"E a liberdade de expressão?"
Por Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro
A conta não fecha: quando um jornal europeu acaba sendo alvo de protestos por publicar charges ofensivas ao profeta Maomé, a liberdade de expressão é invocada em defesa da publicação. “Mas quando um cartunista como eu, que não tem foco sobre o judaísmo ou questões raciais, dedica seu trabalho a expor o apartheid israelense sobre os palestinos, recebe difamação”, resume Carlos Latuff.
Esta difamação voltou à tona na virada de 2012 para 2013, quando o Centro de Defesa dos Direitos Humanos Simón Wiesenthal, entidade israelense sediada em Los Angeles, colocou o cartunista na terceira posição de uma lista que aponta dez organizações ou pessoas consideradas mais antissemitas. Na tentativa de ilustrar sua posição no seu relatório, o instituto utilizou charge de Latuff que mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, torcendo um cadáver palestino para obter votos eleitorais.
“Não fiquei surpreso. Não é a primeira vez que acontece esta tática de associar crítica ao estado de Israel ao antissemitismo. Existe uma série de organizações nos Estados Unidos e na Europa que se dedicam a este tipo de tarefa: identificar na imprensa, na Internet, artigo e opiniões que sejam contrárias à política de Israel para expô-los como antissemitas”, lembra Latuff.
A lista do Centro Simón Wiesenthal é encabeçada por Mohammed Badie, líder da Irmandade Muçulmana (grupo islâmico), seguido por Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã. O terceiro nome é do cartunista brasileiro – que está, na lista, à frente do partido nazista grego, por exemplo. Nada que abale a disposição de Latuff em continuar denunciando os crimes do estado de Israel sobre os palestinos por meio de suas charges.
“Na verdade, (a lista) deixa a gente satisfeito porque mostra que o trabalho está surtindo efeito. O que lamento é a utilização do antissemitismo para fins políticos”, diz ele. Uma petição online, já assinada por mais de 450 pessoas, exige “o fim da manipulação do antissemitismo para fins políticos”.
A seguir, confira resumo da entrevista que o site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio fez com Carlos Latuff na última quinta-feira (3/1). O cartunista fala, entre outras coisas, sobre sua segurança e a cobertura da imprensa no conflito entre Israel e Palestina.
Você pensa em tomar alguma atitude jurídica em relação à acusação de antissemitismo?
Carlos Latuff – Se estivesse nos Estados Unidos, talvez faria. Mas do Brasil fica mais complicado abrir processo. Esta lista na verdade é uma disputa ideológica. Quando coloca uma pessoa que tem trabalho destacado em favor dos palestinos numa lista junto com gente de extrema direita e fundamentalista, está se tentando confundir, colocar no mesmo barco, ódio com críticas ao estado de Israel. O que está em jogo é uma disputa política e ideológica. Eu emiti uma nota a respeito disso. Respondi com uma charge. A resposta tem que se dar também no nível político-ideológico. Críticas ao estado de Israel não são ataques aos judeus.
Há temor pela sua segurança depois da divulgação da lista?
C.L. – Quando se apresenta um crítico como sendo racista, antissemita, abre-se a possibilidade de que ele seja alvo de ações violentas – oficiais ou não oficiais. Lembro de um site, ligado ao Likud (partido de direta de Israel), que em 2006 publicou, em hebraico, artigo longo a meu respeito. O autor do texto cobrava providências: onde está Israel que não fez nada contra Latuff? Mesmo que a lista não seja uma ameaça objetiva, expõe você a qualquer tipo de ação.
Qual a sua avaliação da cobertura da grande imprensa sobre o conflito entre Israel e Palestina?
C.L. – No Ocidente são notáveis as coberturas pró-Israel. Reforçam a ideia de que Israel é uma eterna vítima e de que os palestinos são agressores. Existe quase uma orquestração neste sentido. Ela reforça estereótipos, o senso comum, e não apresenta o lado dos palestinos. Mas não é só neste ponto: a violência policial sobre pobres e negros nas favelas é sempre tendenciosa, em favor da polícia. Particularmente depois do fenômeno Tropa de Elite (filme) e as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a imprensa cada vez mais tem apoiado integralmente as forças de repressão em detrimento das comunidades de favelas. Pede-se cada vez mais polícia, mas não se questiona que polícia vamos colocar nas ruas. A grande imprensa é tendenciosa. No passado, os estados autoritários tinham máquinas de propaganda. Hoje, no caso do Brasil, as oligarquias não precisam de ministros da propaganda, elas têm a grande imprensa para defender seus interesses.
Extraído do Observatório da Imprensa
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