11 março 2012

SEGUNDA PÁGINA

DIA INTERNACIONAL DA MULHER
                DIREITOS HUMANOS




O Dia Internacional da Mulher em imagens

O Dia Internacional da Mulher foi marcado por protestos políticos e celebrações. O site Common Dreams registrou alguns desses momentos:

O Dia Internacional da Mulher foi marcado por protestos políticos e celebrações. O site Common Dreams registrou alguns desses momentos:


Uma mulher corre para ajudar outra caída no chão, em Ramallah, após ter sido atingida por um canhão de água usado por tropas israelenses para dispersar uma manifestação do Dia Internacional da Mulher e em favor de um prisioneiro palestino em greve de fome há 22 dias. (AP Photo/Majdi Mohammed)


Mulheres gritam slogans contra o Conselho Militar egípcio antes de participar de uma manifestação com outras mulheres no Dia Internacional da Mulher, no Cairo. (Reuters/Mohamed Abd El Ghany)


Manifestantes se reúnem na Ponte Millenium, em Londres, na campanha “Join Me on the Bridge 2012”, a maior campanha mundial em defesa dos direitos da mulher.


Mulheres protestam em Concord, New Hampshire, contra a maioria republicana que votou uma lei quarta-feira que permite que empregadores excluam o fornecimento de anticoncepcionais de seus planos de saúde, por razões religiosas. A Câmara local aprovou a proposta por 196 votos a 150 e agora ela irá para o Senado. (Jim Press Cole /Associated Press)


Trabalhadoras sul-coreanas gritam slogans durante manifestação do Dia Internacional das Mulheres em Seul, Coréia do Sul. Os cartazes dizem: “Preservar um salário mínimo e contratar mais empregados temporários”.


Integrantes do partido Die Linke (A Esquerda) durante reunião no Parlamento alemão dedicada ao Dia Internacional da Mulher. O partido enviou apenas mulheres, portando um lenço lilás, para participar do debate.


Mulher palestina participa de uma marcha, em Ramallah, convocada para marcar o Dia Internacional da Mulher e para manifestar solidariedade com a palestina presa Hana Shalabi, que está em greve de fome (Mohamad Torokman/Reuters).


Hassina, uma sobrevivente de um ataque com ácido, participa de uma manifestação contra a violência contra as mulheres, em Dhaka, Bangladesh (Andrew Biraj/Reuters).


Mais de mil trabalhadoras participam de uma manifestação em Seul, Coréia do Sul, para marcar a passagem do Dia internacional da Mulher.


Manifestantes carregam cartazes em uma manifestação do Dia Internacional da Mulher em Kathmandu, no Nepal (Rajendra Chitrakar/Reuters).


Mulheres do Camboja participam de caminhada do Dia Internacional da Mulher em Phnom Penh.


Mulher escreve “Eu não preciso de sua ajuda, mas sim que assuma sua responsabilidade” durante manifestação do Dia Internacional da Mulher em Sevilha, Espanha (Cristina Quicler/AFP)


Milhares de integrantes do grupo feminista Gabriela marcham perto do palácio presidencial, em Manila, Filipinas, em protesto contra o recente aumento do preço da gasolina e de outros produtos. Um dos cartazes diz: “Fim da conivência do regime Aquino com o cartel do petróleo” (Romeo Ranoco/Reuters).


Natyavathi (centro), primeira mulher a dirigir um trem na Índia, dirige um trem em uma cerimônia para marcar o Dia Internacional da Mulher. Lideranças da ONU pediram maior igualdade entre os sexos em meio a manifestações e marchas pelos direitos das mulheres (Noah Seelam/AFP Photo).


Estudantes iraquianas vestem tradicionais roupas curdas para celebrar o Dia Internacional da Mulher na cidade de Arbil Thursday, no norte do Iraque. (Safin Hamed/AFP).


Ativistas correm para fugir de uma bomba de gás disparada por tropas israelenses, em Ramallah, durante manifestação em favor da prisioneira palestina Hana Shalabi, em greve de fome a 22 dias (Majdi Mohammed/AP).


Trabalhadoras participam de uma manifestação em frente ao prédio das Nações Unidas em Bangkok, pedindo melhores condições de trabalho e igualdade de direitos. (Chaiwat Subprasom/Reuters).


Integrantes da organização Women for Rights gritam slogans durante um protesto contra o custo de vida e a violência contra as mulheres em Colombo, Sri Lanka.


(*) Texto e imagens publicados originalmente em (http://www.commondreams.org/headline/2012/03/08-5)

meio ambiente      MEIO AMBIENTE
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Lições de Fukushima, um ano depois

No dia seis de março, a organização Greenpeace apresentou, na Espanha, um relatório sobre as lições de Fukushima, onde defende que o terremoto e o tsunami não foram as causas principais do acidente nuclear da planta de Fukushima Daiichi, na costa leste do Japão, há um ano. O documento enfatiza as responsabilidades políticas e técnicas do governo japonês e da empresa responsável pela usina, um assunto que vem se mantendo em segundo plano nos meios de comunicação ocidentais.

No povoado de Kabawata, que tem um índice de radioatividade 22 vezes acima do normal, ainda permanecem alguns moradores. Em zonas com índices entre 52 e 238 vezes acima do normal, os habitantes talvez nunca regressem a suas casas. Para algumas das famílias afetadas foi oferecida uma compensação única de 1.043 dólares. Os advogados da Tokyo Electric Power Co. (TEPCO) pretendem que a empresa também não cumpra com sua obrigação de fazer frente aos custos da descontaminação argumentando que a radiação, como a busca de soluções, é agora responsabilidade dos donos das terras e não da empresa. 

No dia seis de março, a organização Greenpeace apresentou, na Espanha, o relatório: Las lecciones de Fukushima, onde defende que o terremoto e o tsunami não foram as causas principais do acidente nuclear da planta de Fukushima Daiichi, na costa leste do Japão, há um ano. É de destacar que o documento enfatiza as responsabilidades políticas do governo japonês, um assunto que vem se mantendo em segundo plano nos meios de comunicação ocidentais, algo que alguns autores do Eurasian Hub puderam constatar na prática naqueles dias.

As razões de tal atitude são várias. Em primeiro lugar, de forma destacada, interessava ressaltar que a catástrofe era “natural” e imprevisível, esfriando desta maneira o debate político sobre a problemática da energia nuclear. 

Relacionado a isso, foram visíveis os esforços dos meios de comunicação para dissociar a tragédia de Chernobil da de Fukushima, relato do qual se obteriam rendimentos importantes. Dessa forma, ficava salvo o clichê sobre a suposta fiabilidade da tecnologia ocidental sobre a soviético-russa ou outros países emergentes. Ao mesmo tempo, se preservava a imagem do governo ou sistema político japonês, livrando-o da polêmica, o que contribuiria também para manter afastado o debate sobre os países “responsáveis” e “irresponsáveis” na hora de manter e impulsionar programas de energia nuclear. Isso em um momento no qual a pressão sobre o Irã crescia ruidosamente.

Em tal contexto, o relatório Greenpeace sobre Fukushima se investe de especial interesse, porque foge do tratamento politicamente correto de uma catástrofe realmente devastadora.

A seguir, incluímos o resumo das conclusões que o leitor pode encontrar napágina do Greenpeace, lembrando que ali também se pode acessar o link:Fukushima, nunca mais e a publicação, gratuita (em.pdf): As lições de Fukushima. Para concluir, na mesma página se pode visitar a exposição: Shadowlands, com fotografias de Robert Knoth e entrevistas de Antoinette de Jong.

Conclusões do relatório do Greenpeace
A principal conclusão do Greenpeace sobre este desastre nuclear é que ele poderia se repetir em qualquer central nuclear no mundo, o que põe em situação de risco milhões de pessoas, levando em conta que um acidente nuclear aconteceu aproximadamente a cada sete anos, em média.

O Greenpeace conclui que as três razões principais do acidente nuclear são:

1. - Um reator vulnerável - o desenho. Durante décadas foram sendo conhecidas, no Japão e a nível internacional, as vulnerabilidades do desenho do reator de água em ebulição Mark I (BWR, suas siglas em inglês). Mesmo assim foram ignoradas de forma reiterada as advertências.

2. - Uma regulamentação fraca - o Governo e a gestão. Foram toleradas manobras de encobrimento da companhia proprietária, TEPCO, que em 2006 admitiu ter falsificado relatórios sobre a água de refrigeração e, apesar disso, a Agência de Segurança Nuclear e Industrial (NISA, na sigla em inglês) concedeu à empresa autorização para estender a vida dos reatores de Fukushima Daiichi dez anos mais.

3. - Erros sistemáticos na avaliação - a segurança nuclear. A TEPCO e a NISA sabiam que a zona da central nuclear poderia sofrer o impacto de um tsunami de mais de dez metros. Mesmo assim, a central só estava desenhada para suportar tsunamis de até 5,7 metros.

Entretanto, do relatório As lições de Fukushima se obtém três conclusões importantes:

1. – Os riscos reais eram conhecidos, mas as autoridades japonesas e os operadores da planta de Fukushima deram pouca importância e se omitiram.

2. - Os planos de emergência nuclear e evacuação para a proteção das pessoas fracassou totalmente, apesar de o Japão ser um dos países melhor preparado do mundo para a gestão de catástrofes.

3. - Os contribuintes pagarão a maior parte dos custos. O Japão é um dos três países nos quais, por lei, o operador da central nuclear é responsável pela totalidade dos custos de um desastre nuclear, mas os regimes de responsabilidade e indenização da lei são insuficientes. Para sobreviver, as pessoas afetadas terão de buscar seus próprios recursos.

Cifras sobre Fukushima
Alguns dos dados que surgem do relatório As lições de Fukushima são, por exemplo:

- No Japão foi necessário deslocar 150.000 pessoas; 

- Existem 28 milhões de metros cúbicos de solo contaminado por substâncias radioativas; 

- O Japão terá que assumir o custo total do desastre (de 520 a 650 bilhões de dólares), uma cifra que se aproxima do custo da crise bancária das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos; 

- Apenas dois reatores nucleares se mantém operando, dos 54 que existem, contra as pressões do Governo e da indústria nuclear, sem que por isso sofram nenhum problema de abastecimento.

Fonte: 
http://eurasianhub.com/2012/03/08/lecções-de-fukushima-um-ano-despues-greenpeace/

Tradução: Libório Junior


Fonte: www.cartamaior.com.br 

D I R E I T O S   H U M A N O S

Direito internacional torna caduca
        anistia brasileira

Por Mauro Malin, no Observatório da Imprensa



Os militares e civis responsáveis por torturas, assassinatos e desaparecimentos entre 1964 e 1984, e os que com eles são solidários, têm razões de sobra para tentar evitar a todo custo que se instale a Comissão da Verdade criada pela Lei 12.528/2011, ou para tentar intimidar preventivamente os que vierem a integrá-la.
Talvez saibam, ou pressintam, que o andamento dos trabalhos da Comissão modificará o próprio quadro político-institucional vigente no momento de sua instalação.
Ocorre que o arcabouço jurídico interamericano, europeu e internacional dá às vítimas de violações de direitos humanos durante regime político que se tenha superado ou que se pretenda superar “o direito de acesso à informação relativa a graves violações de direitos humanos e, em especial, à informação sobre os desaparecimentos forçados de seus familiares”, segundo escreveu Catalina Botero Marino, relatora especial sobre Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em “O Direito de Acesso à Informação Relativa a Violações em Massa de Direitos Humanos”, revista Acervo, Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, v. 24, n. 1, jan/jul 2011.            
Marino, que participou em novembro de 2010, no Rio de Janeiro, do I Seminário Internacional de Acesso à Informação e Direitos Humanos, mostra que os tribunais...
** não aceitam o argumento de que fornecer tais informações violaria a segurança nacional;
** consideram “a privação contínua da verdade sobre o destino de um desaparecido” uma “forma de tratamento cruel, desumano e degradante para os familiares próximos”, equivalente à tortura;
** consideram o direito de acesso à informação “fundamental para dissolver os enclaves autoritários que pretendem sobreviver à transição democrática”;
** entendem que o Estado tem a obrigação de “buscar por todos os meios possíveis“ as informações sobre violações em massa de direitos humanos cometidas no passado; esses meios incluem “a realização de audiências e interrogatórios com aqueles que possam saber onde se encontra ou quem pode reconstituir o ocorrido”.
Democracia cria novas exigências
Pode ter havido anistia plena e irrecorrível, mas não é aceitável, do ponto de vista jurídico, que informações sobre os fatos motivadores dessa medida político-institucional sejam sonegadas por quem delas disponha. Mais ainda: os governos são obrigados a “realizar, de boa fé, um esforço substancial e empregar todos os recursos necessários para reconstruir a informação que supostamente tenha sido destruída”.
A tradução política dessa jurisprudência é que a democracia reconquistada não pode ser refém da força que o regime precedente detinha. Ao contrário. Nos marcos da democracia, o Estado tem a obrigação legal de esclarecer o que a relatora denomina “violações em massa de direitos humanos”.
Mudanças de regime engendram, normalmente, dinâmicas próprias. No caso das violações de direitos humanos, imagine-se, esquematicamente, que os eleitos sob o novo regime sejam cobrados pelos eleitores a esclarecer e/ou punir crimes cometidos em nome da defesa do regime anterior. E que tal cobrança tenha força política superior aos arranjos feitos para garantir a transição. A quem responderão? A seus eleitores ou aos velhos adversários que tenham, antes do naufrágio, pulado fora do barco do regime vencido?
Um tema distante do povo
Não foi o que ocorreu na redemocratização brasileira recente. O povo não cobrou punição de torturadores e assassinos. A razão principal para isso foram a censura e a autocensura que vigoraram durante a ditadura, principalmente na televisão e no rádio. Aquele contingente que no Brasil se chama de povo não tinha uma noção muito clara da ignomínia cometida. E a lentidão da transição, desde o último ato de tortura política até a primeira eleição direta para presidente, algo como doze ou treze anos, fez com que muitos novos eleitores – agora se podia votar a partir dos 16 anos – de fato desconhecessem o assunto.
A passagem da monarquia para a república, em 1889, foi provavelmente um corte muito mais radical, embora, como se sabe, inúmeras taras do escravismo colonial e imperial tenham perdurado e suas consequências sociais e políticas se façam sentir até hoje.
O Brasil fez uma longa transição política antes que esses novos dispositivos jurídicos fossem dados como assentes. Deve-se levar em conta que desde a década de 1980 diferentes processos provocaram revisões de conceitos e procedimentos jurídico-institucionais. Entre eles, o fim de ditaduras em países da América Latina e do Caribe, o desaparecimento da União Soviética e, principalmente, as mudanças de regime nas antigas “democracias populares” do Leste Europeu.
O mundo girou. A anistia ficou anacrônica
Assim, aquilo que alguns chamam de “pacto social” propiciador da Anistia de 1979 tornou-se um anacronismo, uma aberração jurídica, por mais que a Constituição de 1988 tenha, e era compreensível que o fizesse, chancelado a manobra do regime que agonizava.  
Miriam Leitão escreveu (O Globo, 3/3), que “o Brasil pode até decidir não olhar para trás, mas não pode mais permitir que isso seja resultado do veto das Forças Armadas”.  É um raciocínio brilhante, mas não pode ser acatado.
Mesmo que os brasileiros quisessem, consensualmente, encerrar toda discussão sobre um passado criminoso que é motivo de vergonha, os avanços internacionais não o permitiriam. E isso é salutar, gostem ou não os que ontem tiveram poder de decretar extrajudicialmente a morte de compatriotas. Não estavam convencidos da justeza de seus atos? Aceitem agora que eles sejam avaliados – com todas as garantias à defesa e ao contraditório – para seu registro institucional na História.
É um bom tema para a imprensa.

POLÍTICA        política

MOQUECA À CRIVELLA

Por Alberto Dines, no Observatório da Imprensa

Histórias de pescador são geralmente fantasiosas, mas ao afirmar que sequer sabe enganchar a minhoca no anzol o novo ministro da Pesca, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), não apenas fez uma rara opção pela verdade como escancarou a enganação embutida na criação e manutenção deste Monumento ao Desperdício chamado Secretaria Especial da Pesca.
O herdeiro da Igreja Universal do Reino de Deus, líder da bancada evangélica do Legislativo, completou seu breve convívio com a transparência ao negar que a nova carreira piscatória tenha algo a ver com o esforço do governo federal em reforçar a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo. Com isso, só confirmou o real objetivo da manobra. No que foi ajudado pelo devoto ministro Gilberto de Carvalho, ao declarar que a nomeação do Pescador-Mor “vai facilitar a relação com as igrejas.”
Esta indigesta moqueca à Crivella tem o mérito de trazer para a agenda nacional a escamoteada questão do secularismo. O Brasil está retornando rapidamente ao estágio teocrático que vigeu sem interrupções do descobrimento até a votação da primeira Carta Magna republicana, em 1891. Embora seja pacífico que o nosso atraso em matéria de educação, ciência, cultura e imprensa decorra da prolongada sujeição do Estado à Igreja, nada se fez para reverter tão grave deficiência institucional. O Estado de Direito no Brasil é capenga, todos sabem disso. Ninguém tenta reabilitá-lo, tanto na esfera simbólica como administrativa.
O vale-tudo no terreno da fé
Antes do velocíssimo crescimento das seitas evangélicas no Brasil, quem ousava contrapor-se à hegemonia da Igreja eram as diferentes confissões luteranas. O general-ditador Ernesto Geisel, único chefe de Estado ostensivamente anti-católico, em 1976, numa das freadas da sua distensão, aproveitou-se do arsenal autoritário para emplacar de forma solerte a dissolução do casamento e a legitimação do divórcio, o que abalou a Igreja, enfraqueceu sua formidável cruzada em defesa dos direitos humanos e deu à ditadura um amplo apoio popular.
De lá para cá, ditadores e presidentes enfrentaram o poderoso vetor teocrático com a mesma esperteza: contentando de forma equitativa católicos e protestantes, facilitando seus imensos privilégios, concedendo-lhes o ilegítimo acesso aos meios de comunicação eletrônicos e sepultando nas gavetas qualquer debate que possa nos aproximar do Estado de Direito democrático, secular e isonômico. Mesmo o Poder Judiciário – teoricamente comprometido com suas prerrogativas e independência – convive no plenário da Suprema Corte com a discrepante exibição da cruz acima das armas da República. Na Espanha, muito mais católica, isto seria um acinte. Aqui, não chama a atenção dos eleitores, políticos, nem confronta os meritíssimos.
Esta incapacidade de defender o secularismo e a ideia do Estado laico manifesta-se com igual intensidade nas hostes do governo e da oposição. PT e PSDB, geneticamente de esquerda, deram um jeito de driblar os respectivos DNAs e não resistem à tentação de comungar e persignar-se em atos oficiais, mesmo sabidamente ateus, agnósticos ou céticos. Os confessores de hoje não se importam com ave-marias erradas e padre-nossos incompletos, diferentemente do que acontecia nos tempos da Inquisição.
O vale-tudo infiltrou-se no terreno da fé. Crivella, suas minhocas e peixes são o símbolo de um sincretismo que parece coisa do diabo.



sociedade        SOCIEDADE

  O politicamente correto

Aleijadinho, bife à Camões e
          dicionários

Por Deonísio da Silva, no Observatório da Imprensa



Polaco, cigano, judeu, japonês, nego, negão, negona, baiano, caboclo, índio etc. São inumeráveis as referências pejorativas às etnias e às nacionalidades. Às vezes, o nome é composto: alemão-batata, alemão-chucrute; polaco-cabeça-de-vaca. Outras vezes, dizemos que um programa ruim é um “programa de índio”. Quando alguém se atrapalha num serviço, principalmente em São Paulo, é chamado de baiano. No Rio Grande do Sul, baiano é quem monta mal no cavalo. E quem dirige mal ou executa com deficiências uma tarefa é barbeiro. Ofendemos os que nos fazem barba, cabelo e bigode com isso? Ou ofendemos os antigos médicos que praticavam a medicina em domínio conexo com barbas e cabelos nas barbearias, fazendo sangrias?
Na semana passada, Caetano Veloso, entre outros, escreveu sobre o pedido de proibição (ou reeditoração, na edição eletrônica) do verbete “cigano” no dicionário Houaiss, um dos mais consultados do país. Foi triste, pelo menos, o recuo da editora que o publica. Mas deve ter seus motivos para fazer o que fez. Seus lexicógrafos fizeram pouco mais do que recolher aqueles significados dentre os muitos outros que circulam livremente na fala e na escrita. Onde está erro deles?
Reclamação de direito
Fiz o ensino médio num seminário, recluso, porque minha mãe tinha vocação para eu ser padre. Ali as edições eram especiais, isto é, censuradas. Certas palavras e expressões eram substituídas por reticências.
Dou pequeno exemplo: Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas. Os deuses brigam em terra, mar e ar, uns favorecendo, outros atrapalhando os portugueses.
A presença de tantos deuses pagãos em toda a narrativa foi perdoada pela censura epocal: era recurso de ornamentação, sem que o autor tivesse a intenção de desmerecer a fé católica, conforme escreveu o parecerista no século 16.
Pois bem. No canto III, temos o episódio de Inês de Castro, “aquela que depois de morta foi rainha”. Foi mesmo: Dom Pedro, após a célebre vingança contra “os brutos matadores de Inês”, pôs o cadáver da amada num trono e fez com que o cortejo percorresse todas as vilas e lugarejos para as cerimônias do beija-mão. Mas as referências ao colo, seios etc. foram pontilhadas de reticências para nós.
No episódio da Ilha dos Amores, os navegadores desembarcam ali, correm atrás das ninfas e, entre arbustos, entregam-se com elas aos prazeres da carne. Mais reticências.
Hoje, quando leio reticências num texto – os famosos e inconclusivos três pontinhos –, fico imaginando o que é que foi suprimido.
Não é apenas no Brasil. Nos EUA, algumas escolas estão fazendo edições especiais deRomeu e Julieta.Estão extirpando pênis, vagina e outras referências sexuais dessa e de outras obras de Shakespeare e de outros autores clássicos.
No Brasil, a pauta da semana passada tratou em muitos jornais, revistas e outras mídias de um procurador da Justiça Federal de Minas Gerais que tentou proibir o dicionário Houaiss porque um leitor reclamou que no verbete “cigano” aparecem definições preconceituosas.
Vou reclamar também! No verbete dionisíaco, do mesmo étimo do meu nome, sou definido como tumultuário, desordenado, confuso. Sem contar que Baco, seu outro nome, é um deus bêbado e tarado.
Perigo da censura
Na Espanha, a gente pede “judías” no cardápio. E ninguém pensou em censurar os restaurantes. Todos entendem o contexto.
E a “massa à putanesca”, prato que surgiu justamente para alimentar aquelas senhoras que, quase ao alvorecer, voltavam do trabalho que faziam à noite nas bordas das cidades, isto é, nos bordéis – vão tirar esse prato dos cardápios e dos dicionários?
Na culinária brasileira temos o “bife à Camões”: um ovo frito, posto numa das pontas de um naco de carne. Estranha homenagem. É que o poeta era cego de um olho. Vem mais censura aí! Os politicamente corretos, aliás, usam inadequadamente a expressão “portador de deficiência”. Ninguém porta uma deficiência. Você é portador de um documento, de um chapéu, de um sobretudo, de uma pasta, de bagagem etc., mas não de um defeito de nascença ou produzido por acidente de trabalho, de trânsito etc.
A palavra deficiente está na língua portuguesa desde os finais do século 16. Diz o Aurélio no verbete “Deficiente”:
“[Do lat. deficiente.] Adjetivo de dois gêneros. 1. Em que há deficiência; falho, imperfeito: informações deficientes. ~ V. número —. Substantivo de dois gêneros. 2. Pessoa que apresenta deficiência física ou psíquica.”
E o Houaiss:
“Adjetivo de dois gêneros. 1. que tem alguma deficiência; falho, falto. Ex.: funcionamento d. 2. que não é suficiente sob o ponto de vista quantitativo; deficitário, incompleto. Ex.: dados estatísticos d. 3. Rubrica: aritmética. Que é menor do que a soma de seus divisores próprios (diz-se de número) Obs.: cf. número deficiente ; p.opos. a abundante. Substantivo de dois gêneros. Rubrica: medicina, psiquiatria. 4. Aquele que sofre ou é portador de algum tipo de deficiência.”
E agora, como ficamos? Aleijadinho, o maior artista brasileiro do ciclo do ouro, justamente em Minas Gerais, onde ora procura o procurador censor, doravante terá seu verbete modificado para “portador de deficiência”, senão é preconceito? Os cardápios, cujos autores quiseram homenagear Camões (em expressão sinistra, é verdade, mas a efígie mais célebre apresenta o autor com um olho apenas, e como houve defeito de impressão, em algumas edições ele é cego do olho direito; em outras, do olho esquerdo)?
Valha-nos, Deus! Essas coisas, sabemos como começam, começam sempre do mesmo jeito, mas não sabemos como terminam. É aí que mora o perigo.
Daqui a pouco os retrógrados pegam alguém de grande popularidade e a personalidade vai à mídia defender a censura aos livros que ele e seus asseclas nunca leram e jamais consultaram. Pior. Vão pedir a condenação dos autores.
Mas para quem nunca leu um livro, todos eles estão previamente e para sempre censurados.
Interessante que “nois pega o peixe”, pode; dar às coisas os nomes que elas têm, não.
***
[Deonísio da Silva é doutor em Letras pela USP e vice-reitor da Universidade Estácio de Sá; autor de 34 livros, o mais recente é o romance Lotte & Zweig]

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