31 março 2011

NOSSO MUNDO

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

Salvo por uma matéria traduzida da The Economist, publicada na Carta Capital nº 639, a grande mídia brasileira optou por não noticiar a briga de gigantes deflagrada no México, nos últimos dias.

E por que interessaria ao público brasileiro o que ocorre no México? Quando nada, um dos gigantes envolvidos é sócio (alguns dizem, majoritário) da maior operadora de televisão paga do Brasil: a NET, ligada às Organizações Globo. Ademais, o que está acontecendo ao norte do Equador pode perfeitamente vir a acontecer também ao sul, vale dizer, aqui mesmo entre nós.

Monopólio vs. monopólio
As operações de telefonia e televisão no México são praticamente monopolizadas por dois grandes grupos.

Cerca de 80% das linhas de telefonia fixa estão conectadas à Telmex – a mesma empresa que é sócia da NET – e 70% do mercado de telefonia móvel (celular) são controlados pela Telcel, outra empresa do mesmo grupo – ambas de Carlos Slim, o homem mais rico do planeta.

Por outro lado, o grupo Televisa, do empresário Emilio Azcárraga, controla cerca de 70% da audiência da televisão aberta. O que sobra, em boa parte, está sob controle da TV Azteca, comandada por Ricardo Salinas, outro magnata mexicano.

Os grupos conviviam em relativa harmonia, cada um com seu respectivo "mercado". Agora, diante da convergência tecnológica, resolveram se enfrentar abertamente.

Um grupo de 25 empresas de telecomunicações, incluídas a Cablevisión (propriedade do Grupo Televisa) e Iusacell (do Grupo Salinas, da TV Azteca), entrou com uma ação na Comissão Federal de Competição (Cofeco, equivalente ao nosso Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, do Ministério da Justiça) contra o alto custo das tarifas de interconexão cobradas pela Telcel. Ao mesmo tempo, a Telmex apresentou quatro denúncias contra a Televisa, a Televisión Azteca, a Cablesivion, a Megacable, a Cablemas, a Television Internacional e a Yoo por "práticas de monopólio e correlatos".

As ações legais vieram acompanhadas de anúncios de página inteira nos jornais parceiros da Televisa denunciando o "monopólio caro e ruim" da indústria de telecomunicações, enquanto Carlos Slim retirava os anúncios de suas empresas – cerca de 70 milhões de dólares anuais – dos canais da Televisa. Em represália e solidariedade à Televisa, a TV Azteca passou a recusar os anúncios do Grupo Telmex.

Disputa de mercado
O que está em jogo, por óbvio, é o controle do mercado convergente de telefonia e televisão. Como explica didaticamente a matéria da The Economist:

"A tecnologia transformou os negócios de telefonia e televisão em um único mercado: a televisão hoje inclui telefone e internet em seu serviço de TV a cabo, e quer adicionar telefones celulares. Salinas, que também controla uma empresa de celulares, a Iusacell, lançou um pacote semelhante em 2010. Slim deseja usar seus cabos de telefonia para distribuir TV paga (setor em que se tornou o maior ator no resto da América Latina), mas o governo não quer permitir.

"Agora os bilionários pedem o tipo de reforma da concorrência de que suas respectivas indústrias precisavam há muito tempo. Os magnatas da TV querem que Slim reduza o valor cobrado quando, um telefone rival liga para um celular Telcel (a agência reguladora das teles do México lhe disse para reduzir algumas taxas). A atual tarifa de interconexão é 43,5% acima da média da maioria dos países ricos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso torna impossível que outras operadoras ofereçam tarifas competitivas. A Comissão Federal de Concorrência (CFC) do México diz que os consumidores se beneficiariam de 6 bilhões de dólares por ano se as taxas de conexão se equiparassem à média da OCDE. A CFC recomenda deixar Slim concorrer na televisão quando tiver relaxado seu poder no setor de telefonia. Se a Telmex entrasse no mercado de tevê paga, o aumento da concorrência colocaria os preços ao alcance de mais 3,8 milhões de residências, admite a CFC."


E no Brasil?
A situação brasileira é diferente da mexicana, mas a briga entre teles e radiodifusores tradicionais ocorre também aqui. O locus dessa disputa, desde 2007, tem sido o projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e "abre o setor de TV por assinatura para as teles, cria a separação de mercado entre produtores de conteúdo e empresas de distribuição e ainda cria cotas de programação nacional nos pacotes de canais pagos", além de revogar a Lei do Cabo de 1995.

Na sua versão atual o projeto – PLC 116 do Senado Federal – é o resultado da articulação inicial de três propostas representando grupos e interesses distintos: o PL 29/2007 representa as empresas de telefonia; o PL 70/2007 representa os radiodifusores; e o PL 323/2007 situa-se em posição intermediária entre os interesses dos dois setores. Aprovado em junho de 2010 na Câmara dos Deputados, até hoje tramita no Senado Federal.

Será que teremos aqui uma versão explícita da briga entre teles e radiodifusores como ocorre no México?

A ver.

(*)Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)



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A vida secreta dos economistas do sistema




Se os norteamericanos soubessem que alguns dos economistas que defendem publicamente as desregulações financeiras, que contribuíram para desencadear a Grande Recessão, aproveitaram-se de sua implantação, sentiriam-se mais interessados por elas?

É difícil saber, porque nos editoriais e aparições públicas, os economistas acadêmicos não costumam revelar seus investimentos em – ou contratos com – instituições financeiras privadas, que poderiam influir em suas recomendações políticas. Mas desde que dois investigadores expuseram uma série de potenciais conflitos de interesse entre membros de sua profissão, os economistas estão agora, pela primeira vez, levando em consideração regras éticas que os obrigariam a divulgar qualquer conexão entre suas finanças pessoais e as políticas públicas que eles defendem.

No ano passado, os economistas Gerald Epstein e Jessica Carrick-Hagenbarth, da Universidade de Massachusetts Amherst, publicaram um trabalho intitulado “Economistas financeiros, interesses financeiros e recantos obscuros dessa combinação”. Sugeriam uma causa da crise até então não explorada: os economistas não previram o colapso porque muitos deles estavam se beneficiando das políticas que levaram ao desastre. “Os economistas, como muitos outros, tinham incentivos perversos para não reconhecer a crise”, escrevem Epstein e Carrick-Hagenbarth no trabalho que foi publicado pelo Instituto de Investigação de Economia Política, de tendência de esquerda, de sua universidade.

O estudo examinou 19 economistas financeiros, acadêmicos e anônimos, cujas opiniões foram proeminentes nos meios de comunicação durante a promoção de reformas financeiras e depois do colapso do mercado. Treze dos acadêmicos tinham interesses ou contratos com instituições financeiras, cujos investimentos poderiam aumentar de valor se e quando as sugestões dos economistas se convertessem em política. Oito destes treze não revelaram tais conflitos de interesse.

Epstein disse que o silêncio dos economistas acerca dos perigos da desregulação pode ser atribuído em parte aos interesses econômicos destes acadêmicos: “Se você é um economista financeiro e ganha milhares de dólares trabalhando para uma empresa financeira, que pode estar menos inclinada a empregar-te caso se pronuncie publicamente a favor de uma reforma financeira, vai pensar duas vezes antes de defender tal reforma”.

Em 2006, a Câmara de Comércio da Islândia pagou a Frederic Mishkin, professor da Columbia Business School e ex-governador do Conselho de Administração do Federal Reserve (o banco central dos EUA), 124 mil por participar de um estudo sobre a situação financeira da Islândia, no qual explicou muitos dos fatores que logo iam provocar a implosão da economia do país. O documento Inside Job (“Trabalho interno”), vencedor de um Oscar, explica que, em seu currículo, Mishkin mudou o título do estudo “Estabilidade financeira na Islândia” por “Instabilidade financeira na Islândia”.

A American Economics Association (AEA), organização profissional de economistas acadêmicos, não tem regras éticas que proíbam ou exijam a manifestação deste tipo de conflito de interesse, além de alguns requerimentos a respeito de trabalhos apresentados à publicação da organização. De fato, normalmente o organismo não tem nenhum tipo de código ético oficial.

Epstein e Carrick-Hagenbarth distribuíram uma carta em janeiro, assinada por quase 300 economistas, defendendo a criação desse código. “Acreditamos que seria um passo importante e necessário para reforçar a credibilidade e a integridade da profissão”, dizia a carta.

Parece que teve algum efeito. Em sua conferência de janeiro em Denver, a AEA anunciou a criação de um comitê para desenvolver regras éticas. (Ironicamente a identidade dos membros do comitê manteve-se secreta, ainda que, segundo Epstein, o organismo vá revelar seus nomes em futuro próximo). Representantes da AEA não quiseram fazer comentários sobre o progresso do comitê.

Outras ciências sociais, como a sociologia, têm cláusulas éticas que requerem uma clareza total acerca de conflitos de interesse potenciais em discursos públicos, artigos e publicações acadêmicas. Epstein sabe que um código ético para economistas não consertará a economia do país. Mas sua reclamação é um passo na direção de políticas financeiras mais morais. “Um código de ética não é uma panaceia”, diz. “Mas pode ajudar a criar um ambiente no qual a economia e os economistas possam se considerar mais responsáveis”.

(*) Micah Uetricht, antigo editorialista de In These Times, é membro da redação da revista eletrônica de Chicago Gaspers Block e Campus Progress. Já escreveu também para Alternet, YES!, Labor Notes, Truthout.org e The Indypendent. Atualmente vive em Chicago e pode ser contatado em micah.uetricht@gamil.com.

Tradução: Katarina Peixoto


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)


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Consequências

Delfim Netto








A substituição do petróleo, que parecia caminhar tranquilamente, vai demandar investimentos de muito maior intensidade e pesquisas caras. E a sociedade japonesa vai sofrer as consequências desse choque dramático de atravessar o processo de retomada de crescimento. Por Delfim Netto. Foto: Kyodo/AP


O Japão apenas começava a se restabelecer após praticamente dez anos de estagnação econômica quando foi atingido pelo terrível desastre produzido pelo tsunami que se seguiu ao violento terremoto de quase 9 pontos na escala Richter, o segundo de maior intensidade com registro no planeta. Além da perda irreparável de vidas, a sociedade japonesa vai sofrer as consequências desse choque dramático que vem atrasar o processo de retomada de seu crescimento.

Algumas pessoas, inclusive gurus conhecidos e prestigiados nos mercados financeiros, dizem acreditar que os efeitos sobre a sociedade nipônica não reduzirão necessariamente o crescimento da economia mundial. São afirmações temerosas, pois escondem o fato de que ela continua sendo a terceira maior economia do planeta e o duro golpe que sofreu vai reduzir a sua demanda e a demanda mundial.

Esses efeitos começam no sensível setor da energia, onde se restabeleceu a dúvida sobre o sistema de eletricidade dependente da energia nuclear. Há 55 reatores nucleares instalados em 17 localidades no território japonês, onde os riscos tinham sido reduzidos na medida da evolução dos equipamentos, permitindo imaginar que a energia atômica poderia tornar-se o principal instrumento de substituição do petróleo na geração da energia elétrica. Essa dúvida voltou a assustar o mundo e destrói a confiança exagerada que o setor nuclear tinha transmitido a uma parte da população e dos governos, pois não acontecia um acidente de vulto desde há 25 anos – como lembrou o professor José Goldemberg em recente entrevista.

Houve realmente uma redução importante dos riscos, como se viu agora no Japão, mas os equipamentos estavam preparados para certos níveis previsíveis e não para a catástrofe que a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, classificou como “apocalíptica”. Ela repercutiu imediatamente a preocupação dos alemães defendendo a ordem de fechamento das sete mais antigas usinas nucleares do país e o abandono dos projetos de novos reatores em favor dos investimentos em fontes de energia renovável.

Essas coisas vão ser revistas em todo o mundo, onde até recentemente havia em estudo projetos para a construção de 300 novos reatores nucleares. A China, sozinha, tem 27 ou 28 projetos que com certeza terão de ser revisados, bem como retirados de pauta os 75 projetos bem adiantados para ser realizados em mais de 20 países nos próximos 20 anos. A União Europeia vai debater esses problemas de segurança na próxima reunião de cúpula em Bruxelas e já anunciou a intenção de realizar testes em todas as usinas nucleares dos países da organização. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama pediu aos responsáveis pelos investimentos nas pesquisas do setor energético que intensifiquem os esforços na busca de soluções alternativas que não exijam a ampliação das instalações nucleares.

Não devemos ter ilusões sobre as consequências dessas mudanças no comportamento da economia mundial. Os custos da energia vão subir na proporção das necessidades de se construírem mecanismos de defesa mais poderosos e eficientes, que permitam ampliar a utilização da energia do átomo. E aí o preço do petróleo vai ser empurrado ainda mais para cima. A Agência Internacional de Energia reúne informações em todos os continentes, o que lhe permite discutir probabilidades que, embora sem muita garantia, ofereçam  alguma visão do futuro em relação às fontes alternativas de energia. Pelos cálculos da AIE, em 2050, o petróleo continuará sendo o principal fornecedor de energia do mundo. Toda a sua substituição por fontes alternativas, pela bioenergia e outras, não chegará a representar 17% do total.

Uma coisa é certa: a substituição do petróleo na área dos transportes e da geração de energia, que parecia estar caminhando tranquilamente para as alternativas do biocombustível e nuclear, vai demandar investimentos de muito maior intensidade e pesquisas profundas e caras. No caso da energia atômica, no desenvolvimento de novos processos que aumentem as condições de segurança, notadamente.

A destruição de vidas e instalações no Japão foi produzida pelo tsunami, mais do que pelo terremoto. Isso mostra que há riscos que são passíveis de estimar e outros, não. Como, por exemplo, estabelecer as distâncias de áreas críticas (previsíveis) para a construção de reatores? Pode-se colocar a 500 quilômetros do litoral, mas isso vai reduzir somente um nível de risco e, com toda certeza, vai ocasionar um enorme aumento de custos em todos os projetos.










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