28 dezembro 2011

COISAS DO BRASIL

Transparência e mau-olhado

Por Nirlando Beirão 

Enquanto Lula enfrenta o câncer publicamente, cientistas políticos de fachada ruminam um mal disfarçado gozo doentio. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
A se tomar cultura no sentido amplo que lhe dão os antropólogos – o conjunto de representações simbólicas com as quais se identifica determinado grupo – o câncer do Lula é o acontecimento cultural do Brasil em 2011. Nunca antes neste País uma doença teve o condão de revelar tantos significados emblemáticos e tantas patologias sociais.
Subjacente ao drama pessoal do ex-torneiro mecânico tornado presidente da República reavivam-se crendices, mitos, a mesma intolerância, a mesma intransigência que vêm espreitando cada ato da longa trajetória política de Lula, fazendo borbulhar no caldeirão das mentalidades, elas, sim, -doentias, um vingativo contentamento – como se, da mesma forma como ocorre em certos crimes hediondos, a culpa pudesse ser da vítima.
Foi, aliás, nas vizinhanças do Dia das Bruxas que se divulgou a novidade – “uma bomba”, reagiu uma delas, ruminando mal disfarçado gozo, bruxa radiofônica a bordo de sua fachada de “cientista política”. Indiferente mais uma vez aos efeitos da mandinga e do mau-olhado, Lula decidiu agir com transparência: convenceu a equipe médica, naquele mesmo dia 29 de outubro, de que não havia porque sonegar a informação ao País e instruiu o Hospital Sírio-Libanês a divulgar um boletim relatando a verdadeira natureza de sua doença, um tumor maligno na laringe.
A partir daí, vive o paciente à mercê de um penoso tratamento e de uma natural incerteza, enquanto divide-se a nação entre o susto, a perplexidade, a compaixão, mas também a raiva, o desprezo, o ressentimento, requentados agora pela reconfortante sensação de que, se o adversário é invulnerável na política, há de ser frágil na vida. Atribui-se ao escritor Otto Lara Resende a frase de que o mineiro só é solidário no câncer. No que diz respeito ao mais admirado líder político do País em todos os tempos, há patrícios seus que paradoxalmente nem nesse caso lhe são simpáticos.
Noticiada a doença, assistiu-se de cara a um denso “Momento Sigmund Freud” por parte daquelas tias de Brasília, muito poderosas, as quais sempre fizeram do ofício de informar o exercício impenitente do vodu contra o tosco metalúrgico arvorado em prócer político. Por um minuto, devem ter saboreado a exultante certeza de que suas novenas fervorosas não foram em vão. Uma delas chegou a aventar, feliz da vida, a ironia de Lula, o tribuno, o orador, o incurável falador, ser atacado exatamente no gogó. Se o ex-presidente é mestre por convencer pela palavra, que ele, então, em castigo dos céus, pague pela língua (a tia deixou nas entrelinhas o arfar de -donzela -injuriada).
Propagou-se a partir daí o tremendo festival de subpsicanálise de auditório, reiterando a crença de que o câncer do Lula, ainda que não seja um recado dos deuses, é uma punição terrena. “Não é surpresa”, balbuciou a comentarista Lúcia Hippolito, da CBN (leia-se das Organizações Globo). “Não é surpresa, tendo em vista o abuso da fala do presidente que jamais teve um exercício de fonoaudiologia, de nada disso, e ‘tava no palanque todo santo dia’, tabagismo, alcoolismo…” Agindo como bedel de colégio interno, a comentarista acrescenta uma interessante avaliação sobre a qualidade da voz de Lula (roufenha), deixando claro que, a depender dela, já teria compulsoriamente cassado aquele desagradável timbre antes mesmo do câncer.
Nem as mais rasteiras manifestações de pensamento mágico por parte dos pigmeus da Botsuana haveria de se comparar, em mediocridade, ao debate nacional sobre Lula e seu mal. Correu por aí, no bojo dos palpites palavrosos, o mito de que o câncer tem causa psicossomática. A ciência moderna repudia isso como uma rematada besteira. Câncer é uma transformação maligna na célula que nada tem a ver com o estado de espírito da vítima. Existe, sim, um fator socioambiental a interferir na dialética saúde-doença, mas daí a estabelecer uma correlação entre a pororoca vernacular do Lula e seu tumor maligno já é ir longe demais no atoleiro pseudocientífico.
Faz lembrar – desculpe a digressão – a teoria que o delirante Wilhelm Reich erigiu em torno de seu antigo mentor, Sigmund Freud, quando o mestre da psicanálise caiu vítima de um câncer na garganta. A tese de Reich era mais ou menos essa: para fazer da psicanálise uma disciplina socialmente aceita, para retirar dela toda aspereza revolucionária, de desafio ao status quo, depurando, por exemplo, o que ela trazia de mais inquietante no quesito sexualidade, Freud teve de negociar, de acochambrar, de engolir muito sapo. Consequência: câncer entalado na goela. Esqueceu-se Reich do detalhe banal de Freud ter fumado, a vida toda, 20 charutos mata-ratos por dia. Inclusive enquanto assistia seus pacientes no divã.
Repetindo: no caso de Lula, tratam-se de meros subterfúgios em torno da mesquinha desforra ao estilo “bem feito!”. Uma variação aggiornata de antiquíssimos rancores contra o operário quando ele se aprumava em terno e gravata e contra o mandatário que, na condução da sexta maior economia do mundo por oito anos, ousou comprar um jato à altura do seu cargo, de sua liderança e do seu País. Torciam, no íntimo, para Lula se esborrachar no solo com o avião decrépito. Ao se evidenciar a má fé, passaram a sugerir que o Boeing seria mero capricho pessoal, como se, ao deixar a Presidência, Lula fosse taxiar o “Aero Lula” na garagem de seu prédio em São Bernardo.
Os eleitos do privilégio jamais se conformaram ao ver o nordestino sans lettres et sans coulotteinvadir o cenáculo dos bien nés. Pior: magoou a eles o sucesso internacional da criatura. Coube-lhes, sempre, a reação do deboche. Acionam, agora, de novo, insensíveis a qualquer arroubo de humanidade, a artilharia do escárnio. Pois o impenitente ídolo da senzala cometeu o desatino de buscar, na Casa Grande, os recursos clínicos e tecnológicos para a cura. Internou-se num hospital de excelência: o Sírio-Libanês, de São Paulo. Paga as contas com seu dinheiro – e seu seguro de saúde. Como teria direito qualquer ser humano. Mas tem gente que sequer concede ao Lula o direito de se sentir um ser humano.
O esgoto foi destampado nas redes sociais. Entre os anônimos que festejaram abertamente a enfermidade e outros que chegaram a sugerir que se tratava de uma farsa para induzir à comiseração alheia, trafegou a incessante pergunta: por que é que Lula não optou por se tratar na vala comum do Serviço Único de Saúde, o SUS? Por que é que o otimista porta-voz das recentes conquistas sociais da nação, recorre, quando necessitado de assistência médica, a um serviço privado de saúde?
O rastilho da cobrança se alastrou: por que Lula não entrou na fila, como o zé-povinho? Espalhou-se a reclamação, reiteradamente, do pundit Elio Gaspari à tuiteira Luana Piovani. Os ranzizas light aliviaram: não que Lula não mereça os melhores cuidados, absolutamente não, mas ele deveria dar o exemplo. “Não que ele esteja moralmente obrigado a tanto”, escreveu um fanático do antilulismo. Mas já que ele fala tanto em povo e elite, “não se lhe está desejando mal nenhum, mas se cobrando coerência”.
O webfenômeno Lula-no-SUS comporta preconceito – duplo, triplo, múltiplo – e ignorância. Saúde de qualidade, só para os privilegiados, defendem os falsos arquitetos da simetria social. O Sapo Barbudo que pague o preço de ter se candidatado a mudar a situação e de fazer sonhar os pobres. Não é difícil calcular que 99% das pessoas que queiram remeter Lula para o sistema público de saúde não tenham a menor noção de como ele funciona, não façam a menor questão de entendê-lo e, lá no fundo, estejam olimpicamente se lixando para os pobres diabos que recorrem a ele. Dane-se o SUS.
Vozes de bom senso trataram de fazer o necessário contraponto. O ex-presidente FHC viu nas reações anti-Lula o ranço de elitismo. Na mesma linha alertou, isento de qualquer suspeita de parcialidade, o deputado Marcus Pestana, do PSDB de Minas Gerais. “Sempre me incomodaram visões desinformadas e preconceituosas que faziam uma associação superficial e imediata entre SUS e caos”, escreveu Pestana para o jornal O Tempo. “Recente pesquisa do Ipea mostrou que a avaliação positiva dos que utilizam os serviços do SUS é três vezes superior a daqueles que possuem saúde complementar e, portanto, têm uma visão externa e municiada por narrativas que distorcem a realidade.”
Lula encara hoje a realidade de um mal agudo – se bem que curável. Submeteu-se, sorridente, sob os doces cuidados de dona Marisa, ao sacrifício da barba e dos cabelos. Dá para imaginar o que sentiu ao se desfazer do adereço facial que lhe constituiu a mística. Muito do vigor combativo do Lula do passado se exprimia simbolicamente nos fios revoltos de sua barba. Ao se aproximar do poder, Lula pacificou-os, numa arquitetura que reiterava o candidato à concórdia e à cordialidade, como se fosse um político da República Velha. O que era rebeldia passou a sinalizar sabedoria.
Ao se olhar hoje no espelho, Lula há de estranhar. É difícil reencontrar-se com uma criatura que, de repente é você e também não é. Mas a batalha de agora consola o sacrifício.

Fonte: www.cartacapital.com.br

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O Brasil tem programa social ‘for export’


Por Tão Gomes


Dilma Roussef anunciou que está preparando a “Bolsa Gestante”. Vamos ver como a turma da Avenida Paulista vai reagir. Foto: Eric Feferberg/AFP
Na virada do século XIX era o café. O Brasil chegou a ser chamado de “rei café” e contribuiu para a construção de inúmeros palacetes da Avenida Paulista, um dos contrafortes da elite brasileira.
Hoje a pauta de exportação do País é rica e variada. No entanto há um item sempre esquecido: a exportação de programas sociais.
No seu “Café da Manhã com a Presidenta” de segunda-feira 26, Dilma Roussef colocou mais um programa exportável: “O Brasil sem Miséria”. E o governo acaba de anunciar um aperfeiçoamento no programa “Minha Casa, Minha Vida”. Especialmente para os idosos.
Os programas sociais brasileiros, tantas vezes questionados por porções consideráveis das chamadas classes conservadoras e por setores da oposicão,  são hoje imitados por dezenas de governos. A grande atração nesse campo continua a ser o Bolsa Família.


Desde sua criação, no final de 2003, até setembro deste ano, mais de 5,8 milhões de famílias deixaram de receber as transferências de renda do governo federal.
Prova de ineficiência do programa? Ao contrário. Prova do seu sucesso.
Cerca de 40% de familias deixaram de receber a bolsa simplesmente porque aumentaram sua renda per capita e “estouraram” o limite  de renda previsto.
Nas contas do Ministério do Desenvolvimento Social, o número de famílias que tiveram as transferências canceladas por esse critério é de 2,227 milhões nos últimos oito anos.
Segundo o jornal  O Estado de S.Paulo, em reportagem recente assinada por Lisandra Paraguassu, atualmente ao menos 14 países copiam ou planejam copiar o Bolsa Família.
De acordo com a repórter, que ouviu o embaixador Marcos Farani, presidente da Agência Brasileira de Cooperação, o Brasil tem programas conjuntos com 65 países. “Eu diria que em todos existe algum programa inspirado nos nossos programas”, acrescentou Farani.
As dificuldades para a implantação de um Bolsa Familia, no entanto, costumam assustar muitos  governantes interessados em repetir em seus países a popularidade obtida por Lula com esse programa.
O Bolsa Familia exige, além de recursos, uma estrutura complexa, uma capilaridade enorme e uma rede bancária eficiente, explica o embaixador.
Eu acrescentaria que também é necessário não se deixar abater por críticas do tipo “desestímulo ao trabalho” e outras do gênero, ainda muito comuns.
A verdade é que a quinta economia do mundo ainda acumula um estoque de 16 milhões de pessoas com renda abaixo da linha de pobreza, ganhando até 70 reais por mês.
Tiago Falcão, secretário nacional de Renda de Cidadania do MDS, explicou, ao jornal Valor, em outra reportagem recente, que as saídas do Bolsa Família não podem ser atribuídas somente aos benefícios, hoje entre 32 e 360 reais, dependendo do número de filhos.
Há dezenas de razões que explicam o cancelamento da transferência no período, como, por exemplo, o não cumprimento de condicionalidades na área de educação e saúde (117 mil famílias), revisão cadastral não concluída (613,1 mil famílias) e até mesmo decisão judicial (20 mil famílias).
Falcão ressalta que os dados de saída do Bolsa Família precisam ser vistos com cautela por se tratarem de um estoque. E ainda existe muita miséria nesse “estoque”. “Há sempre famílias entrando e saindo. E quem saiu pode ter retornado. E mesmo aqueles que alcançam o mercado formal de trabalho permanecem muito pouco tempo nessa situação, e para os grupos mais vulneráveis a rotatividade no emprego é ainda maior”, acrescenta.
A especialista no estudo da pobreza Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lembra que o número de famílias assistidas não se alterou e que há três anos varia entre 12,3 milhões e 12,8 milhões. “O importante é que o governo federal reconheceu que o número de indigentes é maior do que se pensava e nem todos recebem o benefício”, acrescenta.
Foi o que reafirmou Dilma Roussef,  no seu programa semanal de rádio. E anunciou que está preparando a “Bolsa Gestante”.
Vamos ver como a turma da Avenida Paulista vai reagir.

Fonte: www.cartacapital.com.br

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Drible nas crises


Por Marcos Coimbra


O ano de 2011 foi bom para o governo. Mas poderia ter sido melhor. Para a oposição, trouxe principalmente más notícias.
Ministros em queda e cena europeia exigem esforço extra de Dilma Rousseff para manter o prumo. Foto: Nikolay Doychinov/AFP
Quando começou o ano, o maior desafio que Dilma Rousseff tinha pela frente era assumir o lugar de Lula e não deixar que a maioria da população, que o aprovava enfaticamente, sentisse saudade. Ficasse com a sensação de haver perdido algo que prezava.
Isso, ela conseguiu e não foi um feito desprezível.
Se Lula tivesse terminado o mandato com perto de 90% de aprovação popular “apenas” pelas realizações objetivas de sua administração, a tarefa de Dilma já seria grande. Mas ele era também um presidente querido. O País sentia por ele afeição, seja pela história de vida, seja por sua capacidade de estabelecer uma comunicação calorosa com o cidadão comum. Para qualquer político, por mais experiente e habilidoso que fosse, seria um problema suceder alguém como Lula. Imagine-se para ela.

No exterior, Dilma é considerada uma importante liderança, que assumiu com naturalidade o papel de porta-voz de um Brasil com mais protagonismo. Dentro do País, seu trabalho à frente da Presidência é aprovado por cerca de 80% dos brasileiros. Quatro em cada cinco estão satisfeitos com o que ela faz. Os que reprovam o governo representam algo perto de 10%, um cidadão em cada dez.
Dilma chega ao fim de 2011 com muito que comemorar.
Resistiu ao desgaste de uma série de problemas que começaram em junho, com a demissão do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, e continuaram durante todo o segundo semestre. Seis ministros acabaram substituídos, quase todos por suspeita de irregularidades, algumas graves, outras menores. Em nenhum episódio foi vista como conivente ou tolerante. Atravessou-os como a maior interessada no seu esclarecimento, como quem queria aproveitar cada um para aprofundar a “faxina” na administração federal.

Enfrentou uma campanha para fazer da corrupção um tema capaz de mobilizar a opinião pública contra o governo. Não faltaram patrocinadores, das grandes corporações da mídia a algumas associações empresariais e grupos de pressão da direita. Fazia tempo que não se via tanta gente, nos principais veículos de comunicação, batendo, ao mesmo tempo, na mesma tecla.
Reagiu com competência ao agravamento da crise internacional ao adotar políticas destinadas a manter o consumo interno e aproveitar as oportunidades para impulsionar o crescimento da economia brasileira.
Subindo à tribuna para críticas ao governo Dilma, ao PT e elogios ao ex-presidente, o senador mineiro tenta o posto de 'farol' para os opositores. Da Redação. Foto: Geraldo Magelo/Ag. Senado
A maioria da população esperava que Dilma fizesse um governo de continuidade. Mais da metade votou nela por isso e muitos de seus não eleitores desejavam o mesmo. Não foi, aliás, por outra razão que seu adversário no segundo turno procurou se caracterizar como igualmente comprometido com a preservação do que Lula tinha feito. Enquanto manteve sua campanha em nível racional, Serra bem que tentou assumir o papel. Quem não se lembra dele dizendo que era o “Zé que vai continuar a obra de Lula”?
Prosseguir o trabalho de Lula tinha diversos significados: não interromper políticas claramente vinculadas a ele (como o Bolsa Família, o Prouni, o Minha Casa Minha Vida), insistir em uma política econômica comprometida com a elevação do consumo, continuar o esforço em prol da expansão do emprego e da renda. Se a expectativa era essa, Dilma a atendeu: chegamos ao fim de 2011 do modo como a população, no essencial, queria.
Em relação à economia, as pessoas se sentem razoavelmente tranquilas. De forma geral, acreditam que o nível do emprego será preservado e esperam que as condições da vida familiar melhorem nos próximos meses. A maioria sabe que existe uma crise internacional e se inquieta com ela, e teme a inflação. Mas tende a concordar com o que diz a mídia internacional, que estamos em condições mais favoráveis do que quase todo o mundo para enfrentá-la.
Quem olha as pesquisas de opinião espanta-se com o quase desaparecimento do desemprego como preocupação nacional. Hoje, é significativo apenas em regiões muito pobres, e tende a se tornar o quarto ou quinto no ranking dos problemas do País.

Enquanto permanecem preocupadas com a saúde e a precariedade da infraestrutura de transportes, os principais desafios dos governos, da União aos estados e municípios, as pessoas se interessam cada vez mais pela educação de qualidade. E na maioria tendem a dizer que o acesso a ela melhorou com Lula.
O que é realmente importante na avaliação de um governo?
Ilustração
Se o País vai fundamentalmente bem, se o desemprego cai, a educação cresce, existe um programa habitacional de grande escala, a população carente tem acesso a programas de complementação de renda, se as pessoas estão confiantes em relação ao futuro, qual é a surpresa de termos um governo aprovado? Qual o mistério do governo Dilma ser um dos mais bem avaliados do continente?
Há quem se espante com a falta de “indignados” em nossa paisagem política. Sua inexistência é lamentada por alguns, desde os que supõem que o Brasil teria uma espécie de obrigação de tê-los, pois estão na moda nos países desenvolvidos, aos que gostariam que enchessem as praças para enfraquecer o governo.
Mundo afora, “indignação” rima com o sentimento de que o governo não responde à população, se coloca contra ela. É esse o combustível que levou tanta gente aos protestos em diversos países. E é o que não temos no Brasil. Salvo as exceções de praxe, a sociedade brasileira não se sente alijada do governo Dilma, não se percebe em antagonismo a ele, não vê a presidenta como inimiga. “Indignar-se” contra quem, se ela é aliada?

Para a maioria, se Dilma tivesse se limitado a continuar o que herdou de Lula já estaria bom. Mas não seria justo dizer que o governo só fez isso. Apesar dos problemas do ano, algumas inovações foram ensaiadas. Na área social, com um aprofundamento do Bolsa Família por meio do Brasil sem Miséria. Na política econômica, com uma nova política industrial. Recebida com má vontade por alguns setores, ela tem se mostrado correta, exatamente onde tinha sido mais condenada, na indústria automobilística. Ao que parece, terá sucesso na atração de novos investimentos de larga escala.
O ano de 2011 não foi bom para as oposições. A eleição de 2010 havia sido negativa. As vitórias nas disputas esta-duais, onde basicamente mantiveram (ou reconquistaram) alguns governos, não compensaram a terceira derrota para o PT na presidencial, a perda de espaço na Câmara e a redução das bancadas no Senado. Sua presença na política nacional diminuiu e elas se estadualizaram.
O mau desempenho continuou a provocar consequências ao longo do ano. A mais nítida é o tamanho que alcançou o PSD, criado por Gilberto Kassab com o intuito principal de acomodar a parcela serrista do DEM, mas que cresceu muito além disso. Tornou-se um desaguadouro para diversos tipos de políticos, em especial os que queriam se aproximar do governo federal. Com isso, de 109 deputados que, juntos, PSDB, DEM e PPS haviam elegido, os três foram a 87. Sua participação na Câmara caiu de 21% para 17%. Somados, ficaram do tamanho que sozinho o PT tem.
No PSDB, esse enfraquecimento foi acompanhado por conflitos internos cada vez mais explícitos. O aecismo venceu o confronto com o que restava da ala ligada a Serra pelo controle da máquina partidária, mas a briga não terminou e vai longe.
Menor e dividido, o PSDB confunde-se na procura de um discurso. Ora se imagina pronto para expressar o “Brasil pós-Lula”, ora acha que precisa viver em permanente homenagem às “realizações do governo Fernando Henrique”. Não sabe se vai adiante ou se volta atrás 20 anos.
Talvez apenas para consumo externo, suas lideranças dizem crer que sofreram três derrotas para Lula por não haver feito a devida valorização da “herança de FHC”. Que o erro teria sido não lhe dar o merecido destaque.

A premissa é equivocada. Ao contrário do que pensam, a população conhece e tem uma avaliação da “herança de FHC”. Dela inteira e não apenas das partes “boas”, como o real, a responsabilidade fiscal, alguns aspectos da política de saúde e de educação. Ela pôs tudo na balança, os acertos e os erros, o lado bom e o mau de Fernando Henrique Cardoso, o que lembrava do Brasil que éramos, e fez o julgamento negativo que conhecemos.
Serra e Alckmin sabiam disso e não foi por outra razão que suas campanhas deixaram de lado a rememoração dos governos de FHC (especialmente do segundo). É difícil imaginar que os tucanos sustentem a tese até 2014. Mas, se a levarem mesmo a sério, teriam uma dúvida a menos: o candidato a presidente do PSDB seria óbvio. Se a intenção é reescrever o passado, para valorizar a herança de Fernando Henrique, ninguém melhor que o próprio para fazê-lo. Por que precisariam de um preposto?
O ano de 2012 será de eleições municipais. O que tende a ser positivo para o governo federal (e os governadores). O motivo é que o interesse e a atenção da população muda de foco e passa a se concentrar na cidade e seus problemas. Em vez de se preocupar com o que fazem presidente e governador, o assunto principal passa a ser o prefeito.
De FHC para cá, a consequência é que os presidentes sempre melhoraram de avaliação nos anos de eleição municipal. Em 1995, ele terminou com 41% de avaliações positivas, e chegou ao fim de 1996 com 47%. No segundo mandato, o mesmo se repetiu, apesar do patamar mais baixo: teve 16%, em dezembro de 1999, e foi a 24%, um ano depois.
No primeiro mandato de Lula, a melhora entre o fim do primeiro e do segundo ano, quando aconteceu a eleição municipal, foi parecida com a que seu antecessor havia experimentado: as avaliações positivas subiram discretamente, de 42% para 45%. Mas ficou como nunca evidente no segundo mandato: Lula tinha 50%, no fim de 2007, e foi a estratosféricos 70%, um ano depois.

As discussões entre os candidatos a prefeito costumam poupar o presidente, pela boa razão de que nenhum quer se mostrar incapaz de dialogar com ele. Preferem se apresentar como tendo “trânsito”- em Brasília, a fim de trazer benefícios para suas cidades, eles raramente hostilizam quem está no Planalto.
Isso se acentua quando o presidente é popular e conta com a simpatia do eleitorado local. Como aconteceu com Lula- em 2008. Ao ver seus índices de aprovação, os candidatos de todos os partidos, inclusive os de oposição, evitaram qualquer crítica ou confrontação com o presidente. O que vimos, ao contrário, na maioria das cidades, foi uma concorrência para escolher o mais lulista.
O resultado foi que Lula começou o ano bem e terminou com recordes. Houve uma espécie de “círculo virtuoso”, em que a boa avaliação de hoje impulsionava a de amanhã, pois inibia o questionamento. Será que o mesmo vai acontecer com Dilma? Ou ela será a primeira exceção ao que parece ser uma regra de nosso sistema político?
Com uma aprovação superior à de todos seus antecessores em momento semelhante, não há por que esperar que 2012 seja diferente para ela. Se 2011 foi um bom ano para o governo, 2012 tem tudo para ser melhor. •


Fonte: www.cartacapital.com.br 




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