas trombetas de alarme soando na Europa, nos EUA e no Japão para dias futuros. 

Também após esses 40 anos é possível encontrar a sensibilidade e a solidariedade, entre centenas de milhares de brasileiros, de um professor Antonio Candido, por exemplo, que atento ao que se passa à sua volta, escreve a carta que escreveu ao deputado José Genoíno Neto, de cabeça erguida, ao contrário de outros que abandonaram, senão a luta, os caminhos escolhidos pelo PT.

Também durantes esses 40 anos, novas gerações de brasileiros se formaram e se prepararam para as mais diversas atividades no campo do saber e do fazer. E cada geração, mesmo bebendo nos clássicos a sua formação e especialização, e amparada pelo conhecimento já comprovado e contínuo pelas ciências exatas ou humanas, sabemos que será sempre influenciada pelo confronto das idéias no seu dia a dia, por novas descobertas e avanços da humanidade. Ou por teorias ainda carentes de comprovação, quando não estas são lançadas apenas como estratégia de espalhar a dúvida e a confusão. Nesse confronto, nessa batalha de idéias, será preciso algum discernimento e, se necessário, saber remar contra a maré, quando for o caso. 

Para os mais novos haverá sempre a tentação de reinventar a roda ao assumir a realidade do dia a dia como sendo a expressão de toda e qualquer realidade. Pedir a um partido que faça autocrítica das suas ações no atual contexto da política brasileira é direito que assiste a qualquer cidadão. Até porque, as condenações de uma ação penal ainda não concluída, é bom lembrar, não o foram em “última instância”, mas em ÚNICA INSTÂNCIA. Contudo, é preciso distinguir, no caso do PT, se tal avaliação provém de uma reflexão histórica consistente de quem vive o jogo político por dentro ou é fruto de um desejo subjetivo de escaramuças intelectuais obtidas em salas acadêmicas e redações midiáticas. Ou como diria o grande filósofo Millor Fernandes: “Certas coisas só são amargas, se a gente as engole”.

Voltarei ao tema.

Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem” (Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma Estética de Resistência”, Editora Boitempo.



























Os epicentros das guerras 
imperialistas
Emir Sader, em seu Blog




Entra ano e sai ano da era da hegemonia imperial norte-americana, a agenda das guerras não deixa de se alongar. Ao Afeganistão e ao Iraque se somaram a Líbia e a Síria e a lista só tende a ser maior.

Os presidentes dos EUA, em cada aniversário da invasão do Afeganistão e do Iraque, se felicitam pela vitória nessas guerras. Quem olha para esses países e se lembra das promessas de instauração de democracias – estilo ocidental –, só pode achar totalmente absurdas essas afirmações. Bastaria perguntar para algum deles se gostariam de passar as férias em algum desses países, se mandariam seus filhos ou netos estudar lá, para que eles mudassem na hora de fisionomia.

Eles se consideram vitoriosos, diante de países completamente devastados, que continuam a ser assolados pela violência cotidiana, porque seu critério é outro. Os EUA consideram que lograram seu objetivo, porque este era que não houvesse mais atentados como aqueles de 2001. O que lhes interessa é restabelecer a invulnerabilidade do seu território, ao preço que seja. 

Não importa se devastaram a civilização mais antiga da humanidade, se militarizaram totalmente a vida daqueles dois países, com centenas de milhares de mortos. Estão contentes porque, desde então, os surtos de violência nos EUA se dão nos massacres nas escolas, feitos por norte-americanos, com armas norte-americanas.

Desde então vieram os bombardeios na Líbia, agora o armamento da oposição na Síria e as contínuas ameaças ao Irã. É esse o cenário da Pax Norte-americana no mundo.

Enquanto isso, na África a fragilidade dos Estados neocolonizados se vê às voltas, cada vez mais, com rebeliões. Sociedades sem nenhuma coesão, sustentadas por exércitos treinados e armados pelos EUA e pelas potências neocoloniais europeias, com sociedades dilapidadas pela exploração de suas riquezas naturais, são frágeis diante da coesão que grupos religiosos permitem. Dispondo de armamentos que as próprias potências imperialistas despejam em grande quantidade em conflitos em que se envolvem – como, por exemplo, na Líbia e na Síria -, esses grupos vêem como presas fáceis os Estados sustentados militarmente pelas FFAA e pelo apoio externo.

O Mali é apenas um dos tantos casos. Depois de ser considerado um modelo de democracia pela mídia ocidental, em abril as FFAA derrubaram sem nenhuma resistência ao presidente eleito, e não foram convocadas eleições até hoje. Os ataques dos grupos que já controlam o norte e parte do centro do Mali encontram resposta armada da França, que bombardeia sistematicamente as regiões controladas pelos opositores. Mas não há nenhuma condição de ocupar esses territórios, mesmo militarmente.

O conflito é um pântano em que a França se meteu e onde, cada vez mais, vai se afundar. Hoje, 75% da população francesa – por enquanto, quando ainda não chegam cadáveres de franceses – apoiam a ação militar e 84% da esquerda o apoia. Isso confirma que o elemento neocolonial francês sobrevive, e conta com os socialistas para isso. Mas a aventura vai custar caro à França e ao próprio governo Hollande.









<O><O><O>


Mercantilização na saúde e no
ensino superior

Paulo Kliass, na Agência Carta Maior






A divulgação recente de más notícias sobre o desempenho de empresas atuantes da área da saúde e do ensino superior traz à tona o necessário debate a respeito da preocupante mercantilização dos serviços públicos em nosso País. À medida que parcela expressiva destes setores passou a ser composta de corporações capitalistas, os impactos negativos se fazem sentir pela maioria da população.

No início do ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acabou por decidir pela interdição de 225 planos de saúde operados por 28 empresas atuantes no setor. Esse tipo de medida não é uma grande novidade. Antes disso, em outubro passado, esse órgão regulador do sistema havia proibido 301 planos de venderem seus produtos. E ainda em julho de 2012, a lista de proibição contemplava 268 planos. Ainda que tais fatos possam passar a idéia de que o Estado está agindo e fiscalizando, a pergunta que deve ser feita vai em sentido oposto. Como é possível que uma área tão sensível, como a saúde, chegue a tal extremo de descontrole e regulamentação?

Outra decisão que causou grande impacto foi a operação de venda da empresa líder de saúde privada, a Amil. Em novembro de 2011, o Estado brasileiro autorizou que ela fosse comprada por uma das maiores operadoras globais, a norte-americana United Health, pelo valor de R$ 10 bilhões. Além das dificuldades envolvendo a internacionalização do setor, a decisão gerou muita polêmica por afrontar o impedimento legal de que hospitais (também incluídos no pacote) sejam propriedade de grupos estrangeiros.

Ensino superior privado: mercantilização crescente
Na área do ensino superior, em dezembro passado, o Ministério da Educação proibiu 207 cursos de realizarem concursos vestibulares para novos alunos e no início do presente ano comunicou que outros 38 cursos haviam sido punidos com a proibição de expandirem o número de vagas, tal como solicitado pelas instituições proprietárias. A educação universitária também vem sendo objeto de profunda transformação empresarial e corporativa, de modo que o crescimento da parcela de setor privado no conjunto do sistema é bastante expressivo.

De acordo com os dados oficiais do INEP, existem 2.365 instituições de ensino universitário no Brasil. A repartição de tais faculdades e universidades revela que 88% do total são entidades privadas, restando apenas 12% no setor público (considerando o conjunto federal, estadual e municipal). Em termos numéricos: 2081 privadas e 284 públicas. Se a análise for para o total de alunos inscritos, o setor privado oferece 76% do total e o setor público fica com apenas 24%.

Em termos de matrículas, a expansão quantitativa foi expressiva ao longo da última década. Em 2002 havia 3,5 milhões de matrículas no ensino superior e em 2011 atingiu-se o marco de 6,7 milhões de alunos inscritos. Porém, a maior parcela desse crescimento de 75% deveu-se ao setor privado. As matrículas no setor público cresceram 69% ao longo dos 10 anos, ao passo que as do setor privado cresceram 105%.

Esse crescimento expressivo das escolas particulares encontrou na própria formulação de políticas públicas um importante aliado. Por um lado, pelos longos períodos em que a orientação de contenção de gastos públicos provocou um verdadeiro sucateamento do modelo das universidades públicas, em especial as federais. Restrições orçamentárias em seqüência contribuíram para inviabilizar investimentos necessários da rede física e de seus equipamentos, Além disso, a política de recursos humanos não contribuía para atrair e manter pessoal qualificado. 

PROUNI: socialização dos custos da baixa qualidade
Por outro lado, o governo criou um programa de apoio a bolsas de estudos para as escolas privadas. Através desse modelo, as empresas do setor passaram a ter praticamente assegurada uma significativa da receita correspondente às vagas oferecidas. O discurso oficial soltava loas a um modelo que parecia agradar a todos, menos a um futuro com educação de qualidade assegurada. A população de baixa renda via finalmente chegar o sonho do diploma de ensino superior. As empresas operantes no sistema de educação privada reduziram de forma significativa o risco em suas operações e nem se preocupavam com os resultados obtidos, pois o Estado assegurava suas receitas operacionais, por meio das bolsas oferecidas.

Atualmente, o PROUNI custeia 1,1 milhão de bolsistas, sendo 740 mil na modalidade integral (100% do valor da mensalidade) e 360 mil na modalidade parcial (50% do valor da mensalidade). Além disso, existe a opção do financiamento a juros subsidiados. O programa FIES oferece recursos para pagamento de despesas com matrículas e mensalidades. As regras existentes prevêem um período de carência durante o curso e o reembolso posterior a juros anuais de 3,4%, quando o beneficiário teoricamente tiver obtido ganhos salariais derivados de sua formação. Com esse incentivo, as empresas que operam na educação universitária passaram a ter um mercado cativo para suas vagas. 

Saúde e educação: mercadoria ou direito universal?
Esses dois exemplos evidenciam os impactos negativos do caminho da mercantilização crescente das áreas de serviços públicos. A conversão desses direitos democráticos - acesso à saúde e à educação – em simples mercadorias oferecidas pelas leis de oferta e demanda compromete a qualidade desses importantes pilares de cidadania e de construção de uma sociedade inclusiva e sem desigualdades de natureza social ou econômica.

Dentre as conseqüências do período de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal, encontra-se a tentativa de disseminação da idéia de que a ação pública é sempre ineficiente e prejudicial ao conjunto da sociedade. Assim, a melhor solução seria sempre aquela encontrada nos termos das relações de troca, no ambiente determinado pelas leis do mercado. Direitos e serviços públicos, a exemplo da saúde e da educação, passam a ser encarados e tratados como simples mercadorias, a exemplo de todas as demais existentes em uma economia capitalista. Conceitos como oferta, demanda, cliente, preços, taxa de retorno, multa, contrato, inadimplência, valor de prestação, carência, entre outros, passam a fazer parte do dia-a-dia de quem convive com categorias como saúde, doença, vida, morte, educação, pesquisa, ciência, conhecimento. Uma inversão completa de valores!

Ora, parece evidente que esse processo de mercantilização é contraditório com aquilo que se pretende justamente com sistemas de educação e de saúde portadores de qualidade para seus usuários e para o próprio País. 

Quando a lógica de operação de um hospital ou de uma universidade passa a ser a da maximização do retorno do investimento realizado a qualquer custo, está comprometida a própria natureza pública do serviço a ser oferecido. As prioridades estratégicas, as áreas de maior urgência social, a distribuição espacial de acordo com necessidades regionais, a remuneração dos trabalhadores nos sistemas, tudo isso passa a ser relegado a um segundo plano nas decisões empresariais.

Serviço público: interesse social ou lógica privada?
A contabilidade fria do modelo capitalista busca a realização do lucro por meio da dinâmica de elevação de receitas e redução das despesas. Essa abordagem favorece o atendimento dos interesses dos proprietários e acionistas da empresa, mas quase nunca satisfaz as necessidades de áreas socialmente sensíveis. Essa é a principal razão, inclusive, que levou boa parte dos países do mundo capitalista à opção por delegar ao Estado a prestação de tais serviços. Ou então, pela constituição de modelos que contam com subsídios públicos destinados a instituições privadas, mas que demonstram efetiva competência e qualidade naquilo que oferecem à sociedade.

No nosso caso, o risco do processo que atravessamos é o de ficarmos com o pior dos mundos. As áreas de excelência do setor público estão, aos poucos, sendo sucateadas e perdendo competência e qualidade. As áreas de expansão do setor privado encontram um potencial de crescimento com baixa capacidade de regulação e fiscalização do Estado. A mercantilização tende a provocar uma segmentação baseada no nível de rendimento dos usuários dos sistemas, com a complementação de recursos públicos sem a correspondente qualidade na prestação dos serviços “públicos” oferecidos. A relação mercantil pressupõe um contrato. E o contrato estabelece a restrição do uso ao pagamento prévio. 

Os recursos orçamentários deixam de ser utilizados para reforçar e reconstruir um sistema público à altura das necessidades de nossa população. Na verdade, são drenados para apropriação privada em um sistema onde a lógica predominante é a da remuneração do capital.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.









Nenhum comentário:

Postar um comentário