José Serra, a âncora
Por Sérgio Lírio, na Revista CartaCapital
O mais impressionante das prévias do PSDB em São Paulo não foi a vitória apertada de José Serra, embora os magros 52,1% tenham causado muxoxos de analistas políticos que apostavam em um desempenho deslumbrante de quem foi presidenciável duas vezes, governador, prefeito e “o melhor ministro da Saúde” da história do Brasil, como ainda repetem os serristas. E de quem tinha o apoio irrestrito dos caciques partidários: do governador Geraldo Alckmin e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à avassaladora maioria das bancadas de deputados federais e estaduais.
Para os fundadores da legenda, realmente doloroso é constatar mais uma vez que sua verdadeira (ou talvez única) base de apoio social se resuma aos meios de comunicação. E talvez nem este segmento se mostre mais tão entusiasmado. Na terça-feira 27, em editorial, oEstado de S. Paulo não escondeu sua irritação: “O segundo resultado constrangedor (das prévias) foi a própria vitória de Serra (…) tal desfecho foi a proverbial vitória de Pirro, sem tirar nem pôr”.
Dos cerca de 20 mil militantes aptos a votar, pouco mais de 6 mil exerceram o direito no domingo 25. Desse minúsculo grupo, que passou sete meses embalado pela crença em um átimo de democracia e revitalização interna, até tomar o banho frio da “imposição” na disputa do nome do ex-governador, Serra amealhou 3,2 mil votos. Em segundo lugar ficou o secretário estadual de Energia, José Aníbal, com 31,2% do eleitorado. Ricardo Trípoli somou 16,7%.
Dos cerca de 20 mil militantes aptos a votar, pouco mais de 6 mil exerceram o direito no domingo 25. Desse minúsculo grupo, que passou sete meses embalado pela crença em um átimo de democracia e revitalização interna, até tomar o banho frio da “imposição” na disputa do nome do ex-governador, Serra amealhou 3,2 mil votos. Em segundo lugar ficou o secretário estadual de Energia, José Aníbal, com 31,2% do eleitorado. Ricardo Trípoli somou 16,7%.
A etiqueta nesses momentos exige a troca de afagos e discursos de louvor à união partidária. Não foi diferente. O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, afirmou que o partido saía “fortalecido” das prévias. Aníbal e Trípoli prometeram empenho total na campanha à prefeitura, apesar da derrota para um oponente a favor do qual a burocracia interna manipulou as prévias – e a despeito da visão de mundo que os separa irremediavelmente. Antes das urnas abertas, não se via tanta cordialidade. Correligionários dos candidatos derrotados espalhavam a história de que militantes tucanos com cargos em subprefeituras da capital teriam sido coagidos a votar no ex-governador, sob a ameaça de perder seus empregos. Como em pleitos interioranos, não faltaram o transporte gratuito e o vale-alimentação para estimular a “militância”.
Serra exaltou as prévias e anunciou a pretensão de buscar alianças entre o que chamou de “esquerdas democráticas”. Citava em especial três legendas: PDT, PCdoB e PSB. Desses, talvez o mais propenso a embarcar na candidatura tucana seja o PDT. No Vermelho, seu site oficial, o PCdoB rechaçou a possibilidade.
Os comunistas têm tido desavenças crescentes com o PT: reclamam da “voracidade” e da “arrogância” da legenda. Ressentem-se, em especial, do fato de os petistas resistirem em apoiar a deputada federal Manuela D’Ávila na disputa pela prefeitura de Porto Alegre. Na terça-feira 27, a primeira pesquisa pública de intenções de voto mostrou um empate técnico entre D’Ávila e o atual prefeito da capital gaúcha, José Fortunati, do PDT. A parlamentar tem 31,3% ante 33,5% do pedetista. Adão Villaverde, do PT, aparece em terceiro, com 10%. O petista, vê-se, terá peso no desenrolar da eleição. Mesmo assim, as divergências nacionais não parecem suficientes para comprometer uma provável aliança em São Paulo.
O PSB integra o governo Alckmin, sua principal liderança paulista, Márcio França, defende uma coalizão com os tucanos, mas o presidente nacional da agremiação, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, disse não haver possibilidade de apoio a Serra. Na segunda-feira 26, durante um encontro com Lula, do qual participaram também o presidente do PT, Rui Falcão, e o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, Campos reafirmou a intenção de formalizar uma aliança com Fernando Haddad.
Segundo fontes petistas, Lula teria se irritado com o fato de Campos forçar mudanças no acerto. Antes da entrada de Serra na disputa, o governador pernambucano teria prometido apoio incondicional a Haddad. Agora, a conversa seria outra. Incomodado com a indecisão petista em várias cidades, o PSB cobra respostas rápidas. Em Belo Horizonte, por exemplo, o PT topou apoiar a reeleição de Márcio Lacerda desde que o PSDB não integre a aliança formal. O problema é que Lacerda se elegeu em 2008, apoiado por tucanos e petistas após o célebre acordo entre Aécio Neves e Fernando Pimentel. O PT reluta ainda em apoiar Jonas Donizette em Campinas (a tendência é o partido lançar Marcio Pochmann, atual presidente do Ipea) e ainda não definiu seu candidato no Recife.
Campos tem, em contrapartida, postergado uma definição a respeito de São Paulo. Na mesma semana do encontro com Lula, em passagem por Brasília, o governador de Pernambuco listou entre as alternativas do PSB o lançamento de candidatura própria em São Paulo. Como argumenta um experiente observador do ambiente eleitoral brasileiro, o momento é de cada um valorizar seu passe. Todos os partidos alegam ter nomes “competitivos”. O tempo de vida desse discurso é curto: até maio ou junho, os campos da disputa estarão definidos.
Com 30% de intenções de voto, Serra acena a esmo, mas sabe ter poucas chances de atrair outros partidos além dos velhos aliados PPS e DEM e do PSD do prefeito Gilberto Kassab, que lhe devota lealdade absoluta. Terminadas as prévias tucanas, voltou a circular o nome do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, hoje no PSD, para vice do ex-governador. Meirelles chegou a ser cogitado para a mesma posição na chapa de Haddad, quando Kassab negociava com o PT. O ex-banqueiro não deve agregar novos votos à chapa encabeçada pelo PSDB, mas será essencial para atrair financiadores da campanha.
Haddad, por seu lado, continua preso à areia movediça. Está estagnado nos 3% das intenções de voto e não consegue criar nenhum fato que o impulsione. Para piorar, o PT perdeu o tempo de tevê a que teria direito no primeiro semestre. O partido foi punido pelo Tribunal Superior Eleitoral, por campanha antecipada a favor de Dilma Rousseff em 2010. O horário gratuito seria uma boa chance de apresentar um candidato ainda desconhecido pela maioria da população. Sua esperança é a recuperação de Lula, seu maior cabo eleitoral. Na quarta 28, o Hospital Sírio-Libanês anunciou o desaparecimento dos tumores na garganta do ex-presidente, que no mesmo dia postou uma mensagem em seu portal na internet para anunciar o desejo de voltar em breve à ação política.
Já Gabriel Chalita, do PMDB, com 7% nas pesquisas, aproveita o tempo para reforçar seus contatos com empresários, grupos religiosos e a classe média tradicional. Chalita e Haddad selaram um pacto de não agressão no primeiro turno e o peemedebista concentra suas críticas em Serra, a quem chama de “vingativo” e atribui a intenção de novamente abandonar a prefeitura no meio do mandato, desta vez a favor de sua eterna obsessão: alcançar a Presidência da República em 2014.
Promiscuidade entre Estado e Governo
por Álvaro Rodrigues do Santos
Ariane Minouchkine, fundadora e diretora do Théâtre du Soleil, em um determinado momento de antiga entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ressalvou orgulhosamente que sua companhia recebia recursos do Estado francês e não do Governo do país. Quis pontuar essa grande mulher que aí se colocava uma enorme e profunda diferença ética.
Se a atual polêmica sobre a ética na administração pública contribuir para que se perceba que uma das principais raízes de nossos maiores males públicos está na cultural promiscuidade com que são entendidos e se relacionam no país Estado e Governo, já terá sido extremamente positiva em seus resultados educativos. Entendidos aqui o Governo como a expressão da vontade política da população para, renovada e periodicamente, definir e conduzir as políticas públicas inerentes ao desenvolvimento econômico e social do país e ao bem estar da sociedade, e o Estado como o aparelhamento técnico-administrativo-gerencial permanente envolvido na gestão e execução das mais diversas atividades e serviços públicos nos campos da Saúde, do Saneamento, da Educação, dos Transportes, das Telecomunicações, da Energia/Mineração, do Meio Ambiente, da Justiça, etc.
Enfim, exemplificando para firmar conceitos, Secretaria da Saúde é Governo, Hospital das Clínicas é Estado; Ministério de Minas e Energia e Secretarias afins são Governo, Furnas, Petrobrás, CESP, CPRM, DNPM são Estado; Ministério e Secretarias de Estado dos Transportes são Governo, DNIT, DERSA e Metrô são Estado, Ministério e Secretarias do Meio Ambiente são Governo, IBAMA e CETESB são Estado. Como são Estado Sudene, Codevasf, Correios, Infraero, Dataprev, Embrapa, Eletrobrás, IPT…
Como costume trágico e culturalmente arraigado, cada novo governo, seja em nível federal, estadual ou municipal, tem desgraçadamente todo o Estado à sua disposição para a acomodação das composições políticas que lhe dão sustentação. A cada novo mandato loteiam-se e mudam-se assim todas as direções e comandos dos instrumentos de Estado, seja na administração direta, seja na indireta. Conseqüência deletéria natural é a descontinuidade de programas, de estratégias de conduta, das políticas de curto, médio e longo prazos, a desimportância para com a competência técnica, o descompromisso pelo zelo ético nas licitações e nas relações institucionais. A propósito, o uso político menor do Estado brasileiro e as graves conseqüências na eficiência de sua gestão explicam em boa parte a perniciosa, e também cultural, dissociação de confiança entre Estado e Sociedade.
Operar essa “desassociação” entre Estado e Governo não será fácil, muitos a quem caberia essa tarefa sentiriam estar “cortando a própria carne”, para utilizarmos uma expressão da moda. Como em outras questões similares, somente mesmo a vontade manifesta da sociedade terá a força necessária para a mudança dos atuais costumes. A proposta de uma legislação que bem delimitasse os espaços entre Governo e Estado poderia constituir o oportuno mote para um profundo e politizador debate da matéria. Que nos leiam os bons legisladores.
Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é geólogo. Foi diretor de Planejamento e Gestão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), onde foi também diretor da Divisão de Geologia. Ex-diretor geral do Departamento de Ciência e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo.
Fonte: www.viomundo.com.br
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