Depois dos bancos e da ditadura, a vez da
mídia?
Saul Leblon, na Agência Carta Maior
Expoente de uma corajosa linhagem de intelectuais e jornalistas responsável por modificar a percepção da sociedade brasileira em relação à mídia, que graças a eles passou de referência a referido no debate político, Venício de Lima causa um estorvo adicional aos olhos e ouvidos adestrados na facilidade do ardil maniqueísta. Professor aposentado de Ciência Política e Comunicação da UNB, com mais de oito livros sobre o tema, Venício açoita a direita e não poupa a esquerda com a inflexível defesa de uma verdadeira democracia que não pode existir sem diversidade e pluralidade de informação. As análises que brotam dessa equidistancia engajada dispensam a frase exclamativa para privilegiar o dado, o fato, a legislação, o abuso e a sua consequência. Doem mais que pancada.
Há 24 anos, a Constituição brasileira determinou a criação de um Conselho de Comunicação Social no Congresso para auxiliar na
implementação e regulação da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não foi feito até hoje. O fato significativo de não ter sido feito 'até hoje', constitui justamente o objeto das arguições e análises do mais recente livro de Venício de Lima ("Política de Comunicações: um balanço dos governos Lula --2003/2010 -editora Publisher Brasil). Nele, o intelectual que não desdenha do legado histórico do ciclo Lula, nem por isso alivia o rigor crítico quando se trata de responder à questão desdobrada nessa coletânea de artigos, leitura obrigatória para quem, a exemplo do que dizia Brizola, acredita que ' enquanto houver poder equivalente ao da Rede Globo no país , não haverá democracia efetiva em nossa sociedade'. O aggiornamento dessa constatação na obra de Venício leva a seguinte indagação: 'Os dois mandatos do Presidente Lula representaram um avanço para a democratização das comunicações?'
Mais incomodo que a dúvida é o fato de que o autor não hesita em incluir na árdua tarefa da resposta um minucioso levantamento de paradoxos entre o que a lei determina, aquilo que a esquerda sempre se propôs a fazer e o saldo de suas hesitações e recuos quando teve a chance de implementá-lo.
Venício é um intelectual suficientemente sofisticado para não dar a essa tomografia decibéis de um desabafo hegeliano. Não há vínculos entre a sua peneira histórica e os arroubos dos que tropeçam no próprio radicalismo ao vociferar contra uma realidade que desobedece idéias cerzidas à margem dos conflitos e circunstâncias da sociedade.
A desregulação persistente na área das comunicações no país não é uma excrescência alimentada pelo 'petismo degenerado', como querem alguns. Ela é parte - talvez a mais sensível - de uma supremacia de interesses que fizeram da ausência do Estado em distintas dimensões da vida social, o credo legitimador de uma dominação reiterada a ferro, fogo, Cachoeiras, Policarpos e Dadás. O colapso da ordem neoliberal desde 2008 trincou essa blindagem que se esfarela agora nas ruas do mundo em múltiplas frentes. A atualíssima contribuição do novo livro de Venício inclui o mapeamento de todas as trancas e interditos, com as correspondentes chaves e alavancas legais e democráticas que agora, mais que nunca, estão maduras para serem acionadas no crepúsculo do poder neoliberal.
Mais de uma vez, porém, o autor recordará que não se trata apenas de um jogo mecânico de ajustes e encaixes lisos e frios como azulejar um banheiro. Há interesses que não se rendem. E outros cooptáveis. Numa síntese de como as coisas são e acontecem, e para que possam não se repetir nessa hora propícia, Venício de Lima desce às entranhas e vai buscar no livro escrito pelo ex-ministro Antônio Palocci (Sobre formigas e cigarras - Editora Objetiva, 2007), o relato de um diálogo pedagógico entre a mídia hegemônica e o poder ascendente. Nesse diálogo ocorrido em 2002, Palocci relata como consultou a Globo durante a elaboração da "Carta ao Povo Brasileiro", documento que o PT divulgaria em junho daquele ano, para tranqüilizar o mercado financeiro em relação a um eventual governo liderado por Lula.
No livro (páginas 31 e 32), o ex-ministro explica que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e formadores de opinião para dialogar sobre o assunto. Eis o trecho:
"Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu fora apresentado semanas antes.
Peguei o telefone e liguei para ele.
– Estamos com um problema sério nesta eleição – iniciei. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso. Estamos pensando em editar um manifesto com os nossos compromissos.
Com seu radar bastante atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de forma franca:
– A crise é muito maior do que vocês estão pensando – ele disse, sem esconder sua preocupação. Há muita insegurança sobre o futuro e, por isso, acho muito bom vocês fazerem, sim, um manifesto.
Comentei as linhas gerais do documento e paramos justamente no ponto sobre o superávit das contas públicas.
– Se vocês não forem falar sobre isso – advertiu ele – é melhor nem soltar o documento. Afinal, é este o ponto sobre o qual o mercado está mais preocupado.
– E qual você acha que deve ser o compromisso do novo governo? – perguntei.
– Em minha opinião, deve ser algo um pouco acima de 4%, que é o que parece estar se tornando um consenso no mercado. O fato é que a dívida está ficando insustentável e se há algo que vocês devem criticar no atual governo é isso. O quadro fiscal é frágil."
Em seguida, Antonio Palocci lê trechos do documento para João Roberto Marinho.
"Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".
– O que você acha? – perguntei.
– Um número forte poderia ser melhor – respondeu. Mas se há dificuldade para isso, o texto está bom. Acho que dá conta."
Depois de conversar com João Roberto Marinho, Antonio Palocci explica como alterou o documento:
"Achei melhor trocar a palavra `enquanto´, que dava noção de tempo, por `o quanto´, que dava noção de tamanho e da disposição de aumentá-lo, que era como o problema se colocava naquele momento."
Venício de Lima arremata o artigo com a seguinte observação de atualidade irretocável quando o governo Dilma parece próximo de, finalmente, levar à sociedade seu projeto de Regulação da Mídia:
"Quatro observações", dispara Venício Lima na sequência da citação. "Primeiro, se políticos querem "se acertar" com concessionários e/ou donos de grupos de mídia, está implícito, por óbvio, que acreditam que eles (os donos) determinam ou influenciam ou interferem no sentido das coberturas jornalísticas.
Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política da mídia determina ou influencia ou interfere no processo político.
Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política negativa dificulta o sucesso político ou, ao contrário, uma cobertura política favorável, ajuda, contribui.
Quarto, ambos – políticos e concessionários/donos de grupos de mídia – não parecem acreditar na existência de uma cobertura jornalística imparcial (ou nada disso seria necessário).
Finalmente, uma velha questão que se recoloca diante da realidade que, sabemos, existe tanto nos Estados Unidos como no Brasil: no caso dos concessionários dos serviços públicos de rádio e televisão, que existem para atender ao interesse coletivo e não ao interesse privado de indivíduos ou grupos – empresariais, religiosos ou quaisquer outros – não constituiria uma ameaça importante à democracia permitir que ocupem posição de tamanho poder como atores políticos nas democracias contemporâneas? (do artigo "Candidatos se acertam primeiro com a mídia", de 09-09-2008; in Observatório da Mídia).
Há 24 anos, a Constituição brasileira determinou a criação de um Conselho de Comunicação Social no Congresso para auxiliar na
implementação e regulação da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não foi feito até hoje. O fato significativo de não ter sido feito 'até hoje', constitui justamente o objeto das arguições e análises do mais recente livro de Venício de Lima ("Política de Comunicações: um balanço dos governos Lula --2003/2010 -editora Publisher Brasil). Nele, o intelectual que não desdenha do legado histórico do ciclo Lula, nem por isso alivia o rigor crítico quando se trata de responder à questão desdobrada nessa coletânea de artigos, leitura obrigatória para quem, a exemplo do que dizia Brizola, acredita que ' enquanto houver poder equivalente ao da Rede Globo no país , não haverá democracia efetiva em nossa sociedade'. O aggiornamento dessa constatação na obra de Venício leva a seguinte indagação: 'Os dois mandatos do Presidente Lula representaram um avanço para a democratização das comunicações?'
Mais incomodo que a dúvida é o fato de que o autor não hesita em incluir na árdua tarefa da resposta um minucioso levantamento de paradoxos entre o que a lei determina, aquilo que a esquerda sempre se propôs a fazer e o saldo de suas hesitações e recuos quando teve a chance de implementá-lo.
Venício é um intelectual suficientemente sofisticado para não dar a essa tomografia decibéis de um desabafo hegeliano. Não há vínculos entre a sua peneira histórica e os arroubos dos que tropeçam no próprio radicalismo ao vociferar contra uma realidade que desobedece idéias cerzidas à margem dos conflitos e circunstâncias da sociedade.
A desregulação persistente na área das comunicações no país não é uma excrescência alimentada pelo 'petismo degenerado', como querem alguns. Ela é parte - talvez a mais sensível - de uma supremacia de interesses que fizeram da ausência do Estado em distintas dimensões da vida social, o credo legitimador de uma dominação reiterada a ferro, fogo, Cachoeiras, Policarpos e Dadás. O colapso da ordem neoliberal desde 2008 trincou essa blindagem que se esfarela agora nas ruas do mundo em múltiplas frentes. A atualíssima contribuição do novo livro de Venício inclui o mapeamento de todas as trancas e interditos, com as correspondentes chaves e alavancas legais e democráticas que agora, mais que nunca, estão maduras para serem acionadas no crepúsculo do poder neoliberal.
Mais de uma vez, porém, o autor recordará que não se trata apenas de um jogo mecânico de ajustes e encaixes lisos e frios como azulejar um banheiro. Há interesses que não se rendem. E outros cooptáveis. Numa síntese de como as coisas são e acontecem, e para que possam não se repetir nessa hora propícia, Venício de Lima desce às entranhas e vai buscar no livro escrito pelo ex-ministro Antônio Palocci (Sobre formigas e cigarras - Editora Objetiva, 2007), o relato de um diálogo pedagógico entre a mídia hegemônica e o poder ascendente. Nesse diálogo ocorrido em 2002, Palocci relata como consultou a Globo durante a elaboração da "Carta ao Povo Brasileiro", documento que o PT divulgaria em junho daquele ano, para tranqüilizar o mercado financeiro em relação a um eventual governo liderado por Lula.
No livro (páginas 31 e 32), o ex-ministro explica que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e formadores de opinião para dialogar sobre o assunto. Eis o trecho:
"Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu fora apresentado semanas antes.
Peguei o telefone e liguei para ele.
– Estamos com um problema sério nesta eleição – iniciei. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso. Estamos pensando em editar um manifesto com os nossos compromissos.
Com seu radar bastante atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de forma franca:
– A crise é muito maior do que vocês estão pensando – ele disse, sem esconder sua preocupação. Há muita insegurança sobre o futuro e, por isso, acho muito bom vocês fazerem, sim, um manifesto.
Comentei as linhas gerais do documento e paramos justamente no ponto sobre o superávit das contas públicas.
– Se vocês não forem falar sobre isso – advertiu ele – é melhor nem soltar o documento. Afinal, é este o ponto sobre o qual o mercado está mais preocupado.
– E qual você acha que deve ser o compromisso do novo governo? – perguntei.
– Em minha opinião, deve ser algo um pouco acima de 4%, que é o que parece estar se tornando um consenso no mercado. O fato é que a dívida está ficando insustentável e se há algo que vocês devem criticar no atual governo é isso. O quadro fiscal é frágil."
Em seguida, Antonio Palocci lê trechos do documento para João Roberto Marinho.
"Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos".
– O que você acha? – perguntei.
– Um número forte poderia ser melhor – respondeu. Mas se há dificuldade para isso, o texto está bom. Acho que dá conta."
Depois de conversar com João Roberto Marinho, Antonio Palocci explica como alterou o documento:
"Achei melhor trocar a palavra `enquanto´, que dava noção de tempo, por `o quanto´, que dava noção de tamanho e da disposição de aumentá-lo, que era como o problema se colocava naquele momento."
Venício de Lima arremata o artigo com a seguinte observação de atualidade irretocável quando o governo Dilma parece próximo de, finalmente, levar à sociedade seu projeto de Regulação da Mídia:
"Quatro observações", dispara Venício Lima na sequência da citação. "Primeiro, se políticos querem "se acertar" com concessionários e/ou donos de grupos de mídia, está implícito, por óbvio, que acreditam que eles (os donos) determinam ou influenciam ou interferem no sentido das coberturas jornalísticas.
Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política da mídia determina ou influencia ou interfere no processo político.
Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política negativa dificulta o sucesso político ou, ao contrário, uma cobertura política favorável, ajuda, contribui.
Quarto, ambos – políticos e concessionários/donos de grupos de mídia – não parecem acreditar na existência de uma cobertura jornalística imparcial (ou nada disso seria necessário).
Finalmente, uma velha questão que se recoloca diante da realidade que, sabemos, existe tanto nos Estados Unidos como no Brasil: no caso dos concessionários dos serviços públicos de rádio e televisão, que existem para atender ao interesse coletivo e não ao interesse privado de indivíduos ou grupos – empresariais, religiosos ou quaisquer outros – não constituiria uma ameaça importante à democracia permitir que ocupem posição de tamanho poder como atores políticos nas democracias contemporâneas? (do artigo "Candidatos se acertam primeiro com a mídia", de 09-09-2008; in Observatório da Mídia).
Os três equívocos da "grande imprensa"
Marcos Coimbra, na Revista CartaCapital
A cobertura de nossa “grande imprensa” da atualidade política gira em torno de três equívocos. Por isso, mais confunde que esclarece.
Os três decorrem da implicância com que olha o governo Dilma Rousseff, o PT e seus dirigentes. A mesma que tinha em relação a Lula quando era presidente.
Há, nessa mídia, quem ache bonito – e até heróico – ser contra o governo. E quem o hostilize apenas por simpatizar com outros partidos. Imagina-se uma espécie de cruzada para combater o “lulopetismo”, o inimigo que inventaram. Alguns até sinceramente acreditam que têm a missão de erradicá-lo.
Não é estranho que exista em jornais, revistas, emissoras de televisão e rádio, e nos portais de internet, quem pense assim, pois o mundo está cheio deles. E seria improvável que os empresários que os controlam fossem procurar funcionários entre quem discorda de suas ideias.
Até aí, nada demais. Jornalismo ideológico continua a ser jornalismo. Desde que bem-feito e enquanto preserve a capacidade de compreender o que acontece e informar o público. O problema da “grande imprensa” é que suas antipatias costumam levá-la a equívocos. Como os três de agora. Vejamos:
O Desespero de Lula
Pode haver suposição mais sem sentido do que a de que Lula esteja “desesperado” com o julgamento do mensalão?
Ele venceu as três últimas eleições presidenciais, tendo tido na última uma vitória extraordinária. Só ele se proporia um desafio do tamanho de eleger Dilma Rousseff.
Hoje, em qualquer pesquisa sobre a eleição de 2014, atinge mais de 70% das intenções de voto, independentemente dos adversários.
Seu governo é considerado o melhor que o Brasil já teve por quase três quartos do eleitorado, em todos os quesitos: economia, atuação social, política externa, ecologia etc. (sem excluir o combate à corrupção).
O mensalão já aconteceu e foi antes que galvanizasse a imagem que possui. Lula tem, portanto, esse conceito depois de passar pelo escândalo. O ex-presidente não tem nenhuma razão para se importar pessoalmente com o julgamento do mensalão. Muito menos para estar “desesperado”.
O que ele parece estar é preocupado com alguns companheiros, pois sabe que existe o risco de que sejam punidos, especialmente se o Supremo Tribunal Federal for pressionado a condená-los. Solidarizar-se com eles – e fazer o possível para evitar injustiças – não revela qualquer “desespero”.
A Batalha Paulista
Não haverá um “enfrentamento decisivo” na eleição para prefeito de São Paulo. Nada vai mudar, a não ser se a gestão local, se José Serra, ou Fernando Haddad, ou Gabriel Chalita sair vitorioso.
Como a “grande imprensa” está convencida de que José Serra vai ganhar – o que pode ser tudo, menos certo -, a eleição está sendo transformada em um “teste” para Lula, o PT e o governo Dilma. Ou seja, quem “nacionaliza”a disputa é a mídia. Apenas porque acha que Haddad vai perder. Se Serra vencer, o PSDB não aumenta as chances de derrotar Dilma (ou Lula) em 2014. Caso contrário, terá sua merecida aposentadoria. O melhor que os tucanos podem tirar da eleição paulista é a confirmação da candidatura de Aécio Neves.
Quanto ao PT e ao PMDB, vencendo ou perdendo, saem renovados. No médio e no longo prazo, ganham. Por enquanto, a mídia está feliz. Cada pesquisa em que Haddad se sai mal é motivo de júbilo, às vezes escancarado. Quando subir, veremos o que vai dizer.
É a Economia, Estúpido
Sempre que pode, essa mídia repete reverentemente a trivialidade que consagrou James Carville, o marqueteiro que cuidou da campanha à reeleição de Bill Clinton.
Lá, naquele momento, foi uma frase boa.
Aqui, não passa de um mantra usado para desmerecer o apoio popular que Lula teve e Dilma tem. Com ela, pretende-se dizer que “a economia é tudo”. Que, em outras palavras, a população, especialmente os pobres, pensa com o bolso. Que gosta de Lula e Dilma por estar de barriga cheia.
Com base nesse equívoco, torce para que a “crise internacional”ponha tudo a perder. Mas se engana. É só porque não compreende o País que acha que a economia é a origem, única ou mais importante, da popularidade dos governos petistas.
Nos últimos meses, a avaliação de Dilma tem subido, apesar de aumentarem as preocupações com a inflação, o emprego e o consumo. E nada indica que cairá se atravessarmos dificuldade no futuro próximo.
Lula não está desesperado com o julgamento do mensalão. Se Serra for prefeito de São Paulo, nada vai mudar na eleição de 2014. As pessoas gostam de Dilma por muitas e variadas razões, o que permite imaginar que continuarão a admirá-la mesmo se tiverem de adiar a compra de uma televisão.
Pode ser chato para quem não simpatiza com o PT, mas é assim que as coisas são.
AMÉRICA LATINA
MÉXICO, A BOLA DA VEZ?
Emir Sader, em seu Blog
A um mês das eleições presidenciais mexicanas, o resultado está em aberto, depois que a queda do até então favorito, Pena Nieto, do PRI, se acentuou, assim como a subida do candidato da esquerda, Lopez Obrador, do PRD, enquanto a candidata do PAN, Josefina Vazquez, ficou definitivamente relegada ao terceiro lugar.
Até há pouco Pena Nieto tinha grande vantagem nas pequisas, com até mais de 20 pontos, apoiado por quase toda a grande mídia monopolista mexicana. Com o fracasso do governo Calderon - a começar pela “guerra ao tráfico”, mas pelo conjunto do governo ortodoxamente neoliberal -, as elites dominantes se voltaram para o candidato do PRI como seu favorito para dar continuidade à mesma politica neoliberal e de subordinação externa aos EUA.
As manifestações de jovens de protesto contra o privilégio que a imprensa dá a Pena Nieto estão contribuindo para mudar as opções do eleitorado. A um mês das eleições começaram a aparecer pesquisas em que a diferença entre os dois diminui significativamente. A partir desse momento é uma corrida contra o tempo e contra a possibilidade de fraude.
A direita fará tudo para impedir que isso aconteça. Os EUA seriam pegos de surpresa, não apenas no país fronteiriço na América Latina, mas em um dos poucos países aliados de peso no continente. Um governo de Lopez Obrador não poderá simplesmente sair do Tratado de Livre Comércio da América do Norte mas, como faz o Peru, avançar na diversificação do comércio internacional, aproximar-se politicamente dos países da America do Sul, mudar a política econômica, bloquear a privatização da Pemex – a empresa mexicana do petróleo -, revitalizar o Estado mexicano, centrar a ação governamental em políticas sociais. Seria uma mudança interna muito importante e significativa no plano externo.
Desde que a vantagem folgada do candidato do PRI foi diminuindo e o apoio a Lopez Obrador foi aumentando, desatou-se com força a campanha contra o candidato da esquerda. Antes praticamente ignorado pela mídia privada, para não propiciar-lhe espaço, passaram a atacá-lo com falsas denúncias, buscando reativar um nível de rejeição que Lopez Obrador está conseguindo superar, enquanto as mobilizacoes estudantis fazem aumentar fortemente a rejeição a Pena Nieto.
O processo eleitoral mexicano é especialmente deformado, porque não há segundo turno e o presidente tem mandato de 6 anos, mesmo que ganhe com evidências de fraude, como foi o caso de Calderon. A disputa final deve ser acirrada. Se Lopez Obrador não conseguir abrir uma vantagem significativa, pode ser vítima, novamente, da fraude que lhe tirou a presidência há 6 anos. O grande fator de mudança a seu favor vem das belas manifestações estudantis, a que se opõem as campanhas de difamação da velha mídia mexicana.
Até há pouco Pena Nieto tinha grande vantagem nas pequisas, com até mais de 20 pontos, apoiado por quase toda a grande mídia monopolista mexicana. Com o fracasso do governo Calderon - a começar pela “guerra ao tráfico”, mas pelo conjunto do governo ortodoxamente neoliberal -, as elites dominantes se voltaram para o candidato do PRI como seu favorito para dar continuidade à mesma politica neoliberal e de subordinação externa aos EUA.
As manifestações de jovens de protesto contra o privilégio que a imprensa dá a Pena Nieto estão contribuindo para mudar as opções do eleitorado. A um mês das eleições começaram a aparecer pesquisas em que a diferença entre os dois diminui significativamente. A partir desse momento é uma corrida contra o tempo e contra a possibilidade de fraude.
A direita fará tudo para impedir que isso aconteça. Os EUA seriam pegos de surpresa, não apenas no país fronteiriço na América Latina, mas em um dos poucos países aliados de peso no continente. Um governo de Lopez Obrador não poderá simplesmente sair do Tratado de Livre Comércio da América do Norte mas, como faz o Peru, avançar na diversificação do comércio internacional, aproximar-se politicamente dos países da America do Sul, mudar a política econômica, bloquear a privatização da Pemex – a empresa mexicana do petróleo -, revitalizar o Estado mexicano, centrar a ação governamental em políticas sociais. Seria uma mudança interna muito importante e significativa no plano externo.
Desde que a vantagem folgada do candidato do PRI foi diminuindo e o apoio a Lopez Obrador foi aumentando, desatou-se com força a campanha contra o candidato da esquerda. Antes praticamente ignorado pela mídia privada, para não propiciar-lhe espaço, passaram a atacá-lo com falsas denúncias, buscando reativar um nível de rejeição que Lopez Obrador está conseguindo superar, enquanto as mobilizacoes estudantis fazem aumentar fortemente a rejeição a Pena Nieto.
O processo eleitoral mexicano é especialmente deformado, porque não há segundo turno e o presidente tem mandato de 6 anos, mesmo que ganhe com evidências de fraude, como foi o caso de Calderon. A disputa final deve ser acirrada. Se Lopez Obrador não conseguir abrir uma vantagem significativa, pode ser vítima, novamente, da fraude que lhe tirou a presidência há 6 anos. O grande fator de mudança a seu favor vem das belas manifestações estudantis, a que se opõem as campanhas de difamação da velha mídia mexicana.
Argentina: batendo panelas.
No escuro, claro
Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
Nesses dias de um frio que avança, impávido e impune, termômetro abaixo, em algumas zonas restritas de Buenos Aires têm acontecido panelaços. São pessoas de classe média alta, mescladas com uns poucos legítimos representantes da mais enfática oligarquia, batendo panelas, caçarolas e frigideiras, protestando contra a corrupção, que dizem endêmica; a inflação, que dizem – e é - galopante; em defesa do livre direito de ir e vir, que dizem ameaçadíssimo; e, num resumo da verdade, contra a suspensão da venda de dólares.
A queixa mais insólita que ouvi se refere à ameaça sobre o direito constitucional de ir e vir. A senhora cinqüentona, de casaco azul marinho de boa lã sobre um cashmere cinza-chumbo, com os cabelos tingidos de um louro recatado, golpeia furiosamente uma panela reluzente. E explica seu protesto: “O governo me impede de me movimentar livremente. Se não posso comprar dólares, como posso programar minhas férias?”.
Até mesmo os críticos mais ferrenhos do governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner reconhecem que os panelaços recentes reuniram pouca gente. Acreditam, porém, que o movimento vai crescer. Prometem manifestações na Plaza de Mayo, diante da Casa Rosada e pertinho da zona financeira, onde estão os bancos e, claro, os cambistas. Há toda uma rede atuando na internet, no esforço de convocar multidões – mas o máximo que conseguirão será, como diz um bem humorado jornaleiro daqui do bairro, ‘multidinhas’.
A turma do barulho, em todo caso, está animada e continua convocando mais e mais panelaços. Pelo que se viu até agora, pode até ser que as próximas manifestações consigam reunir, num universo de umas cinco milhões de pessoas, um pequeno mas nutrido punhado de milhares de manifestantes, para gáudio e alegria da imprensa mais conservadora e dos correspondentes preguiçosos. Afinal, um cacerolazo rende sempre boas imagens, não importando a sua extensão e significado real.
O primeiro panelaço a gente não esquece. Aconteceu em Santiago do Chile, no fim de 1971, durante o governo de Salvador Allende. Nos bairros elegantes, senhoras convocadas pela ala mais à direita do Partido Democrata Cristão e pelos ultra-conservadores do movimento Patria y Libertad saíram às ruas para bater panelas, caçarolas e frigideiras vazias, reclamando da falta de comida.
Curiosas, aqueles manifestações de altaneiras senhoras que por algumas horas suspendiam até mesmo suas partidas de bridge para protestar. E, em parte, tinham razão: faltava quase tudo no Chile, graças ao boicote promovido pelos donos das empresas de transporte, generosamente financiados pelo governo dos Estados Unidos. Os que defendiam o governo de Allende primeiro debocharam do protesto das elegantes. Depois, quando surgiram homens e garotões em outros panelaços, a coisa ficou feia: houve choques violentos entre a direita recalcitrante e a esquerda de sangue quente, e muitas panelas e frigideiras foram transformadas em arma de combate, abrindo testas e estourando narizes.
O fenômeno do panelaço se repetiu na Argentina, um quarto de século depois, sem violência alguma: em setembro de 1996, em Buenos Aires e nas principais cidades do país, soou o primeiro cacerolazo, protestando contra a política econômica do presidente Carlos Menem. Não deu em nada, mas ficou registrada a estreia do novo tipo de protesto.
No final de 2001, a Argentina viu como o panelaço se transformou num formidável instrumento de pressão popular – e, atenção: realmente popular. Convocadas de boca em boca, de bairro em bairro, tendo como centro Buenos Aires, centenas de milhares de pessoas espalhadas por todo o país armaram dias seguidos de um barulho ensurdecedor.
Resultado: o pífio e insípido Fernando de la Rúa renunciou e literalmente foi-se pelos ares. No dia 20 de dezembro, um helicóptero zarpou do telhado da Casa Rosada levando-o de volta para casa.
De lá para cá, volta e meia alguém ensaia um panelaço em Buenos Aires. Nunca mais, porém, com a força coletiva e a expressividade daqueles dias de dezembro de 2001. É como se a banalização do protesto tivesse tirado seu efeito e sua graça.
Pois agora, e de novo, acontecem alguns panelaços em Buenos Aires. O primeiro deles, na noite da quinta-feira, 31 de maio, me tirou de casa. Quis ver como a vizinhança protestava. E o que vi foi altamente esclarecedor.
Pelas ruas de Palermo Viejo, o barulho era forte de verdade. Caçarolas, panelas, caldeirões, frigideiras pareciam ter ganhado vida própria. Soavam de maneira incessante. Só que não se via ninguém: as pessoas apagavam as luzes de varandas, terraços e janelas. A muito custo era possível distinguir, num sexto andar, um vulto de branco escondido no canto do terraço. Num quarto andar, e olhando com atenção, dava para localizar a janela da esquerda, escura e apagada, como a fonte do batuque de alguma coisa. Assim ao longo de quarteirões: o protesto era oculto, escuro.
Em algumas esquinas privilegiadas de Palermo, do Barrio Norte, do Botánico, de certas áreas de Belgrano e da Recoleta, bairros de gente bem posta na vida, havia algumas pessoas na rua, à luz dos postes e do comércio. Mas o que impressionava era caminhar pelas ruas paralelas: o panelaço vinha do nada. Vinha do oculto.
Na esquina da rua Güemes com a Vidt, de ares europeus, no quarto andar de um prédio em construção, havia luz, bastante luz. No que será a futura varanda de alguém de bom gosto, havia quatro homens jovens, perfeitamente visíveis e identificáveis. Olhavam para a rua com curiosidade. Nenhum deles fazia ruído algum. Não havia panela ou caçarola ou frigideira ou caldeirão em suas mãos.
Eram peões de obra. Moram aqui no bairro enquanto a construção não termina. Depois, voltarão para a periferia.
E tanto na periferia como nos bairros populares ninguém pensa em sair para as ruas num panelaço em defesa do sacrossanto direito das senhoras de Palermo, as que batem panela no escuro, comprarem dólares.
A queixa mais insólita que ouvi se refere à ameaça sobre o direito constitucional de ir e vir. A senhora cinqüentona, de casaco azul marinho de boa lã sobre um cashmere cinza-chumbo, com os cabelos tingidos de um louro recatado, golpeia furiosamente uma panela reluzente. E explica seu protesto: “O governo me impede de me movimentar livremente. Se não posso comprar dólares, como posso programar minhas férias?”.
Até mesmo os críticos mais ferrenhos do governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner reconhecem que os panelaços recentes reuniram pouca gente. Acreditam, porém, que o movimento vai crescer. Prometem manifestações na Plaza de Mayo, diante da Casa Rosada e pertinho da zona financeira, onde estão os bancos e, claro, os cambistas. Há toda uma rede atuando na internet, no esforço de convocar multidões – mas o máximo que conseguirão será, como diz um bem humorado jornaleiro daqui do bairro, ‘multidinhas’.
A turma do barulho, em todo caso, está animada e continua convocando mais e mais panelaços. Pelo que se viu até agora, pode até ser que as próximas manifestações consigam reunir, num universo de umas cinco milhões de pessoas, um pequeno mas nutrido punhado de milhares de manifestantes, para gáudio e alegria da imprensa mais conservadora e dos correspondentes preguiçosos. Afinal, um cacerolazo rende sempre boas imagens, não importando a sua extensão e significado real.
O primeiro panelaço a gente não esquece. Aconteceu em Santiago do Chile, no fim de 1971, durante o governo de Salvador Allende. Nos bairros elegantes, senhoras convocadas pela ala mais à direita do Partido Democrata Cristão e pelos ultra-conservadores do movimento Patria y Libertad saíram às ruas para bater panelas, caçarolas e frigideiras vazias, reclamando da falta de comida.
Curiosas, aqueles manifestações de altaneiras senhoras que por algumas horas suspendiam até mesmo suas partidas de bridge para protestar. E, em parte, tinham razão: faltava quase tudo no Chile, graças ao boicote promovido pelos donos das empresas de transporte, generosamente financiados pelo governo dos Estados Unidos. Os que defendiam o governo de Allende primeiro debocharam do protesto das elegantes. Depois, quando surgiram homens e garotões em outros panelaços, a coisa ficou feia: houve choques violentos entre a direita recalcitrante e a esquerda de sangue quente, e muitas panelas e frigideiras foram transformadas em arma de combate, abrindo testas e estourando narizes.
O fenômeno do panelaço se repetiu na Argentina, um quarto de século depois, sem violência alguma: em setembro de 1996, em Buenos Aires e nas principais cidades do país, soou o primeiro cacerolazo, protestando contra a política econômica do presidente Carlos Menem. Não deu em nada, mas ficou registrada a estreia do novo tipo de protesto.
No final de 2001, a Argentina viu como o panelaço se transformou num formidável instrumento de pressão popular – e, atenção: realmente popular. Convocadas de boca em boca, de bairro em bairro, tendo como centro Buenos Aires, centenas de milhares de pessoas espalhadas por todo o país armaram dias seguidos de um barulho ensurdecedor.
Resultado: o pífio e insípido Fernando de la Rúa renunciou e literalmente foi-se pelos ares. No dia 20 de dezembro, um helicóptero zarpou do telhado da Casa Rosada levando-o de volta para casa.
De lá para cá, volta e meia alguém ensaia um panelaço em Buenos Aires. Nunca mais, porém, com a força coletiva e a expressividade daqueles dias de dezembro de 2001. É como se a banalização do protesto tivesse tirado seu efeito e sua graça.
Pois agora, e de novo, acontecem alguns panelaços em Buenos Aires. O primeiro deles, na noite da quinta-feira, 31 de maio, me tirou de casa. Quis ver como a vizinhança protestava. E o que vi foi altamente esclarecedor.
Pelas ruas de Palermo Viejo, o barulho era forte de verdade. Caçarolas, panelas, caldeirões, frigideiras pareciam ter ganhado vida própria. Soavam de maneira incessante. Só que não se via ninguém: as pessoas apagavam as luzes de varandas, terraços e janelas. A muito custo era possível distinguir, num sexto andar, um vulto de branco escondido no canto do terraço. Num quarto andar, e olhando com atenção, dava para localizar a janela da esquerda, escura e apagada, como a fonte do batuque de alguma coisa. Assim ao longo de quarteirões: o protesto era oculto, escuro.
Em algumas esquinas privilegiadas de Palermo, do Barrio Norte, do Botánico, de certas áreas de Belgrano e da Recoleta, bairros de gente bem posta na vida, havia algumas pessoas na rua, à luz dos postes e do comércio. Mas o que impressionava era caminhar pelas ruas paralelas: o panelaço vinha do nada. Vinha do oculto.
Na esquina da rua Güemes com a Vidt, de ares europeus, no quarto andar de um prédio em construção, havia luz, bastante luz. No que será a futura varanda de alguém de bom gosto, havia quatro homens jovens, perfeitamente visíveis e identificáveis. Olhavam para a rua com curiosidade. Nenhum deles fazia ruído algum. Não havia panela ou caçarola ou frigideira ou caldeirão em suas mãos.
Eram peões de obra. Moram aqui no bairro enquanto a construção não termina. Depois, voltarão para a periferia.
E tanto na periferia como nos bairros populares ninguém pensa em sair para as ruas num panelaço em defesa do sacrossanto direito das senhoras de Palermo, as que batem panela no escuro, comprarem dólares.
Fonte: www.cartamaior.com.br
$%$%%$%$%$%$%%$%%$%%
ECONOMIA ECONOMIA
Nota: O Brasil tem muitos problemas institucionais e estru-
turais. O artigo abaixo, de Delfim Netto, que todos sabem
da sua vida pregressa, analisa as ações do governo e faz
sugestões. De modo civilizado. Coisa que a gente não vê
por parte de muitos "analistas" ou "especialistas" em
economia, que escrevem na "grande imprensa". Essas figuras
torcem contra o Brasil. Não querem e nem acreditam que o
país, mesmo de forma limitada, cresce e aparece. Preferem
ser capachos do neoliberalismo, são as viúvas do neolibera-
lismo, que continua afundando e fazendo estragos na
Europa e em muitos outros lugares. (AB)
PASSO A PASSO
Delfim Netto, na Revista CartaCapital
Infraestrutura deficiente, excesso de tributação e elevados custos financeiros são três dos fatores sobre os quais não existe muita divergência quando se analisam os problemas que reduzem a capacidade de as empresas brasileiras enfrentarem a dura concorrência no comércio exterior e a competição dos produtos importados em seu próprio mercado interno. Há ao menos acordo sobre a importância desses itens na composição do chamado Custo Brasil.
Pois bem, há longo tempo não assistíamos a um esforço razoavelmente coordenado nas diversas instâncias de comando da política econômica para lidar com os três problemas. A começar pela ordem inversa do enunciado, a questão da taxa de juros que rebocava a especulação financeira, que desequilibrava o câmbio e triturava a indústria de transformação, recebeu um tratamento primoroso: já se enxerga o objetivo de trazê-la de volta aos níveis internacionais, depois de duas décadas vivendo muito próxima da contravenção.
Como em todo combate, o comando pode decidir pelo choque frontal quando a circunstância o exige (foi o que fez a presidenta Dilma, diante da resistência inicial do sistema financeiro) ou desdobrar as ações, optando pela manobra sem perder de vista o objetivo: é o caso do segundo item, a enorme carga dos impostos. O governo sabe que é preciso melhorar a estrutura tributária do País, reduzir o seu papel concentrador de renda e facilitar a vida do contribuinte.
É correta a escolha de fazer isso com poucos, mas importantes movimentos, entre os quais as mudanças no PIS/Cofins e a desoneração das folhas de salários dos trabalhadores. São medidas que devem contribuir para acelerar o crescimento econômico, até ser possível fazer a grande reforma para alcançar a unificação do ICMS e transferir a cobrança para o destino.
Acredito que existem medidas que não dependem de leis para avançar um pouco mais, simplificando a arrecadação e aliviando o contribuinte: bastaria uma combinação entre a União e os estados para programar o adiamento dos prazos de recolhimento dos impostos de forma calculada e escalonada. Isso foi feito com excelentes resultados antes da crise de energia dos anos 70 e 80 do século XX. Em meio à crise, o crescimento da inflação e a amea-ça de hiperinflação levaram as autoridades fazendárias a encurtar dramaticamente os prazos do recolhimento, o que era razoável naquelas circunstâncias, mas produziu a situação absurda de arrecadar o imposto antes mesmo do recebimento da fatura pela empresa.
Dominada a inflação, 18 anos passados desde o Plano Real, o processo não foi eliminado. As empresas continuam tendo de recorrer ao banco para reconstituir o capital de giro, o que é prejudicial ao próprio objetivo de reduzir os juros. Tenho insistido ser perfeitamente administrável ampliar os prazos de recolhimento (que seja uma semana por mês inicialmente), combinando cuidadosamente com os estados e em seguida desdobrando as escalas da arrecadação.
Com isso se dará continuidade à pressão para baixar a taxa de juros, o que seguramente terá algum efeito benéfico nos níveis de preços. Insistir agora em uma reforma global vai ser muito difícil, é um sonho, por isso acho que a presidenta está certa: tem de começar por algumas coisas factíveis, ir avançando naqueles movimentos que estejam ao nosso alcance, mesmo sofrendo desgastes, mas desgastes administráveis, e insistir no esforço para alcançar a unificação do ICMS e transferir a cobrança para o destino, o que resolveria provavelmente 90% dos problemas tributários brasileiros.
No que diz respeito à tarefa de enfrentar o desafio da reconstrução da infraestrutura (primeiro fator citado), o ruído que se faz em torno dos problemas que obrigatoriamente existem em obras de grande porte tem superado por larga margem a notícia do avanço nos investimentos para eliminar os principais gargalos nos setores vitais da energia e transportes. Pretendo mostrar em um próximo comentário aqui no Sextante a importância desses investimentos para a necessária integração das regiões das fronteiras Norte e Oeste ao espaço econômico brasileiro. E o sentido profundo das decisões do presidente Lula e da firme determinação da presidenta Dilma de enfrentar as resistências (especialmente externas) às obras das hidrelétricas que vão retirar da escuridão secular os povos da Amazônia e permitir a utilização de seus recursos conciliando crescimento econômico e sustentabilidade.
H U M O R
Nenhum comentário:
Postar um comentário