verdade, abaixo a verdade
Enio Squeff, na agência Carta Maior
O escritor Euclides da Cunha concede apenas duas linhas para o
último capítulo de "Os Sertões". Diz ele em sua grande obra: "É que ainda não
existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades". Euclides
pretendia coroar seu incomparável livro com a citação de uma espécie de
unanimidade da psiquiatria de época; mas quase ninguém sabe hoje quem foi Henry
Maudsley (1835-1918).
Em suas obras, ele afirmava que a criminalidade e o seu sucedâneo – a loucura – ou vice-versa eram não só explicáveis, mas previsíveis pelo que se conhecia do desenvolvimento da psiquiatria de então. Era um dos muitos enganos, convalidados pela ideologia cientificista da época – mas que continua, pelo menos como ideologia. Quase todos os cronistas da grande imprensa contemporânea pensam ter a chave da história ao apostarem nos consensos das classes dominantes. Parece terem adquirido o hábito de insistirem que a casa não caiu, embora os escombros demonstrem exatamente o contrário.
Talvez fosse o caso de se pensar que se Maudsley (ou Freud, ou Young, ou Lacan, sabe-se lá) valesse alguma coisa permanente para o futuro, ele talvez explicasse não só a loucura das nacionalidades, mas dos jornais, das revistas, da TV, do rádio e principalmente dos cronistas brasileiros, econômicos ou não: eles garantiram que os reservatórios das hidrelétricas ficariam secos, justamente na época das chuvas, e, como São Pedro não foi avisado, eles aduziram – para se contraporem às contraditórias cheias das represas – que as contas do governo não batem para que sua promessa de reduzir as tarifas de energia elétrica sejam, afinal, factíveis.
Há, inclusive, um velho físico de plantão, ex-ministro, ex-secretário de meio ambiente de São Paulo, ex quase tudo, que todos os anos repete o bordão: as reservas das hidrelétricas estão esgotadas. O Brasil da presidenta Dilma repetirá o fiasco do apagão do governo Fernando Henrique Cardoso. Como nada disso acontece, os pauteiros dos jornalões e da TV acabam se esquecendo de pedir ao velho físico seus palpites sobre a meteorologia, ou do resultado do próximo jogo entre o Brasil e a Inglaterra.
Talvez exista, sim, um dia um Maudsley que explique a frustração dos pauteiros e cronistas políticos que, há anos, vêm prevendo o pior para o Brasil, já que o país não se emenda e continua a votar no PT e nos partidos de esquerda. No fundo, constata-se, como dizem os gaúchos, que "é dura a lida de campo". Ou seja, já que a realidade não se amolda aos desejos da grande imprensa, abaixo o real.
Contam os historiadores britânicos que a rainha Vitória nunca se convenceu de que a toda poderosa Marinha de Sua Majestade não podia bombardear a Bolívia. O pequeno país latino-americano tinha dado alguns pontapés no embaixador britânico, humilhando publicamente um representante do mais poderoso império do século XIX. Em quaisquer outros países com as costas para o mar, a marinha inglesa teria reduzido a entulhos as sedes do governo, se é que pouparia o próprio país como um todo das represálias pesadas a uma humilhação do gênero.
Ocorre que, para castigar exemplarmente a Bolívia, as forças britânicas teriam de atravessar alguns países, como o Chile, o Peru e até o Brasil. Haveriam que pedir licença, o que dificilmente lhes seria concedida; ou declarar guerra à América Latina como um todo para atingir a Bolívia. Não havia, em suma, como reagir à altura. Conta-se então que a rainha Vitória teria pedido um mapa-mundi e, com caneta imperial, riscou a Bolívia do mapa das Américas. Dali em diante a Bolívia não existiria.
Mutatis mutandis, como dizem os egrégios juízes do Supremo Tribunal Federal, não se sabe o que farão os grandes jornais e redes de TV diante da realidade de que, de fato, a presidenta não apenas está cortando os juros e as contas das elétricas, ao contrário do que eles e seus cálculos previam, mas está com um decidido apoio popular. Não se cogita de que risquem o Brasil real do mapa.
Na verdade, parece já estarem tentando fazer isso, desde que o país não vem se amoldando a suas previsões catastróficas. Como, porém, tudo continua funcionando a contento – a despeito de seus desejos, ou melhor, apesar dos desejos de seus patrões –, a cada momento se assistem a novas matérias em que a hecatombe é o mínimo esperado.
Dias atrás, a Globo anunciou que as obras para os jogos da Copa das Confederações não ficariam prontas a tempo. As linhas de transmissão de energia para os respectivos estádios não estavam sendo construída – estariam atrasadas. E, segundo os cálculos de uma agência reguladora, havia o perigo iminente de que as coisas fossem de mal a pior, para a humilhação do Brasil.
À medida que a matéria corria no Jornal Nacional, porém, nada da manchete se confirmava. Dito com outras palavras: a própria matéria, anunciada com manchetes catastrofistas, deixava claro que não era nada daquilo que se dizia; que as obras corriam a contento e que, para todos os efeitos, elas estavam prestes a ser instaladas. Em suma: a matéria contrariava a manchete, ou se quisermos, a manchete contrariava a matéria.
Pouco a acrescentar. Mas fica curiosidade sobre a cabeça dos coleguinhas a inventar histórias que não se confirmam. Devem ser pessoas felizes. Cogita-se que seus salários compensem, à larga, as invenções que eles, mais que todos sabem serem meras invencionices, que não têm nada a ver com jornalismo.
A sua sorte é que não estão sozinhos no mundo. É assim na França, nos EUA e na Espanha. Confirma-se um pouco, a sua moda, a idéia do grande Euclides da Cunha: é que não existe ainda um Maudsly que explique loucuras e os crimes, não só das nacionalidades, mas dos jornalistas e de seus queridíssimos patrões.
Que fazer? A Bolívia não existe e pronto.
Em suas obras, ele afirmava que a criminalidade e o seu sucedâneo – a loucura – ou vice-versa eram não só explicáveis, mas previsíveis pelo que se conhecia do desenvolvimento da psiquiatria de então. Era um dos muitos enganos, convalidados pela ideologia cientificista da época – mas que continua, pelo menos como ideologia. Quase todos os cronistas da grande imprensa contemporânea pensam ter a chave da história ao apostarem nos consensos das classes dominantes. Parece terem adquirido o hábito de insistirem que a casa não caiu, embora os escombros demonstrem exatamente o contrário.
Talvez fosse o caso de se pensar que se Maudsley (ou Freud, ou Young, ou Lacan, sabe-se lá) valesse alguma coisa permanente para o futuro, ele talvez explicasse não só a loucura das nacionalidades, mas dos jornais, das revistas, da TV, do rádio e principalmente dos cronistas brasileiros, econômicos ou não: eles garantiram que os reservatórios das hidrelétricas ficariam secos, justamente na época das chuvas, e, como São Pedro não foi avisado, eles aduziram – para se contraporem às contraditórias cheias das represas – que as contas do governo não batem para que sua promessa de reduzir as tarifas de energia elétrica sejam, afinal, factíveis.
Há, inclusive, um velho físico de plantão, ex-ministro, ex-secretário de meio ambiente de São Paulo, ex quase tudo, que todos os anos repete o bordão: as reservas das hidrelétricas estão esgotadas. O Brasil da presidenta Dilma repetirá o fiasco do apagão do governo Fernando Henrique Cardoso. Como nada disso acontece, os pauteiros dos jornalões e da TV acabam se esquecendo de pedir ao velho físico seus palpites sobre a meteorologia, ou do resultado do próximo jogo entre o Brasil e a Inglaterra.
Talvez exista, sim, um dia um Maudsley que explique a frustração dos pauteiros e cronistas políticos que, há anos, vêm prevendo o pior para o Brasil, já que o país não se emenda e continua a votar no PT e nos partidos de esquerda. No fundo, constata-se, como dizem os gaúchos, que "é dura a lida de campo". Ou seja, já que a realidade não se amolda aos desejos da grande imprensa, abaixo o real.
Contam os historiadores britânicos que a rainha Vitória nunca se convenceu de que a toda poderosa Marinha de Sua Majestade não podia bombardear a Bolívia. O pequeno país latino-americano tinha dado alguns pontapés no embaixador britânico, humilhando publicamente um representante do mais poderoso império do século XIX. Em quaisquer outros países com as costas para o mar, a marinha inglesa teria reduzido a entulhos as sedes do governo, se é que pouparia o próprio país como um todo das represálias pesadas a uma humilhação do gênero.
Ocorre que, para castigar exemplarmente a Bolívia, as forças britânicas teriam de atravessar alguns países, como o Chile, o Peru e até o Brasil. Haveriam que pedir licença, o que dificilmente lhes seria concedida; ou declarar guerra à América Latina como um todo para atingir a Bolívia. Não havia, em suma, como reagir à altura. Conta-se então que a rainha Vitória teria pedido um mapa-mundi e, com caneta imperial, riscou a Bolívia do mapa das Américas. Dali em diante a Bolívia não existiria.
Mutatis mutandis, como dizem os egrégios juízes do Supremo Tribunal Federal, não se sabe o que farão os grandes jornais e redes de TV diante da realidade de que, de fato, a presidenta não apenas está cortando os juros e as contas das elétricas, ao contrário do que eles e seus cálculos previam, mas está com um decidido apoio popular. Não se cogita de que risquem o Brasil real do mapa.
Na verdade, parece já estarem tentando fazer isso, desde que o país não vem se amoldando a suas previsões catastróficas. Como, porém, tudo continua funcionando a contento – a despeito de seus desejos, ou melhor, apesar dos desejos de seus patrões –, a cada momento se assistem a novas matérias em que a hecatombe é o mínimo esperado.
Dias atrás, a Globo anunciou que as obras para os jogos da Copa das Confederações não ficariam prontas a tempo. As linhas de transmissão de energia para os respectivos estádios não estavam sendo construída – estariam atrasadas. E, segundo os cálculos de uma agência reguladora, havia o perigo iminente de que as coisas fossem de mal a pior, para a humilhação do Brasil.
À medida que a matéria corria no Jornal Nacional, porém, nada da manchete se confirmava. Dito com outras palavras: a própria matéria, anunciada com manchetes catastrofistas, deixava claro que não era nada daquilo que se dizia; que as obras corriam a contento e que, para todos os efeitos, elas estavam prestes a ser instaladas. Em suma: a matéria contrariava a manchete, ou se quisermos, a manchete contrariava a matéria.
Pouco a acrescentar. Mas fica curiosidade sobre a cabeça dos coleguinhas a inventar histórias que não se confirmam. Devem ser pessoas felizes. Cogita-se que seus salários compensem, à larga, as invenções que eles, mais que todos sabem serem meras invencionices, que não têm nada a ver com jornalismo.
A sua sorte é que não estão sozinhos no mundo. É assim na França, nos EUA e na Espanha. Confirma-se um pouco, a sua moda, a idéia do grande Euclides da Cunha: é que não existe ainda um Maudsly que explique loucuras e os crimes, não só das nacionalidades, mas dos jornalistas e de seus queridíssimos patrões.
Que fazer? A Bolívia não existe e pronto.
Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
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