Os "gargantas rasas" do Brasil
Dirceu Martins Pio (*)
As notícias que levaram à queda de ministros do governo Dilma Rousseff têm cheiro de “prato pronto”. Há méritos da mídia em publicar, com algum destemor, o prato pronto, mas continuamos como d’antes na terra de Abrantes: a mídia, eletrônica ou impressa, está longe de demonstrar que recuperou o antigo brilho investigativo. Enxergar nesse noticiário indícios de “saúde dos jornais” é o típico erro acadêmico, vindo de quem nunca frequentou uma redação de verdade.
Os jornais no Brasil estão enfermos. Vivem do prato feito, como aquele que a enfermeira deposita na cabeceira da cama do hospital. Operam sempre em média bandeira, ou seja, nos limites do prato feito: não conseguem ir além dos documentos que lhes são entregues de mão beijada pelos “gargantas profundas”, ou melhor, pelos “gargantas rasas”, no caso do Brasil.
W. Mark Felt, falecido em dezembro de 2008, aos 92 anos de idade, foi a principal fonte onde beberam os repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal Washington Post, que desvendaram o escândalo de Watergate e produziram a renúncia do presidente Richard Nixon. Felt fora diretor do FBI durante o esquema de espionagem montado pelo Partido Republicano na sede do Partido Democrata durante a campanha pela reeleição de Nixon. Howard Simons, editor do jornal, apelidou a principal fonte do jornal de “Garganta Profunda”, fazendo uma alusão ao famoso filme pornô lançado em 1972.
Eleger prioridades
O Brasil também está cheio de “gargantas profundas” – ou melhor, de gargantas rasas – e a sociedade deve a eles –e quase tão somente a eles – a queda de ministros do governo Dilma Rousseff. Podem ser chamados de “gargantas rasas”, em contraponto ao “garganta profunda”, porque não têm interesse na apuração de toda a verdade. Têm interesse apenas na deposição do ministro. Param por aí. E a mídia – isto é o que existe de dramático nesses casos – para junto com eles. Não continua no caso, não aprofunda as informações. Contenta-se também em alardear a façanha de haver derrubado mais um ministro. É pouco. É muito pouco.
Em seu programa de entrevistas nas madrugadas da Globo, Jô Soares, durante o desenrolar do mensalão, reunia um grupo de mulheres, jornalistas especializadas em política, para comentar e debater os fatos da temporada. O grupo ficou conhecido como as “meninas do Jô”. Era sempre patético quando elas, uma virada para a outra, se perguntavam: “De onde será que veio o dinheiro do mensalão?”, como se jornalistas não tivessem por obrigação descobrir.
De lá para cá, nada mudou. De onde veio o dinheiro do mensalão ? Quais eram os clientes de Antônio Palocci? Quando algum garganta rasa não se dispõe a colaborar, a mídia ignora. Está certo que se ela fosse aprofundar todos os casos de corrupção, não faria outra coisa na vida, mas isto não explica a cobertura burocrática, apática e sintomática dessa crise que se abate sobre os jornais. É preciso eleger prioridades e o compromisso com os leitores não termina quando cai o ministro, mas apenas quando o ministro corrupto vai para a cadeia e devolve aos cofres públicos o dinheiro que desviou.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil e atual consultor em comunicação corporativa]
Fonte: Observatório da Imprensa
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Diploma de jornalista é idiotice
Gianni Carta
Como definir o jornalista? “Qualquer um que fizer jornalismo”, responde o escocês Andrew Marr no seu livro My Trade (Pan Books, 2005, 300 págs). Jornalista de mão cheia, ex-editor do diário The Independent e da Economist, Marr diz quem são as pessoas mais propensas a mergulhar no jornalismo: “bêbados, disléxicos e algumas das pessoas menos confiáveis e mais perversas da Terra”.
Mas há consolo no livro de Marr, consagrado à história do jornalismo britânico. “Tirando o crime organizado, o jornalismo é a mais poderosa e agradável antiprofissão”.
Marr, de 51 anos, causaria um grande alvoroço no Senado brasileiro. Por dois motivos. Primeiro, porque sua ironia seria levada a sério pela maioria dos senadores. Em segundo lugar, Marr formou-se em Letras.
E aí mora o problema.
Marr, iconoclastia à parte, não seria considerado um jornalista pelos senadores brasileiros pelo fato de não ter estudado jornalismo.
O Senado acaba de aprovar uma proposta de emenda constitucional para tornar obrigatório o diploma de nível superior para o exercício do jornalismo. Haverá outra votação no Senado. Se a emenda for aprovada será analisada pelos deputados.
Claro, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubará a medida (se aprovada pelos deputados). Em junho de 2009, vale recapitular, o STF acabou com a exigência do diploma para jornalistas. A norma era incompatível com o princípio de liberdade de expressão.
Mas o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), autor da proposta, não concorda com o STF. “Todas as profissões têm o seu diploma reconhecido, menos o diploma de jornalista, o que é uma incoerência, uma distorção na legislação brasileira”, declarou.
E senadores, precisam de diploma? Nenhum.
Basta ter nacionalidade brasileira e mais de 35 anos de idade. Na França qualquer deputado graduou-se no mínimo em ciências políticas. E isso fica claro nos discursos na Assembleia Nacional e no Senado. Lá fala-se em ideologia partidária, entre outros temas aqui ignorados.
E aqui aproveito para fazer uma sugestão: já que jornalistas precisam, segundo os senadores, de diploma, por que não aplicar a mesma proposta para os senadores brasileiros? Os debates, quiçá, se tornariam mais fecundos.
Certo é que, de forma geral, os colegas formados por universidades de jornalismo a pipocar Brasil afora, quase todos a trabalhar para a mídia ultraconservadora, não têm contribuído para melhorar o nível da mídia.
Os grandes diários brasileiros, com colegas com canudo de jornalista ou não, são ilegíveis. Por exemplo, um dos destaques da Folha de São Paulo na quinta-feira 1º é que a apresentadora Fátima Bernardes “deve deixar a bancada do ‘Jornal Nacional’”. Ela estaria “cansada”.
Eis a questão: o nível das escolas de jornalismo é baixo, ou seriam os patrões que limitam o trabalho de apuração dos repórteres – e principalmente dos colunistas? Seriam as duas coisas? Como dizia o grande jornalista italiano Enzo Biagi (outro que não tinha diploma de jornalista): “Meus únicos patrões sempre foram meus leitores”.
Nos Estados Unidos e na Europa o canudo de jornalista não é necessário para exercer a profissão. Basta um diploma, isto é, uma especialização. Lá é comum estudantes com ambições jornalísticas trabalharem nos jornais das universidades enquanto se formam em história, ciências políticas, economia, etc. Na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, por exemplo, alunos de diferentes departamentos trabalham no excelente diário Daily Bruin, distribuído gratuitamente no campus e nos bairros em torno de Westwood, onde fica a UCLA.
Na França e no Reino Unido ninguém precisa de diploma de jornalista para trabalhar na mídia. Marr, que especializou-se em literatura inglesa em Cambridge, oferece: “Tudo que o jornalista precisa é ser curioso e saber farejar uma boa história. E mesmo dominando a gramática, só se aprende a escrever escrevendo”.
Vale acrescentar: o jornalismo se aprende indo à rua. “É preciso tirar a bunda da cadeira”, martelava Reali Jr.
O repórter tem de continuar a praticar esse método inclusive para entender o que escreve. Precisa usar os fatos com honestidade, mas ao mesmo tempo tem de entender que o jornalismo tem seus limites, não é uma ciência. Ah, e sempre que possível o senso de humor ajuda. O diploma de jornalista só serve para enfeitar parede.
Fonte: www.cartacapital.com.br
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