B R A S I L
Fotos, golpes, pitbuls e a
realpolitik
Izaías Almada
Dias de fotos emblemáticas, fatos inesperados e o rosnar de
pitibuls, quero dizer, dos analistas políticos do Partido da Imprensa Golpista,
para os quais, aliás, o presidente do Equador Rafael Correia, em discurso no
encerramento da Rio+20 foi brilhante, ao explicar didaticamente para incautos e
incultos o significado da guerra silenciosa entre os que querem um mundo melhor
e os indefectíveis defensores da treva enfiados nas redações de jornalões,
revistões e televisões.
Guerra dissimulada sim, esta que se trava entre o que resta de dignidade ao mundo atual e os pitibuls da mídia nativa e internacional. Mundo em que tudo se transformou e se transforma em mercadoria, principalmente a opinião desses jornalistas pagos para defender os próprios interesses e também os interesses da imprensa “democrática”, isto é, a sua.
Desmascarar os pitibuls e citar-lhes os nomes já não é preciso. Basta, para aqueles que ainda têm estômago, assistir a alguns telejornais, ler três ou quatro pasquins do Rio de Janeiro e São Paulo e duas revistas semanais e está formada a rede de informação que se transformou em partido político de viés direitista e conservador não registrado (ainda) nos Tribunais Superiores Eleitorais.
Esse mesmo partido que acaba de ajudar a “destituir sumariamente” (novo eufemismo para golpe de estado, segundo nota do governo brasileiro) o presidente paraguaio Fernando Lugo.
Numa fotografia amarelada pelo tempo, mas ainda presente nas paredes das salas de latifundiários, especuladores financeiros, empresários de enriquecimento fácil, empresários midiáticos, algumas casernas, altares empedernidos e políticos venais, pode-se distinguir com razoável nitidez as impressões digitais do tal rito sumário: o governo dos Estados Unidos da America e a Igreja, foram os primeiros a reconhecer e apoiar o novo governo paraguaio.
O golpe de estado é, antes de tudo, um câncer que afeta a democracia. Ensaiado há três anos em Honduras dentro de nova configuração política da América Central e do Sul, já que invoca a própria constituição do país em defesa dos interesses golpistas, volta a ser praticado no vizinho Paraguai.
Início de uma metástase? Se assim for, é preciso cortar o mal pela raiz, já.
Não é nada difícil descobrir na constituição de cada país artigos que possibilitem o impeachment de um presidente da república. Ou presidenta.
Toda indecisão, tibieza, vacilo ou indiferença ante o golpe perpetrado em Assunção poderá significar a retomada de um passado que os povos sul americanos gostariam de ver erradicado para sempre. Em particular indígenas, negros, trabalhadores da cidade e do campo, ainda que disto muitos não tenham a consciência política, mas apenas a necessidade orgânica.
Antecedendo ao golpe de estado no início da semana, mas não menos importante, a aliança política com o grande corrupto e financiador da violenta repressão no Brasil dos anos 60, assinada entre o PT e Paulo Maluf não se justifica, quanto a mim, sob nenhuma hipótese. E não me venham para cá com exemplos de realpolitik ou coisa que o valha, pois admito que, em determinadas circunstâncias políticas, se façam alianças entre adversários políticos e mesmo ideológicos. Mas com um homem que é procurado pela Interpol por prática de altíssimo grau de corrupção é um tapa na cara de milhões de brasileiros.
Paulo Maluf desviou para paraísos fiscais milhões de dólares roubados ao povo brasileiro e ajudou a financiar um dos mais violentos aparelhos repressivos no país, a Operação Bandeirante (Oban), que se tornaria o embrião do Doi-Codi, onde se torturou e matou cidadãos brasileiros que um dia lutaram para derrubar a ditadura e pela volta da democracia ao Brasil.
Coisas do passado, já dizem alguns. Até porque, dizem outros, a direita nesse momento se chama José Serra. São coisas do passado?!... Como?!... Coisas do passado?!... Quer dizer, então, que a Comissão da Verdade é mesmo uma brincadeira? Uma areia nos olhos dos ingênuos como eu? Ela também trata de coisas do passado... Se Maluf é coisa do passado e pode ser “perdoado”, os torturadores também podem, por que não? Coisas do passado, pois foram todos anistiados, dizem os ladinos.
E assim corre a noviça democracia brasileira, movida a eleições de dois em dois anos, cuja engrenagem procura compor alianças – a maioria delas espúrias – em nível municipal, estadual e federal. O que esperar do combate a corrupção se na maior capital do país, num estado também campeão na corrupção com seus rodoaneis, metrôs, varrições e privatarias, o partido da mudança estende a mão a alguém que se sair do país é preso pela Interpol? Penso que uma aliança com o PCC de Marcola poderia também ser útil dentro da propalada realpolitik. Ou ele já está comprometido com o outro candidato?
Esse jeitão de fazer política enfraquece a democracia, pois consolida em milhares de eleitores a certeza de que os políticos são todos ‘farinha do mesmo saco’. E democracias enfraquecidas se tornam um prato cheio para aventuras golpistas. Honduras, Paraguai, nuvens escuras em horizontes bolivianos e a hidra tenta botar a cabeça de fora. Quem paga para ver? A realpolitik?
Espero, sinceramente, que Fernando Haddad vença as eleições para a prefeitura de São Paulo. Se assim for, com toda a certeza isso não terá sido pela aliança com o PP de Maluf. Esta, a aliança, manchará a biografia do ex-presidente Lula para sempre, queriam ou não os defensores da realpolitik. E não adianta tampar o sol com a peneira.
Repito aqui uma das minhas frases favoritas e que foi enunciada pelo grande Albert Einstein: “a grande diferença entre um estúpido e um gênio, é que o gênio tem seus limites”.
Guerra dissimulada sim, esta que se trava entre o que resta de dignidade ao mundo atual e os pitibuls da mídia nativa e internacional. Mundo em que tudo se transformou e se transforma em mercadoria, principalmente a opinião desses jornalistas pagos para defender os próprios interesses e também os interesses da imprensa “democrática”, isto é, a sua.
Desmascarar os pitibuls e citar-lhes os nomes já não é preciso. Basta, para aqueles que ainda têm estômago, assistir a alguns telejornais, ler três ou quatro pasquins do Rio de Janeiro e São Paulo e duas revistas semanais e está formada a rede de informação que se transformou em partido político de viés direitista e conservador não registrado (ainda) nos Tribunais Superiores Eleitorais.
Esse mesmo partido que acaba de ajudar a “destituir sumariamente” (novo eufemismo para golpe de estado, segundo nota do governo brasileiro) o presidente paraguaio Fernando Lugo.
Numa fotografia amarelada pelo tempo, mas ainda presente nas paredes das salas de latifundiários, especuladores financeiros, empresários de enriquecimento fácil, empresários midiáticos, algumas casernas, altares empedernidos e políticos venais, pode-se distinguir com razoável nitidez as impressões digitais do tal rito sumário: o governo dos Estados Unidos da America e a Igreja, foram os primeiros a reconhecer e apoiar o novo governo paraguaio.
O golpe de estado é, antes de tudo, um câncer que afeta a democracia. Ensaiado há três anos em Honduras dentro de nova configuração política da América Central e do Sul, já que invoca a própria constituição do país em defesa dos interesses golpistas, volta a ser praticado no vizinho Paraguai.
Início de uma metástase? Se assim for, é preciso cortar o mal pela raiz, já.
Não é nada difícil descobrir na constituição de cada país artigos que possibilitem o impeachment de um presidente da república. Ou presidenta.
Toda indecisão, tibieza, vacilo ou indiferença ante o golpe perpetrado em Assunção poderá significar a retomada de um passado que os povos sul americanos gostariam de ver erradicado para sempre. Em particular indígenas, negros, trabalhadores da cidade e do campo, ainda que disto muitos não tenham a consciência política, mas apenas a necessidade orgânica.
Antecedendo ao golpe de estado no início da semana, mas não menos importante, a aliança política com o grande corrupto e financiador da violenta repressão no Brasil dos anos 60, assinada entre o PT e Paulo Maluf não se justifica, quanto a mim, sob nenhuma hipótese. E não me venham para cá com exemplos de realpolitik ou coisa que o valha, pois admito que, em determinadas circunstâncias políticas, se façam alianças entre adversários políticos e mesmo ideológicos. Mas com um homem que é procurado pela Interpol por prática de altíssimo grau de corrupção é um tapa na cara de milhões de brasileiros.
Paulo Maluf desviou para paraísos fiscais milhões de dólares roubados ao povo brasileiro e ajudou a financiar um dos mais violentos aparelhos repressivos no país, a Operação Bandeirante (Oban), que se tornaria o embrião do Doi-Codi, onde se torturou e matou cidadãos brasileiros que um dia lutaram para derrubar a ditadura e pela volta da democracia ao Brasil.
Coisas do passado, já dizem alguns. Até porque, dizem outros, a direita nesse momento se chama José Serra. São coisas do passado?!... Como?!... Coisas do passado?!... Quer dizer, então, que a Comissão da Verdade é mesmo uma brincadeira? Uma areia nos olhos dos ingênuos como eu? Ela também trata de coisas do passado... Se Maluf é coisa do passado e pode ser “perdoado”, os torturadores também podem, por que não? Coisas do passado, pois foram todos anistiados, dizem os ladinos.
E assim corre a noviça democracia brasileira, movida a eleições de dois em dois anos, cuja engrenagem procura compor alianças – a maioria delas espúrias – em nível municipal, estadual e federal. O que esperar do combate a corrupção se na maior capital do país, num estado também campeão na corrupção com seus rodoaneis, metrôs, varrições e privatarias, o partido da mudança estende a mão a alguém que se sair do país é preso pela Interpol? Penso que uma aliança com o PCC de Marcola poderia também ser útil dentro da propalada realpolitik. Ou ele já está comprometido com o outro candidato?
Esse jeitão de fazer política enfraquece a democracia, pois consolida em milhares de eleitores a certeza de que os políticos são todos ‘farinha do mesmo saco’. E democracias enfraquecidas se tornam um prato cheio para aventuras golpistas. Honduras, Paraguai, nuvens escuras em horizontes bolivianos e a hidra tenta botar a cabeça de fora. Quem paga para ver? A realpolitik?
Espero, sinceramente, que Fernando Haddad vença as eleições para a prefeitura de São Paulo. Se assim for, com toda a certeza isso não terá sido pela aliança com o PP de Maluf. Esta, a aliança, manchará a biografia do ex-presidente Lula para sempre, queriam ou não os defensores da realpolitik. E não adianta tampar o sol com a peneira.
Repito aqui uma das minhas frases favoritas e que foi enunciada pelo grande Albert Einstein: “a grande diferença entre um estúpido e um gênio, é que o gênio tem seus limites”.
Escritor e dramaturgo. Autor da peça “Uma Questão de Imagem”
(Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e do livro “Teatro de Arena: Uma
Estética de Resistência”, Editora Boitempo.
Fonte: www.cartamaior.com.br
DATAFOLHA: fotos, símbolos e caricaturas
Saul Leblon, na Agência Carta Maior
O Datafolha entregou os números que as manchetes da Folha,
sobre a aliança PT/aluf, cuidaram de induzir cuidadosamente durante os sete dias
que antecederam a sondagem. O intervalo cobre o período que vai da publicação da
polêMmica foto do encontro entre Lula, Haddad e Maluf, selando o apoio do PP ao
candidato petista, e a ida à campo dos pesquisadores. Aos resultados: "64% dos
petistas rejeitam apoio de Maluf", diz, cheio de gula, o jornal da família
Frias, em título de seis colunas, da edição desta 4ª feira. Mas a pesquisa
revela também nuances não previstas e pouco destacadas pelo jornal. Em parte,
porque sujam a narrativa maniqueísta da 'desilusão petista' mas, sobretudo, pelo
que revelam da correnteza submersa, a comprimir o favoristimo quebradiço e
engessado de José Serra.
"64% dos petistas rejeitam apoio de Maluf", diz, cheio de gula, o jornal da família Frias, em título de seis colunas, da edição desta 4ª feira. Mas a pesquisa desta seman do Datafolha revela também nuances não previstas e pouco destacadas pelo jornal. Em parte, por certo, porque sujam a narrativa maniqueísta da 'desilusão petista' mas, sobretudo, pelo que revelam da correnteza submersa, a comprimir um favoristimo quebradiço e engessado de José Serra. Por exemplo: a) para 50% dos entrevistados pelo Datafolha, o apoio de Maluf (do qual podem até não gostar) é indiferente ou benéfico a Haddad; b) 36% votariam no candidato indicado por Lula; c) só 21% sabem que esse candidato é Haddad; d) a defasagem de 15 pontos, mais os 6% atribuídos ao petista pelo Dafolha reduzem a 10 pontos a distancia atual entre Haddad e Serra; e) Serra não sai do degrau de 30% de votos, mas evolui com desenvoltura no quesito rejeição --ela já era alta e saltou de 32% para 35%, num intervalo inferior a duas semanas, em julho. A de Haddad, ao contrário, é baixa (12%) e estável.
Fotos, símbolos e caricaturas
Muitos gostariam que a foto polêmica em que Lula e Haddad posam ao lado de Maluf simbolizasse a essência daquilo que o PT, Lula e Maluf representam para a história política brasileira. Uma gigantesca engrenagem foi posta a serviço dessa tese. A pesquisa do Datafolha faz parte desse mutirão. Egos foram atiçados. Durante dois dias seguidos, após a divulgação da polêmica fotografia, martelou-se a sentença irrecorrível: a imagem era o ultra-som de uma degeneração terminal que destruía por dentro o principal partido progressista brasileiro e sua liderança máxima.
Uma técnica usual na mídia consiste em blindar 'denúncias' contra qualquer arguição vitaminando-as através de uma implacável imersão da opinião pública em declarações reiterativas.
No caso da foto, o esforço anestesiante ganhou um reforço imediato de grande impacto: a deputada Luiza Erundina, ela mesma um símbolo de retidão e dignidade na política, reagiu à pressão do rolo compressor renunciando ao posto de vice na candidatura Haddad à prefeitura de São Paulo. Seu gesto e sucessivas declarações a uma mídia sequiosa foram incorporados à espiral condenatória dando-lhe um torque quase irrespondível nas primeiras 48 horas pós 'flagrante fotográfico'.
Aos poucos, porém, surgiram fissuras. O PT e Lula estão presentes na história e no imaginário do país há quatro décadas. Ambos são filhos do capitalismo brasileiro, cuja principal singularidade foi assentar a supremacia de uma elite indigente na mais desigual estrutura de distribuição de renda (e de poder) existente no planeta. O PT decidiu, e conseguiu, assumir o governo dessa sociedade com a promessa de transformá-la.
O compromisso de torná-la mais justa, inclusiva e democrática, dentro dos marcos institucionais disponíveis (o que não o exime de ampliá-los, por exemplo, no acesso à comunicação) levou-o a um mergulho no moedor de carne de concessões e recuos impostos pela exigência da governabilidade, ao preço, entre outros, de um certo grau de desfiguramento orgânico e partidário. Ainda assim, o partido obteve um voto de confiança das grandes maiorias para testar a sua aposta em 2002, 2006 e 2010.
Há resultados eloquentes que explicam a renovação desse pacto eleitoral. São avanços conhecidos; alguns, objeto de controvérsia quanto à consistência estrutural; outros, ainda por demais tímidos para reverter desequilíbrios aterradores, como o acesso e a qualidade da saúde e da escola pública. Mas a percepção vivenciada e majoritária da população concede a Lula e ao PT que o Brasil é hoje, após 10 anos sob seu comando, o país menos desigual da sua história de 500 anos --380 dos quais em regime de senzala e casa-grande. O recuo da taxa de pobreza no país, de fato, foi notável no período: uma redução da ordem de 15 pontos percentuais, caindo de 39% da população, em 1999, no fim do segundo governo tucano, para 23,9%, em 2009, no crepúsculo do ciclo Lula. A renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu 7%ao ano entre 2001 e 2009;entre os 10% mais ricos a taxa foi de 1,5%. Tudo somado, 30 milhões de brasileiros deixaram a pobreza brava nesse meio tempo.
Teve um custo. Não se espere querubins egressos dessa descida ao inferno implícita numa aposta de transformação progressiva da senzala em cidadania, sem ruptura abrupta com a casa-grande. O desfibramento intrínseco da militância a partir dessa experiência, ancorada mais em eleições e acordos de cúpula do que em mobilizações --exceto nos momentos críticos-- produziu um legado de paradoxos de peso histórico ainda não totalmente mensurável. Inclui-se nessa contabilidade de perdas e danos, por exemplo, a esquizofrênica dualidade de um PT que defende a democracia participativa , mas tem dificuldade de vivenciá-la internamente.
Maniqueísmos religiosos ancorados em símbolos fáceis não ajudam, porém, a entender e nem a intervir na história. Nenhum partido de esquerda passou pelo teste do poder impunemente. O desgaste está implícito num aparelho de Estado quem longe de ser 'imparcial', está organizado para dinamitar projetos que afrontem a lógica dominante e premiar, em contrapartida, políticas 'amigáveis e quadros 'complacentes'. Po risso o Banco Central --'independente'-- funciona e as políticas sociais, assim como os investimentos públicos em educação, saneamento, saúde e habitação tem dificuldade para deslanchar. Lula deixou oito anos no comando desse paradoxo com 80% de apoio popular, marca inédita, exceto talvez se comparada à catarse em torno de Vargas, após o suicídio em 1954.
O PT , sim, o partido desfibrado, burocratizado, espelho da sociedade que representa, cuja vida interna e inquietação intelectual às vezes lembram o eletrocardiograma de um morto, é o preferido por cerca de 1/3 dos brasileiros -- tem 28% das preferências; o PMDB vem em seguida com 6%; o PSDB, apesar da superexposição que a Folha --e o Datafolha-- lhe concede, de forma sempre isenta, obtém ralos 5% da aceitação. Os dados, extraídos de um levantamento recente feito pela Vox Populi, indicam ainda que 70% dos brasileiros enxergam no PT um partido moderno e comprometido com os pobres; 66% veem nele um partido que busca políticas que atendam ao interesse da maioria da população (apenas 16% discordam disso e enxergam no partido a força ultrapassada -- 'degenerada'-- que as perguntas do Datafolha desta 4ª feira buscam induzir e calcificar).
Voltemos à fotografia polêmica. Martelada em 48 horas de bombardeio intenso, a imagem teve o apoio reiterativo da sempre digna deputada e socialista Luiza Erundina, para assumir a dimensão de um testamento ejetado do fundo da cova petista.
A esférica blindagem em torno dessa tese enfrentou, após o desconcerto inicial, uma avalanche de fissuras em blogs e sites progressistas (leia por exemplo a enquete realizada pelo blog do Emir, nesta pág). O que se constatou, então, é que a aliança com o PP, embora questionada na forma --o que foi reafirmado pelo Datafolha-- não fora percebida como uma renúncia ao espaço ocupado pelo PT na história brasileira. Mais que isso. Embora a contragosto, a mídia foi obrigada também a reconhecer certas nuances entre o 'símbolo definitivo' que saboreou com gula inicial e a visão da própria deputada Luiza Erundina. Passado o gesto abrupto, a ex-prefeita de São Paulo tirou uma a uma as escoras da versão que ajudara a construir. Mais atenta ao uso de sua credibilidade, matizou em divergência de forma uma reprovação que não se estendia nem ao candidato,nem a campanha e tampouco à aliança com o PP.
Erundina, a exemplo dos 70% que enxergam no PT e em Lula referências antagônicas às forças e projetos que acompanham Paulo Maluf, sabe que ambos são imiscíveis historicamente, ainda que interações secundárias possam ocorrer no jogo eleitoral. Erundina sabe, ademais, que Lula não trocou a sua história por 90 segundos, como regurgitaram sebosamente os editoriais e colunistas de sempre. Lula foi em busca de um fator essencial a um candidato ainda desconhecido por 55% dos eleitores de São Paulo. E não só para adicionar-lhe 90 segundos de exposição, mas para evitar que esses 90' fossem para o candidato Serra, que ficou irritadíssimo com Alckmin por ter 'deixado escapar o Maluf',como confidenciou ao Terra Magazine um tucano capa preta menos hipócrita.
Lula raciocinou com base na matemática dos confrontos diretos: "tirar 90' do Serra e acrescentar 90' a Haddad significa virar 3 minutos". Foi isso. "Virar 3 minutos" em troca de um cargo subalterno no plano federal, sob o comando rígido de Dilma Rousseff. "Não muda uma vírgula", disse o secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, "na hegemonia da aliança. Tampouco no programa de Haddad para São Paulo". Justiça seja feita, a recíproca é verdadeira;e significativa: a foto não reflete igualmente o presente, o passado ou o futuro do próprio Maluf que --os críticos da aliança afirmam, com razão--, continua sendo quem sempre foi. Seria esse diagnóstico válido apenas
a um dos lados da equação?
A imagem, na verdade, é caricata; acentua aspectos reais do jogo eleitoral ao qual o PT aderiu há mais de três décadas-- com os resultados medidos pela pesquisa Vox Populi. Mas não tem a força simbólica que o dispositivo midiático conservador pretende atribuir-lhe, para jogar a pá de cal da 'desilusão' petista que o Datafolha busca agora colher com o senso de oportunidade de um engajamento conhecido.
A ante-sala do julgamento do chamado 'mensalão' -- empurrado em rítmo paraguaio pela mídia conservadora para coincidir com a campanha municipal deste ano-- explica em boa parte esse esforço de reportagem em torno de uma fotografia de dimensões elásticas. Uma, pouco destacada, é que ela acrescenta ao PT 90 segundos de fôlego para se defender de uma previsível identidade narrativa, a emendar o noticiário do Jornal Nacional sobre o julgamento do 'mensalão' e a campanha tucana na TV. É esse esforço de vida ou morte para não perder São Paulo e não enterrar Serra na urna de mais uma derrota para o partido de Lula, que deu à imagem a densidade de um símbolo de significado incontestável, que ela de fato não tem.
"64% dos petistas rejeitam apoio de Maluf", diz, cheio de gula, o jornal da família Frias, em título de seis colunas, da edição desta 4ª feira. Mas a pesquisa desta seman do Datafolha revela também nuances não previstas e pouco destacadas pelo jornal. Em parte, por certo, porque sujam a narrativa maniqueísta da 'desilusão petista' mas, sobretudo, pelo que revelam da correnteza submersa, a comprimir um favoristimo quebradiço e engessado de José Serra. Por exemplo: a) para 50% dos entrevistados pelo Datafolha, o apoio de Maluf (do qual podem até não gostar) é indiferente ou benéfico a Haddad; b) 36% votariam no candidato indicado por Lula; c) só 21% sabem que esse candidato é Haddad; d) a defasagem de 15 pontos, mais os 6% atribuídos ao petista pelo Dafolha reduzem a 10 pontos a distancia atual entre Haddad e Serra; e) Serra não sai do degrau de 30% de votos, mas evolui com desenvoltura no quesito rejeição --ela já era alta e saltou de 32% para 35%, num intervalo inferior a duas semanas, em julho. A de Haddad, ao contrário, é baixa (12%) e estável.
Fotos, símbolos e caricaturas
Muitos gostariam que a foto polêmica em que Lula e Haddad posam ao lado de Maluf simbolizasse a essência daquilo que o PT, Lula e Maluf representam para a história política brasileira. Uma gigantesca engrenagem foi posta a serviço dessa tese. A pesquisa do Datafolha faz parte desse mutirão. Egos foram atiçados. Durante dois dias seguidos, após a divulgação da polêmica fotografia, martelou-se a sentença irrecorrível: a imagem era o ultra-som de uma degeneração terminal que destruía por dentro o principal partido progressista brasileiro e sua liderança máxima.
Uma técnica usual na mídia consiste em blindar 'denúncias' contra qualquer arguição vitaminando-as através de uma implacável imersão da opinião pública em declarações reiterativas.
No caso da foto, o esforço anestesiante ganhou um reforço imediato de grande impacto: a deputada Luiza Erundina, ela mesma um símbolo de retidão e dignidade na política, reagiu à pressão do rolo compressor renunciando ao posto de vice na candidatura Haddad à prefeitura de São Paulo. Seu gesto e sucessivas declarações a uma mídia sequiosa foram incorporados à espiral condenatória dando-lhe um torque quase irrespondível nas primeiras 48 horas pós 'flagrante fotográfico'.
Aos poucos, porém, surgiram fissuras. O PT e Lula estão presentes na história e no imaginário do país há quatro décadas. Ambos são filhos do capitalismo brasileiro, cuja principal singularidade foi assentar a supremacia de uma elite indigente na mais desigual estrutura de distribuição de renda (e de poder) existente no planeta. O PT decidiu, e conseguiu, assumir o governo dessa sociedade com a promessa de transformá-la.
O compromisso de torná-la mais justa, inclusiva e democrática, dentro dos marcos institucionais disponíveis (o que não o exime de ampliá-los, por exemplo, no acesso à comunicação) levou-o a um mergulho no moedor de carne de concessões e recuos impostos pela exigência da governabilidade, ao preço, entre outros, de um certo grau de desfiguramento orgânico e partidário. Ainda assim, o partido obteve um voto de confiança das grandes maiorias para testar a sua aposta em 2002, 2006 e 2010.
Há resultados eloquentes que explicam a renovação desse pacto eleitoral. São avanços conhecidos; alguns, objeto de controvérsia quanto à consistência estrutural; outros, ainda por demais tímidos para reverter desequilíbrios aterradores, como o acesso e a qualidade da saúde e da escola pública. Mas a percepção vivenciada e majoritária da população concede a Lula e ao PT que o Brasil é hoje, após 10 anos sob seu comando, o país menos desigual da sua história de 500 anos --380 dos quais em regime de senzala e casa-grande. O recuo da taxa de pobreza no país, de fato, foi notável no período: uma redução da ordem de 15 pontos percentuais, caindo de 39% da população, em 1999, no fim do segundo governo tucano, para 23,9%, em 2009, no crepúsculo do ciclo Lula. A renda domiciliar per capita dos 10% mais pobres cresceu 7%ao ano entre 2001 e 2009;entre os 10% mais ricos a taxa foi de 1,5%. Tudo somado, 30 milhões de brasileiros deixaram a pobreza brava nesse meio tempo.
Teve um custo. Não se espere querubins egressos dessa descida ao inferno implícita numa aposta de transformação progressiva da senzala em cidadania, sem ruptura abrupta com a casa-grande. O desfibramento intrínseco da militância a partir dessa experiência, ancorada mais em eleições e acordos de cúpula do que em mobilizações --exceto nos momentos críticos-- produziu um legado de paradoxos de peso histórico ainda não totalmente mensurável. Inclui-se nessa contabilidade de perdas e danos, por exemplo, a esquizofrênica dualidade de um PT que defende a democracia participativa , mas tem dificuldade de vivenciá-la internamente.
Maniqueísmos religiosos ancorados em símbolos fáceis não ajudam, porém, a entender e nem a intervir na história. Nenhum partido de esquerda passou pelo teste do poder impunemente. O desgaste está implícito num aparelho de Estado quem longe de ser 'imparcial', está organizado para dinamitar projetos que afrontem a lógica dominante e premiar, em contrapartida, políticas 'amigáveis e quadros 'complacentes'. Po risso o Banco Central --'independente'-- funciona e as políticas sociais, assim como os investimentos públicos em educação, saneamento, saúde e habitação tem dificuldade para deslanchar. Lula deixou oito anos no comando desse paradoxo com 80% de apoio popular, marca inédita, exceto talvez se comparada à catarse em torno de Vargas, após o suicídio em 1954.
O PT , sim, o partido desfibrado, burocratizado, espelho da sociedade que representa, cuja vida interna e inquietação intelectual às vezes lembram o eletrocardiograma de um morto, é o preferido por cerca de 1/3 dos brasileiros -- tem 28% das preferências; o PMDB vem em seguida com 6%; o PSDB, apesar da superexposição que a Folha --e o Datafolha-- lhe concede, de forma sempre isenta, obtém ralos 5% da aceitação. Os dados, extraídos de um levantamento recente feito pela Vox Populi, indicam ainda que 70% dos brasileiros enxergam no PT um partido moderno e comprometido com os pobres; 66% veem nele um partido que busca políticas que atendam ao interesse da maioria da população (apenas 16% discordam disso e enxergam no partido a força ultrapassada -- 'degenerada'-- que as perguntas do Datafolha desta 4ª feira buscam induzir e calcificar).
Voltemos à fotografia polêmica. Martelada em 48 horas de bombardeio intenso, a imagem teve o apoio reiterativo da sempre digna deputada e socialista Luiza Erundina, para assumir a dimensão de um testamento ejetado do fundo da cova petista.
A esférica blindagem em torno dessa tese enfrentou, após o desconcerto inicial, uma avalanche de fissuras em blogs e sites progressistas (leia por exemplo a enquete realizada pelo blog do Emir, nesta pág). O que se constatou, então, é que a aliança com o PP, embora questionada na forma --o que foi reafirmado pelo Datafolha-- não fora percebida como uma renúncia ao espaço ocupado pelo PT na história brasileira. Mais que isso. Embora a contragosto, a mídia foi obrigada também a reconhecer certas nuances entre o 'símbolo definitivo' que saboreou com gula inicial e a visão da própria deputada Luiza Erundina. Passado o gesto abrupto, a ex-prefeita de São Paulo tirou uma a uma as escoras da versão que ajudara a construir. Mais atenta ao uso de sua credibilidade, matizou em divergência de forma uma reprovação que não se estendia nem ao candidato,nem a campanha e tampouco à aliança com o PP.
Erundina, a exemplo dos 70% que enxergam no PT e em Lula referências antagônicas às forças e projetos que acompanham Paulo Maluf, sabe que ambos são imiscíveis historicamente, ainda que interações secundárias possam ocorrer no jogo eleitoral. Erundina sabe, ademais, que Lula não trocou a sua história por 90 segundos, como regurgitaram sebosamente os editoriais e colunistas de sempre. Lula foi em busca de um fator essencial a um candidato ainda desconhecido por 55% dos eleitores de São Paulo. E não só para adicionar-lhe 90 segundos de exposição, mas para evitar que esses 90' fossem para o candidato Serra, que ficou irritadíssimo com Alckmin por ter 'deixado escapar o Maluf',como confidenciou ao Terra Magazine um tucano capa preta menos hipócrita.
Lula raciocinou com base na matemática dos confrontos diretos: "tirar 90' do Serra e acrescentar 90' a Haddad significa virar 3 minutos". Foi isso. "Virar 3 minutos" em troca de um cargo subalterno no plano federal, sob o comando rígido de Dilma Rousseff. "Não muda uma vírgula", disse o secretário geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, "na hegemonia da aliança. Tampouco no programa de Haddad para São Paulo". Justiça seja feita, a recíproca é verdadeira;e significativa: a foto não reflete igualmente o presente, o passado ou o futuro do próprio Maluf que --os críticos da aliança afirmam, com razão--, continua sendo quem sempre foi. Seria esse diagnóstico válido apenas
a um dos lados da equação?
A imagem, na verdade, é caricata; acentua aspectos reais do jogo eleitoral ao qual o PT aderiu há mais de três décadas-- com os resultados medidos pela pesquisa Vox Populi. Mas não tem a força simbólica que o dispositivo midiático conservador pretende atribuir-lhe, para jogar a pá de cal da 'desilusão' petista que o Datafolha busca agora colher com o senso de oportunidade de um engajamento conhecido.
A ante-sala do julgamento do chamado 'mensalão' -- empurrado em rítmo paraguaio pela mídia conservadora para coincidir com a campanha municipal deste ano-- explica em boa parte esse esforço de reportagem em torno de uma fotografia de dimensões elásticas. Uma, pouco destacada, é que ela acrescenta ao PT 90 segundos de fôlego para se defender de uma previsível identidade narrativa, a emendar o noticiário do Jornal Nacional sobre o julgamento do 'mensalão' e a campanha tucana na TV. É esse esforço de vida ou morte para não perder São Paulo e não enterrar Serra na urna de mais uma derrota para o partido de Lula, que deu à imagem a densidade de um símbolo de significado incontestável, que ela de fato não tem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário