Uma semana para esquecer
Saul Leblon, no Blog das Frases
O jornalismo praticado pelo dispositivo conservador tem cada vez mais o prazo de validade de um pote de iogurte vencido. A 'grave denúncia' da noite azeda no contato com o oxigênio da manhã.
A manchete garrafal e assertiva da hora desaba ao primeiro sopro dos fatos. Como um frango desossado da Sadia, não se sustenta sem os ganchos de uma desconcertante indiferença à realidade.
Não raro, a afronta à opinião pública balança sua indignidade por dias seguidos nas páginas e sites, como a carcaça putrefata da credibilidade conservadora.
A insistência do vetusto 'Estadão' em manter uma 'barrigada' histórica na manchete --a 'decisão' do Ministério Público de pedir a investigação de Lula'-- é o exemplo arrematado da carnificina da notícia no cepo conservador.
No futuro, quando o historiador autopsiar esse açougue onde cortes especiais redesenham o país ao gosto de interesses pantagruélicos, será possível avaliar melhor as consequências da injeção sistemática de semi-informação, meias verdades, semi-cultura, mentiras e vulgaridade no imaginário social.
Não se trata apenas de aferir votos. A cidadania plena é inseparável da consciência histórica adquirida através da razão argumentativa que politiza os fatos e materializa os valores que sustentam a convivência compartilhada.
Por ora, trata-se de resistir à matéria tóxica.
Poucas tarefas terão maior importância do que essa nos dias que correm.
A capacidade de entorpecer o discernimento social é o principal trunfo político de um feixe de interesses cada vez mais dissociado dos anseios da população. Cada vez mais disfuncional em relação à agenda do desenvolvimento. Cada vez mais avesso ao aggiornamento que a democracia requer em nosso tempo. (Leia também o blog do Emir; nesta pág.)
Sites e blogs progressistas devem redobrar esforços na tarefa de oferecer um contrapeso de equilíbrio ao aluvião beligerante embutido nessa asfixia narrativa.
Não ceder ao discurso panfletário já encerra em si um contraponto.
Mas ele somente será eficaz se adquirir a abrangência capaz de romper os torniquetes da infantilização da opinião pública promovida pelo monopólio midiático.
Discutir alternativas críveis a uma crise igual ou pior que a vivida pelo capitalismo em 1929 é o que de mais importante deveria fazer um sistema de comunicação plural e democrático.
A dimensão política dos impasses em jogo, rusticamente condensados na incompatibilidade entre a supremacia financeira e as necessidades vitais da sociedade, convoca a imaginação a erguer linhas de passagem não usuais ao passo seguinte da história.
Quando as coisas atingem o ponto a que chegamos a resistência concentrada nas questões convencionais da sobrevivência não basta.
Urge uma disposição mudancista desassombrada para redefinir o papel do Estado e da democracia na retomada do crescimento, em meio à desordem neoliberal.
O conjunto requer um salto de discernimento, organização e engajamento que não se materializará sem a mobilização de ideias e agendas que um jornalismo isento teria obrigação de espelhar .
Não é esse o presente imediato, tampouco o horizonte visível da chamada grande mídia no Brasil.
A sofreguidão das machetes nos últimos dias colecionou provas suficientes de um empenho que avança na contramão desse imperativo.
Foi uma semana para não esquecer.
Um apagão midiático, uma investigação contra Lula, salvas ao 'candidato anti-intervencionista' das gerais, a concentração de vapor golpista contra o regime venezuelano e um alarmismo inflacionário improcedente compuseram o repertório da isenção informativa aspergida insistentemente nos corações e mentes da sociedade.
O saldo distorce os fatos, mas informa o que vem pela frente.
O incompreensível desdém do governo em relação aos meios de comunicação progressistas --a ponto de discriminá-los no agendamento da publicidade oficial de interesse público-- assume assim contornos de um erro político de consequências desestabilizadoras.
Sempre se poderá alegar em defesa da inércia que o limite do abuso é o contrapeso implacável da realidade objetiva. Esta favoreceria o discernimento político da sociedade.
Em termos.
O economicismo que se acredita autossuficiente na disputa pela hegemonia é tão equivocado quanto o laissez-faire, que dispensa ao Estado o menosprezo de um estorvo burocrático.
No fundo, ambos entregam o destino da Nação às forças de mercado. Com as consequências conhecidas, quando o conflito de interesses atinge a polarização prenunciada nas manchetes da semana que passou.
A manchete garrafal e assertiva da hora desaba ao primeiro sopro dos fatos. Como um frango desossado da Sadia, não se sustenta sem os ganchos de uma desconcertante indiferença à realidade.
Não raro, a afronta à opinião pública balança sua indignidade por dias seguidos nas páginas e sites, como a carcaça putrefata da credibilidade conservadora.
A insistência do vetusto 'Estadão' em manter uma 'barrigada' histórica na manchete --a 'decisão' do Ministério Público de pedir a investigação de Lula'-- é o exemplo arrematado da carnificina da notícia no cepo conservador.
No futuro, quando o historiador autopsiar esse açougue onde cortes especiais redesenham o país ao gosto de interesses pantagruélicos, será possível avaliar melhor as consequências da injeção sistemática de semi-informação, meias verdades, semi-cultura, mentiras e vulgaridade no imaginário social.
Não se trata apenas de aferir votos. A cidadania plena é inseparável da consciência histórica adquirida através da razão argumentativa que politiza os fatos e materializa os valores que sustentam a convivência compartilhada.
Por ora, trata-se de resistir à matéria tóxica.
Poucas tarefas terão maior importância do que essa nos dias que correm.
A capacidade de entorpecer o discernimento social é o principal trunfo político de um feixe de interesses cada vez mais dissociado dos anseios da população. Cada vez mais disfuncional em relação à agenda do desenvolvimento. Cada vez mais avesso ao aggiornamento que a democracia requer em nosso tempo. (Leia também o blog do Emir; nesta pág.)
Sites e blogs progressistas devem redobrar esforços na tarefa de oferecer um contrapeso de equilíbrio ao aluvião beligerante embutido nessa asfixia narrativa.
Não ceder ao discurso panfletário já encerra em si um contraponto.
Mas ele somente será eficaz se adquirir a abrangência capaz de romper os torniquetes da infantilização da opinião pública promovida pelo monopólio midiático.
Discutir alternativas críveis a uma crise igual ou pior que a vivida pelo capitalismo em 1929 é o que de mais importante deveria fazer um sistema de comunicação plural e democrático.
A dimensão política dos impasses em jogo, rusticamente condensados na incompatibilidade entre a supremacia financeira e as necessidades vitais da sociedade, convoca a imaginação a erguer linhas de passagem não usuais ao passo seguinte da história.
Quando as coisas atingem o ponto a que chegamos a resistência concentrada nas questões convencionais da sobrevivência não basta.
Urge uma disposição mudancista desassombrada para redefinir o papel do Estado e da democracia na retomada do crescimento, em meio à desordem neoliberal.
O conjunto requer um salto de discernimento, organização e engajamento que não se materializará sem a mobilização de ideias e agendas que um jornalismo isento teria obrigação de espelhar .
Não é esse o presente imediato, tampouco o horizonte visível da chamada grande mídia no Brasil.
A sofreguidão das machetes nos últimos dias colecionou provas suficientes de um empenho que avança na contramão desse imperativo.
Foi uma semana para não esquecer.
Um apagão midiático, uma investigação contra Lula, salvas ao 'candidato anti-intervencionista' das gerais, a concentração de vapor golpista contra o regime venezuelano e um alarmismo inflacionário improcedente compuseram o repertório da isenção informativa aspergida insistentemente nos corações e mentes da sociedade.
O saldo distorce os fatos, mas informa o que vem pela frente.
O incompreensível desdém do governo em relação aos meios de comunicação progressistas --a ponto de discriminá-los no agendamento da publicidade oficial de interesse público-- assume assim contornos de um erro político de consequências desestabilizadoras.
Sempre se poderá alegar em defesa da inércia que o limite do abuso é o contrapeso implacável da realidade objetiva. Esta favoreceria o discernimento político da sociedade.
Em termos.
O economicismo que se acredita autossuficiente na disputa pela hegemonia é tão equivocado quanto o laissez-faire, que dispensa ao Estado o menosprezo de um estorvo burocrático.
No fundo, ambos entregam o destino da Nação às forças de mercado. Com as consequências conhecidas, quando o conflito de interesses atinge a polarização prenunciada nas manchetes da semana que passou.
O suicídio da imprensa brasileira
Emir Sader, na Agência Carta Maior
Mas, ao contrário do que ela costuma afirmar, os riscos não vem de fora – de governos “autoritários” e/ou da concorrência da internet. Este segundo aspecto concorre para sua decadência, mas a razão fundamental é o desprestígio da imprensa, pelos caminhos que ela foi tomando nas ultimas décadas.
No caso do Brasil, depois de ter pregado o golpe militar e apoiado a ditadura, a imprensa desembocou na campanha por Collor e no apoio a seu governo, até que foi levada a aderir ao movimento popular de sua derrubada.
O partido da imprensa – como ela mesma se definiu na boca de uma executiva da FSP – encontrou em FHC o dirigente politico que casava com os valores da mídia: supostamente preparado pela sua formação – reforçando a ideia de que o governo deve ser exercido pela elite -, assumiu no Brasil o programa neoliberal que já se propagava na América Latina e no mundo.
Venderam esse pacote importado, da centralidade do mercado, como a “modernização”, contra o supostamente superado papel do Estado. Era a chegada por aqui do “modo de vida norteamericano”, que nos chegaria sob os efeitos do “choque de capitalismo”, que o país necessitaria.
O governo FHC, que viria para instaurar uma nova era no país, fracassou e foi derrotado, sem pena, nem glória, abrindo caminho para o que a velha imprensa mais temia: um governo popular, dirigido por um ex-líder sindical, em nome da esquerda.
A partir desse momento se produziu o desencontro mais profundo entre a velha imprensa e o país real. Tiveram esperança no fracasso do Lula, via suposta incapacidade para governar, se lançaram a um ataque frontal em 2005, quando viram que o governo se afirmava, e finalmente tiveram que se render ao sucesso de Lula, sua reeleição, a eleição de Dilma e, resignadamente, aceitar a reeleição desta.
Ao invés de tentar entender as razoes desse novo fenômeno, que mudou a face social do pais, o rejeitou, primeiro como se fosse falso, depois como se se assentasse na ação indevida e corruptora do Estado. A velha mídia se associou diretamente com o bloco tucano-demista até que, se dando conta, angustiada, da fragilidade desse bloco, assumiu diretamente o papel de partido opositor, de que aqueles partidos passaram a ser agregados.
A velha mídia brasileira passou a trilhar o caminho do seu suicídio. Decidiu não apenas não entender as transformações que o Brasil passou a viver, como se opor a elas de maneira frontal, movida por um instinto de classe que a identificou com o de mais retrogrado o pais tem: racismo, discriminação, calunia, elitismo.
Não há mais nenhuma diferença entre as posições da mídia – a mesma nos principais órgãos – e os partidos opositores. A mídia fez campanha aberta para os candidatos à presidência do bloco tucano-demista e faz oposição cerrada, cotidiana, sistemática, aos governos do Lula e da Dilma.
Tem sido a condutora das campanhas de denúncia de supostos casos de corrupção, tem como pauta diária a suposta ineficiência do Estado – como os dois eixos da campanha partidária da mídia.
Certamente a internet é um fator que acelera a crise terminal da velha mídia. Sua lentidão, o fato de que os jovens não leem mais a imprensa escrita, favorece essa decadência.
Mas a razão principal é o suicídio politico da velha mídia, tornando-se a liderança opositora no pais, editorializando suas publicações do começo ao final, sendo totalmente antidemocráticas na falta de pluralismo sequer nas paginas de opinião, assumindo um tom golpista histórico na direita brasileira.
Caminha assim inexoravelmente para sua intranscendência definitiva. Faz campanha, em coro, contra o governo da Dilma e contra o Lula, mas estes tem apoio próximo aos 80%, enquanto irrisórias cifras expressam os setores que assimilam as posições da mídia.
Uma pena, porque a imprensa chegou a ter, em certos momentos, papel democrático, com certo grau de pluralidade na história do pais. Agora, reduzida a um simulacro de “imprensa livre”, ancorada no monopólio de algumas famílias decadentes, caminha para seu final como imprensa, sob o impacto da falta de credibilidade total. Uma morte anunciada e merecida.
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