15 junho 2012

DEMOCRACIA, JUDICIÁRIO E CORRUPÇÃO


fernando Lei Tourinho pode livrar Cachoeira e todo o bando
A lei é igual para todos, aprendemos desde pequenos na escola. Alguém ainda acredita nisso? A cada dia, o nosso Judiciário nos dá exemplos de que alguns são mais iguais do que os outros perante a lei, dependendo dos juízes e dos advogados envolvidos nos processos.
Assim, vão se incorporando ao nosso cotidiano expressões como "a polícia prende e a Justiça manda soltar", "cadeia só foi feita para pobre, preto e puta", "quem tem dinheiro para contratar um bom advogado não fica em cana".
O que vemos, na prática, é que cada juiz faz a sua própria lei, de acordo com suas interpretações particulares. Temos agora a Lei Tourinho. Apresentada na terça-feira pelo desembargador Francisco da Costa Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, de Brasília, a nova lei pode livrar da cadeia não só Carlinhos Cachoeira, mas todos os 81 denunciados pela Polícia Federal na operação Monte Carlo (apenas seis ainda estão presos).
Como relator do habeas corpus que pede a nulidade do processo, Tourinho Neto acatou na íntegra a tese da defesa patrocinada pela equipe do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, ao considerar ilegais as escutas telefônicas da PF e, portanto, nulas todas as provas decorrentes destes grampos.
Com o mesmo argumento, lembrou a edição da "Folha" desta quarta-feira, o Superior Tribunal de Justiça já havia anulado as provas de outras operações da PF, como a Castelo de Areia, que investigou a construtora Camargo Corrêa num caso semelhante ao que agora envolve a empreiteira Delta.
Cachoeira só não está solto ainda porque um dos três integrantes da 3ª turma do TRF1, o desembargador Cândido Vieira, pediu vista e o julgamento do processo foi adiado para a próxima semana.
Basta, portanto, apenas mais um voto, não só para o contraventor sair da cadeia, mas para enterrar toda a operação policial que investigou por um ano a rede de corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e exploração de jogos ilegais por ele comandada, que levou à criação da CPI do Cachoeira.
A anulação das provas coloca em risco também o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal contra o senador Demóstenes Torres, que era do DEM de Goiás, apontado como braço político do esquema, e a própria CPI do Cachoeira, que perderia seu objetivo inicial de apurar as ligações do "empresário de jogos" com políticos, policiais, magistrados e empresários.
Mela tudo, em resumo. Tourinho Neto é o mesmo magistrado que já havia autorizado, em abril, a transferência de Cachoeira do presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para o da Papuda, em Brasília.
No dia 30 de maio, o desembargador tomou outra decisão a favor do cliente de Márcio Thomaz Bastos ao suspender audiências marcadas para a 11ª Vara Federal, aceitando a tese de cerceamento da defesa.
Ontem, ao defender a soltura de Cachoeira, Tourinho Neto argumentou: "Quem corrompeu? Quem foi corrompido? Qual foi a sonegação tributária? Essa interceptação telefônica não pode ser autorizada apenas em meros indícios. Não pode haver a banalização da interceptação telefônica para combater o crime". É esta, exatamente, a tese da defesa.
Caso a Lei Tourinho entre mesmo em vigor, a partir de agora qualquer pessoa, desde que possa contar com bons advogados, antes mesmo de começar a investigação deveria ser avisada  para tomar cuidado com o que fala porque seus telefones estão grampeados. Só assim se evitaria a "banalização da interceptação telefônica". É isso mesmo?
Já se sabia que os que são mais do que os outros iguais perante a lei dificilmente chegam a ser julgados, muito menos condenados, mas agora não poderiam nem mesmo ser investigados.
É a inversão do processo de investigar, denunciar, julgar e, se for o caso, condenar. Quer dizer, a polícia precisaria, antes, reunir todas as provas, para só depois ser autorizada a fazer escutas telefônicas. Seria mais uma vitória da impunidade e a Polícia Federal poderia se dedicar apenas a atividades de benemerência.

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho




<O><O><O>                <O><O><O>




A DEMOCRACIA QUE PEDE SOCORRO?


Marlos Mello (*), no Observatório da Imprensa


Através deste texto, gostaríamos de colocar em evidência a questão levantada pelo governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, que no artigo “Democracia e falência da moralidade da direita” (ver aqui) promoveu a seguinte afirmação: “A corrupção pode ajudar a destruir a democracia e também reduzir, ainda mais, as funções públicas do Estado.”
Será mesmo que a corrupção política tem o poder de acabar com a democracia? Esse debate é importante e necessário porque reacende uma profunda reflexão do que representa a corrupção na atual sociedade brasileira. Mais do que a troca de favores, a corrupção, simbolicamente, representa o fim de uma esperança: a de que a democracia burocrática, como está instituída atualmente, poderia sanar os problemas da República. O que denominamos de democracia burocrática é o regime baseado nas leis e nas figuras públicas eleitas e jurídicas para garantir o máximo de exequibilidade nas relações individuais e sociais.
As constantes confirmações de políticos envolvidos em ações de corrupção deram legitimidade para o surgimento de figuras míticas – por exemplo, Demóstenes Torres, chamado de “paladino da ética”pela revista Veja. Operando em termos míticosa revista Veja ressignificou o termo ética e subordinou-o a pessoas, dissociando de um status de valor e de decisão moral, partindo do pressuposto de que certas pessoas têm uma tendência ética e outras, não. Na verdade, convém esclarecer que ética, por enquanto, não se produz da fonte genética nem dos laboratórios. Não há pessoas que nascem com esse juízo de valor, e isso precisa ficar claro. A ética, assim como outros valores, é aprendida e deve ser ensinada.
Acontecimento normal
O fato de certos políticos não exercerem o valor ético em suas relações e decisões não significa que a corrupção esteja tomando conta da República ou que a democracia esteja esvaecendo. Essa não deve ser a questão. Mas as perguntas poderão ser: qual a influência da corrupção perante as autoridades públicas? Até que ponto a sociedade brasileira está sujeita à corrupção política? Nessa linha de entendimento, a burocracia não consegue inibir a corrupção, mas o que deve ser feito? Quem tem a responsabilidade de “gerenciar” a corrupção? Até o momento, na prática, acreditava-se que as autoridades jurídicas deveriam se ocupar dessa responsabilidade, mas numa pior situação, com base nos últimos acontecimentos, até as figuras jurídicas estão sendo capturadas pelas forças e pelos múltiplos braços da corrupção (ver aqui), (ver aqui), (ver aqui).
As mudanças nos regimes de governo nasceram de esforços e propostas de melhor adaptação aos valores da época. E, por isso, surge uma nova indagação: quais os valores éticos da época atual? A corrupção sempre foi uma das forças determinantes para mudanças, mas não a mudança em si. De fato, a corrupção nunca foi extinta, pois ela também se adaptou aos novos regimes; Mas, concretamente, o que é necessário para acabar com a corrupção? Legalizá-la?
O que nos inquieta e preocupa é que a população termine sendo convencida de que a corrupção é um acontecimento normal na vida política, sendo uma forma de ajudar os que estão no poder a realizar seus projetos de governo.
O fracasso político
O artigo do governador Tarso Genro é estratégico porque consegue unir dois temas emergentes (mídia e política) e mais um que anda escalado nas rodas de debate: a governabilidade. Nesse sentido, é preciso fixar o que é um governo, pois as nações se compõem deles (Aristóteles III, I). A mudança de objeto trouxe valor semântico à expressão governabilidade. A política, como está organizada no século 21, não se limita ao exclusivo cuidado e à simples direção, ainda visada e prática, dos interesses materiais e positivos, como se governar fosse o mesmo que administrar estabelecimentos comercias, fazendas ou bancos.
Governar, no sentido da governabilidade, requer muito mais porque um cidadão esclarecido é sempre um organismo muito delicado, de uma assombrosa complexidade e persistência em seguir e realizar os seus sonhos. Diante disso surge a questão: como um político brasileiro, nas condições em que a política se apresenta, é capaz de demonstrar valores morais perante a sociedade? Governar parece ainda mais uma coisa absurda e improvável.
O descrédito da política e dos políticos se deve em parte à grande mídia, que não sabe criar, não pode criar. Então, o que ela faz? Ela interpreta os fatos conforme a ótica dos seus interesses, ou seja, num servilismo bárbaro às correntes neoliberais. Nesse sentido, o governador Tarso Genro tem razão quando afirma que a grande imprensa quer “transferir à esquerda que governa todas as mazelas do país, para esconder o fracasso político dos governos anteriores, que não só foram ineptos para governar, mas também incompetentes para atacar a corrupção enraizada no Estado, promovida diretamente por setores da iniciativa privada mancomunados com agentes públicos”(ver aqui).
Fiscalizar os fatos
Não é surpreendente que os grandes setores da imprensa brasileira, especialmente os setores comprometidos com a globalização descontrolada, ilimitada e desregulada, estejam culpando a esquerda pelos problemas do país. No entanto, o “aceite” desse embate político tem um terreno fértil e a esquerda brasileira poderá, se quiser, organizar um conjunto de forças em torno dos seus propósitos republicanos e democráticos.
A nosso ver, a força da grande imprensa é a legitimidade projetada na característica denunciadora de transigência estéril dos seus comentaristas e apresentadores. Pela mesma razão existem duas espécies de ação determinadas, duas sortes de ironia, duas maneiras de agir: uma que denuncia, numa espécie de “franco-atirador”, e, a outra, do ponto de vista cientifico, isto é, de eficácia, que leva os cidadãos e as cidadãs a uma aceitação acrítica dos processos políticos recobertos por expressões de impacto avassalador.
Muitos são os debates sobre a criação de órgãos reguladores com o objetivo de promover um debate amplo sobre a questão do controle social. No que se refere à comunicação, na esfera nacional ocorreu no mês de maio o 3º encontro nacional de blogueiros que tem se esforçado bravamente para garantir o direito à liberdade de expressão, à diversidade de opinião e a construção da cidadania. O evento contou com uma mensagem do presidente Lula que foi transmitida e é possível de ser visualizada aqui. No Rio Grande do Sul essa discussão avança e acontecerá no mês de junho durante o 2º encontro de blogueiros do RS.
No que concerne à relação corrupção e política, o que vemos é a tentativa de destruição do tão falado Estado Social Democrático de Direito, no qual o princípio da ética deveria se realizar amplamente, no entanto, fica cada vez mais prejudicada, pois os desvirtuamentos ocorrem sem que haja a efetiva prática de medidas punitivas cabíveis para os políticos corruptos.
Assim, considerando que a democracia pressupõe a participação de todos e todas, não apenas no processo de escolha dos governantes, mas nos fatos individuais e sociais que compõe a convivência democrática, devemos assumir a proposta do governador Tarso Genro e fiscalizar rigorosamente a apuração de todos os fatos que envolvem a corrupção política. Com isso, poderemos tentar evitar que a corrupção destrua de vez a tão sonhada democracia brasileira.
***
[Marlos Mello é psicólogo, Porto Alegre, RS]






Nenhum comentário:

Postar um comentário