DIA INTERNACIONAL DA
M U L H E R
A DATA PASSOU EM BRANCO
Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
Em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a imprensa brasileira não encontra melhor homenagem do que contar a história da jovem holandesa que ganhou processo contra uma agência de modelos, que a demitiu por ser considerada “cadeiruda”. A “notícia” foi comentada até em programa esportivo, com as apreciações machistas de praxe.
No mais, vasculha-se os jornais e não há referências de destaque sobre a efeméride, embora haja muito a dizer sobre o papel da mulher na sociedade brasileira contemporânea.
No meio do noticiário geral, registro para a estreia da nova regente da Orquestra Sinfônica de São Paulo, Marin Alsop, no “Caderno 2” do Estado de S.Paulo – que dedicou seu suplemento “Paladar” ao público feminino. A intenção, explícita na manchete da primeira página do caderno, é brincar com a ideia de que lugar de mulher é na cozinha... e na adega, no alambique e no terreiro de café.
“Depois de dominar a física nuclear e pilotar jato, as mulheres querem agora conquistar... a cozinha”, diz o jornalão paulista, com reportagens sobre a presença feminina nas cozinhas dos grandes restaurantes e também na produção de cachaça e café de qualidade. Os editores do jornal parecem ignorar que as mulheres têm posição de destaque nos estudos de física avançada desde o início do século 20.
Fiel ao seu espírito provocador, a Folha de S.Paulo traz em sua seção “Tendências/Debates” artigo de uma filósofa de 25 anos de idade no qual a jovem, apresentada à “ágora” midiática por seu orientador no mestrado, o também articulista Luiz Felipe Pondé, afirma que as mulheres nada devem ao feminismo.
Seu texto aborda apenas a questão do trabalho, restringindo a ação do movimento feminista exatamente ao aspecto que nunca dependeu de slogans e manifestações para se consolidar – porque o ingresso de mulheres no universo de atividades produtivas antes ocupado exclusivamente por homens se deve mais às conveniências do sistema econômico do que à queima de sutiãs em praça pública.
Não chega a ser uma curiosidade intelectual nem deve instigar preconceitos por conta da idade da pensadora. Afinal, é na juventude que se constroem as idiossincrasias que movem o mundo. Galardoada com um título aparentemente paradoxal como um mestrado em Ciências da Religião, é bem possível que a moça tenha muito a dizer, embora sua primeira oportunidade na mídia não revele exatamente um fenômeno.
Tetracampeões em felicidade
Mais interessante, com relação ao universo feminino, é a reportagem sobre o ranking mundial da felicidade, este sim um tema que remete diretamente ao Dia Internacional da Mulher.
Na pesquisa feita pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas em parceria com a consultoria Gallup, o Brasil aparece em primeiro lugar, pelo quarto ano consecutivo, entre os povos mais felizes do mundo. O estudo, que teve como base 200 mil cidadãos de 158 países, mede o grau de satisfação das pessoas no presente e sua expectativa para os próximos cinco anos.
O brasileiro aparece como o povo mais feliz hoje e mais otimista com o futuro. E o que isso tem a ver com a emancipação feminina tão deplorada pela articulista? – perguntaria a leitora mais arguta. Tem tudo a ver pelo fato de que, na amostragem brasileira, a pesquisa revela que as mulheres são mais felizes que os homens.
Segundo o coordenador da pesquisa, o economista Marcelo Neri, isso é resultado do maior nível de educação conquistado pelas mulheres nos últimos anos. De acordo com o pesquisador, educação traz felicidade porque se traduz em renda e, consequentemente, em uma vida melhor.
As mulheres brasileiras são mais felizes e otimistas porque, de modo geral, percebem a evolução de sua condição real na sociedade, que lhes permite um protagonismo mais efetivo. Segundo o relato da imprensa, as mulheres solteiras são mais felizes que as casadas no mundo inteiro, mas essa condição se deteriora com a idade. As mulheres que têm filhos menores de quinze anos também são mais felizes do que as que não têm filhos, segundo a pesquisa.
Os dados, importantes para o planejamento de políticas públicas e para a estratégia das empresas, se completam com outra pesquisa, também divulgada nesta semana pelo economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV. Trata-se da marca de doze anos seguidos em que o Brasil vem reduzindo a desigualdade social. Segundo o último estudo disponível, o Brasil atingiu o menor índice de desigualdade em janeiro deste ano.
As mulheres têm tudo a ver com isso. Mas o Dia Internacional da Mulher passa sem que a imprensa tenha feito essa conexão.
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8 de Março: Só flores não bastam!
Por Fátima Oliveira
O Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, foi proposto em 1910, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, organizada por Clara Zétkin (1857-1933) e Rosa de Luxemburgo (1871-1919); compareceram delegadas de 16 países, representando cerca de 100 milhões de mulheres socialistas. Elas definiram a data como Dia Internacional da Mulher e reafirmaram as resoluções da 1ª Conferência, realizada em Stuttgart, na Alemanha, em 1903: igualdade de oportunidades para as mulheres no trabalho e na vida social e política; salário igual para trabalho igual; ajuda social para operárias e crianças; e intensificação da luta pelo voto feminino.
A pretensão das socialistas provocou duros embates no movimento de mulheres da Europa entre 1907 e 1910. Sobre a data, em 1917, na Rússia, Alexandra Kollontai (1872-1952) escreveu: “O dia das operárias, 8 de março, foi uma data memorável na história. Nesse dia, as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”. Na data estourou a greve das tecelãs de São Petersburgo, manifestação vigorosa que detonou as mobilizações que culminaram na Revolução de Outubro de 1917.
O 8 de março se firmou no mundo como um marco da milenar luta contra a opressão feminina. O maior problema na atualidade é não permitir a sua banalização como um dia em que as mulheres devem apenas receber flores. Evidente que flores em reconhecimento a uma jornada de lutas são bem-vindas, desde que não esqueçamos que praticamente 100% das reivindicações registradas na conferência de Stuttgart continuam atuais, pois ainda não se materializaram na vida das mulheres. Eis porque a luta continua e porque só flores não bastam!
Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile e diretora-executiva da ONU Mulheres, verbalizou, com absoluta propriedade, que a sua criação responde ao descontentamento geral com o ritmo lento da superação da desigualdade de gênero: “Historicamente, vivemos um momento de grandes potenciais e mudanças para as mulheres. Chegou a hora de agarrar essa oportunidade. A minha própria experiência me ensinou que não existem limites para as conquistas das mulheres”.
Hoje, a expectativa é em torno do que anunciará a presidente Dilma Rousseff. Eu ficaria imensamente feliz se suas propostas contemplassem em gestos uma carinhosa “mulheragem” a Alexandra Kollontai, única mulher que ocupou um cargo no primeiro escalão do governo após a Revolução de Outubro: comissária do povo (Comissariado da Assistência Social, equivalente a ministra de Estado do Bem-Estar Social). Sob o comando de Alexandra Kollontai, o referido Comissariado elaborou as novas leis do Estado soviético sobre os direitos da mulher – a legislação mais avançada de um país, em todos os tempos, inclusive legalizando o aborto.
As vitórias das soviéticas impulsionaram a luta pelos direitos da mulher em todo o mundo e até hoje são fonte de inspiração, demonstrando que todos os direitos humanos são possíveis quando há decisão política. Os países capitalistas, visando deter a simpatia crescente pelo socialismo, cederam na concessão de alguns direitos. Não há dúvidas de que o governo soviético foi o primeiro do mundo a abolir as leis que conferiam cidadania de segunda categoria às mulheres. Seria pedir muito que as brasileiras alcançassem, quase um século depois, o mesmo que as soviéticas conseguiram em 1917?
Ou vamos continuar “caminhando e cantando e seguindo a canção”?
* Artigo publicado no jornal mineiro O Tempo no 8 de março do ano passado
O Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, foi proposto em 1910, na 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, organizada por Clara Zétkin (1857-1933) e Rosa de Luxemburgo (1871-1919); compareceram delegadas de 16 países, representando cerca de 100 milhões de mulheres socialistas. Elas definiram a data como Dia Internacional da Mulher e reafirmaram as resoluções da 1ª Conferência, realizada em Stuttgart, na Alemanha, em 1903: igualdade de oportunidades para as mulheres no trabalho e na vida social e política; salário igual para trabalho igual; ajuda social para operárias e crianças; e intensificação da luta pelo voto feminino.
A pretensão das socialistas provocou duros embates no movimento de mulheres da Europa entre 1907 e 1910. Sobre a data, em 1917, na Rússia, Alexandra Kollontai (1872-1952) escreveu: “O dia das operárias, 8 de março, foi uma data memorável na história. Nesse dia, as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”. Na data estourou a greve das tecelãs de São Petersburgo, manifestação vigorosa que detonou as mobilizações que culminaram na Revolução de Outubro de 1917.
O 8 de março se firmou no mundo como um marco da milenar luta contra a opressão feminina. O maior problema na atualidade é não permitir a sua banalização como um dia em que as mulheres devem apenas receber flores. Evidente que flores em reconhecimento a uma jornada de lutas são bem-vindas, desde que não esqueçamos que praticamente 100% das reivindicações registradas na conferência de Stuttgart continuam atuais, pois ainda não se materializaram na vida das mulheres. Eis porque a luta continua e porque só flores não bastam!
Michelle Bachelet, ex-presidenta do Chile e diretora-executiva da ONU Mulheres, verbalizou, com absoluta propriedade, que a sua criação responde ao descontentamento geral com o ritmo lento da superação da desigualdade de gênero: “Historicamente, vivemos um momento de grandes potenciais e mudanças para as mulheres. Chegou a hora de agarrar essa oportunidade. A minha própria experiência me ensinou que não existem limites para as conquistas das mulheres”.
Hoje, a expectativa é em torno do que anunciará a presidente Dilma Rousseff. Eu ficaria imensamente feliz se suas propostas contemplassem em gestos uma carinhosa “mulheragem” a Alexandra Kollontai, única mulher que ocupou um cargo no primeiro escalão do governo após a Revolução de Outubro: comissária do povo (Comissariado da Assistência Social, equivalente a ministra de Estado do Bem-Estar Social). Sob o comando de Alexandra Kollontai, o referido Comissariado elaborou as novas leis do Estado soviético sobre os direitos da mulher – a legislação mais avançada de um país, em todos os tempos, inclusive legalizando o aborto.
As vitórias das soviéticas impulsionaram a luta pelos direitos da mulher em todo o mundo e até hoje são fonte de inspiração, demonstrando que todos os direitos humanos são possíveis quando há decisão política. Os países capitalistas, visando deter a simpatia crescente pelo socialismo, cederam na concessão de alguns direitos. Não há dúvidas de que o governo soviético foi o primeiro do mundo a abolir as leis que conferiam cidadania de segunda categoria às mulheres. Seria pedir muito que as brasileiras alcançassem, quase um século depois, o mesmo que as soviéticas conseguiram em 1917?
Ou vamos continuar “caminhando e cantando e seguindo a canção”?
* Artigo publicado no jornal mineiro O Tempo no 8 de março do ano passado
UM TEMPO SEM NOME
Rosiska Darcy de Oliveira, O Globo, 21/01/12
Com seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando madrigais para a moça do cabelo cor de abóbora, Chico Buarque de Holanda vai bater de frente com as patrulhas do senso comum. Elas torcem o nariz para mais essa audácia do trovador. O casal cinza e cor de abóbora segue seu caminho e tomara que ele continue cantando “eu sou tão feliz com ela” sem encontrar resposta ao “que será que dá dentro da gente que não devia”.
Afinal, é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os interditos que balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a uma faixa etária. O olhar alheio é mais cruel que a decadência das formas. É ele que mina a autoimagem, que nos constitui como velhos, desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo sujeito à impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida .
Proust, que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais abstrato dos sentimentos humanos. O príncipe Fabrizio Salinas, o Leopardo criado por Tommasi di Lampedusa, não ouvia o barulho dos grãos de areia que escorrem na ampulheta. Não fora o entorno e seus espelhos, netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo “um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho“, segundo Caetano, quem, por si mesmo, se perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como sempre fomos.
A vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao contrário, se mesclam e compõem uma identidade. O idoso não anula dentro de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que não se reconhecem. E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma foto, é também verdade que quem não se reconhece na foto, se reconhece na memória e no frescor das emoções que persistem. É assim que, vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou uma mulher de meia-idade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira.
Essa doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do esforço patético de camuflar com cirurgias e botoxes — obras na casa demolida — a inexorável escultura do tempo. O medo pânico de envelhecer, que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina e de uma vendedora de cosméticos a mulher mais rica do mundo, se explica justamente pela depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca.
Ninguém quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de perdas que começam com a da beleza e a da saúde. Verdadeira até então, essa depreciação vai sendo desmentida por uma saudável evolução das mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando era antes. Os dois ritos de passagem que a anunciavam, o fim do trabalho e da libido, estão, ambos, perdendo autoridade. Quem se aposenta continua a viver em um mundo irreconhecível que propõe novos interesses e atividades. A curiosidade se aguça na medida em que se é desafiado por bem mais que o tradicional choque de gerações com seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar.
A libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por progressos da medicina, reclama seus direitos na terceira idade com uma naturalidade que em outros tempos já foi chamada de despudor. Esmaece a fronteira entre as fases da vida. É o conceito de velhice que envelhece. Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de ser uma profecia que se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho.
”Meu tempo é curto e o tempo dela sobra”, lamenta-se o trovador, que não ignora a traição que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que conhecemos melhor que nossa própria alma, companheiro dos maiores prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em suas memórias escritas por Marguerite Yourcenar.
Todos os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo para ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera, espectadores conformados e passivos da degradação das células e dos projetos de futuro, aguardando o dia da traição.Chico, à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura , ora música, cantando um novo amor, é a quintessência desse fenômeno, um tempo da vida que não se parece em nada com o que um dia se chamou de velhice. Esse tempo ainda não encontrou seu nome. Por enquanto podemos chamá-lo apenas de vida.
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA é escritora.
Essa Pequena
Chico Buarque
Meu tempo é curto, o tempo dela sobra
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela
Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la
Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai
Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora
Temo que não dure muito a nossa novela, mas
Eu sou tão feliz com ela
Meu dia voa e ela não acorda
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida
Acho que nem sei direito o que é que ela fala, mas
Não canso de contemplá-la
Feito avarento, conto os meus minutos
Cada segundo que se esvai
Cuidando dela, que anda noutro mundo
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai
Às vezes ela pinta a boca e sai
Fique à vontade, eu digo, take your time
Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas
O blues já valeu a pena
(Uma dica de Milson Melo)
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