14 março 2011

E C O N O M I A

Depois do crash de 1929, o Glass-Steagal Act proibiu o envolvimento direto dos bancos comerciais em operações nos mercados de capitais, mercados imobiliários e na especulação nos mercados de alta volatilidade, como é o caso das commodities. Nos últimos 30 anos, a desregulamentação e a liberalização da finança quebraram as barreiras impostas pelas reformas dos anos 30 do século passado, criaram os supermercados financeiros e promoveram a securitização dos créditos. Na verdade, as inovações financeiras alteraram as relações entre bancos de depósito, bancos de investimento e outras instituições financeiras que se aproximaram das funções cumpridas pelos bancos comerciais. Ao mesmo tempo, estes passaram a executar funções próprias dos bancos de investimento, ao criar os SIVS (Special Investment Vehicles) para carregar os papéis lastreados nas operações de crédito, não só os hipotecários.

Entre outras consequências, as transformações impulsionaram a securitização dos créditos, estimularam a “alavancagem” (palavra horrível) abusiva - ou seja, a utilização do crédito barato para sustentar a posse de ativos em desproporção perigosa com o capital próprio. Na maioria dos casos, antes da crise, a relação era de 30 para 1. Não espanta que tais procedimentos da alta finança tenham promovido o inchaço das operações com derivativos nos mercados futuros de juros, câmbio, matérias-primas e alimentos. No vendaval das reformas neo-liberais, os governos abandonaram as políticas de estabilização de preços baseadas na formação e operação de estoques reguladores (ainda que os países desenvolvidos tivessem mantidos os subsídios a seus agricultores) e submeteram os mercados de commodities, instáveis por sua própria natureza, ao capricho e à sanha especulativa dos mercados futuros.

O Federal Reserve o Tesouro americano deixaram correr farra da alavancagem e o festival da multiplicação de securities lastreadas em empréstimos hipotecários. Essa música tambem embalava a especulação altista com estoques de matérias-primas e alimentos, cuja oferta responde lentamente a um aumento de preços. Às vésperas da crise de 2007-2008, os principais índices de preços das commodities mostravam uma aceleração impressionante.

Nos últimos anos, com o auxílio inestimável dos trabalhadores chineses e do Banco Central da China, a rápida queda de preços do produtos manufaturados ajudou os bancos centrais dos paíse desenvolvidos conseguiram manter a inflação sob controle. Mas o “sucesso” das políticas de metas de inflação não impediu, senão incitou a recorrência de ciclos exuberantes de valorização dos ativos. A concorrência entre os possuidores de riqueza, associada ao crédito elástico e à crença nas intervenções de última instância dos bancos centrais, estimularam o surgimento de episódios especulativos.

O colapso do Lehman Brothers em setembro de 2008, cozido e fervido nos temperos e pruridos ideológicos de Paulson e Bernanke, interrompeu o ciclo de inflação de ativos. Os preços das commodities, aí incluído o petróleo, despencaram. Nesse momento, a corrida dos investidores para a “qualidade” suscitou a valorização do dólar e provocou surtos de desvalorização nas moedas dos países produtores de commodities, sem qualquer efeito sobre a inflação nos emergentes. Isto porque o choque da desvalorização foi compensado pelo colapso dos preços dos produtos básicos.

A vacilada deflagrou as vendas de securities nos fundos mútuos e de hedge administrados por bancos de investimento que financiavam a posse desses ativos tomando recursos nos mercados monetários atacadistas (semelhantes aos fundos DI de curtro prazo no Brasil). As aplicações nesses mercados sustentavam posições alavancadas em ativos originados nos empréstimos hipotecários e outras operações de crédito securitizadas.

A clientela cuidou de retirar os depósitos das instituições menores para concentrar o rico dinheirinho nos títulos do governo americano, vistos com derradeiro refúgio da riqueza líquida das empresas e das famílias endinheiradas. Diante do encolhimento da confiança, os bancos tornaram mais rigorosos os critérios de concessão do crédito no mercado interbancário e, assim, fizeram periclitar instituições ilíquidas, mas solventes. Em situações como a aquela, passar da iliquidez à insolvência é um passo.

Mas, os bancos centrais e as autoridades do Tesouro - imprudentes e cúmplices da especulação - não poderiam deixar a vaca ir para o brejo. Foram compelidos a intervir na cadeia de interrelações entre as instituições para domar a mula sem cabeça dos mercados infectados pela desconfiança. Deixar o bicho à solta seria grave irresponsabilidade. Nos países centrais, a crise de liquidez transformou-se numa crise de crédito, depois transfigurada num festival de insolvências, contida pela intervenção generosa das autoridades

As generosas injeções de liquidez e os programas de compra de ativos podres não fizeram pouco. Ademais de construir um piso para a deflação de ativos, as intervenções suscitaram um movimento global no interior da circulação financeira. Os movimentos observados no interior da circulação financeira, em si mesmos, não prometem à economia global uma saída rápida da trajetória medíocre, mas indicam que os mercados de ativos começam a se restabelecer da derrocada de 2008.

Trata-se, na verdade de um rearranjo dentro do estoque de riqueza que responde aos preços esperados dos ativos, por parte dos investidores que lograram vencer o colapso da liquidez. Salvos das perdas e capturados os benefícios oferecidos pelas autoridades, os investidores eles se mobilizam para a realocação de carteiras. Esse movimento favoreceu a forte recuperação as bolsas, a valorização das moedas dos emergentes e o “aquecimento” dos mercados de commodities. O dólar devolve a valorização observada nos primeiros meses de crise e com isso ajuda a explosão dos preços das matérias-primas e alimentos.

Semanas atrás, escreví no jornal Valor que, em sua coluna no New York Times, Paul Krugman jogou a responsabilidade do aumento de preços às condições climáticas. Sem dúvida, as secas e enchentes em áreas de excelência na produção de alimentos desempenham um papel importante na contração da oferta de muitos produtos, dentre ele o trigo, o nosso pão de cada dia. Krugman, no entanto, rejeitou as hipóteses que, além dos fatores climáticos e do aumento da demanda de alimentos e de outras matérias primas nos emergentes, apontavam a expansão da liquidez global e suas taxas de juro ínfimas que botam fogo na especulação com as mercadorias transfiguradas em ativos. Krugman, assustado com os falcões da austeridade fiscal e monetária que rondam sinistramente a convalescente economia americana, chuta para escanteio a hipótese das “distorções” causadas pelas políticas anticíclicas e pelos derivativos na volatilidade e na elevação dos preços.

Os adversários da crítica ao papel dos derivativos afirmam que os operadores financeiros não intervêm diretamente nos “ativos subjacentes” negociados nos mercados a termo, ou seja, nos mercados físicos de matéria primas. Sustentam que o volume de transações nos mercados a termo é muito superior àquele transacionado nos mercados à vista, com fracas interações entre eles.

O economista Michel Aglietta argumenta que essa visão parte de uma interpretação errônea da transmissão do movimento de preços entre os mercados de derivativos de matérias-primas e os mercados “físicos”. O ponto de vista dos defensores da escassez tem alguns elos fracos: 1) a estrutura de mercado dos produtos agrícolas é fortemente concentrada, governada por monopólios e monopsônios com enorme poder de administrar preços e quantidades. Portanto, se um mercado está em “desequilíbrio” por conta de um choque de oferta, o movimento inicial é amplificado pela formação de posições à termo “compradas” pelos caçadores de tendências. A transmissão para os mercados á vista é efetuada através das grandes empresas que tratam de acumular estoques tão logo antecipam a alta de preços deflagrada nos mercados a termo.

O G 20 se reúne em Paris assombrado pelo espectro da estagflação, fenômeno que os economistas e policy makers imaginavam ter sepultado no início dos anos 80 do século passado, sob o peso das taxas de juros de Paul Volker. O presidente Sarkozy propõe um arranjo internacional, com formação de estoques reguladores administrados por produtores e consumidores para estabilizar os preços das commodities.

Seria conveniente lembra que, na posteridade da 2ª Guerra Mundial Keynes sugeriu a constituição de um comitê internacional encarregado de estabilizar os preços das matérias primas e alimentos. Esse comitê, composto por países produtores e consumidores, teria o apoio da Clearing Union, o sistema público de financiamento dos desequilíbrios dos balanços de pagamentos, envolvendo responsabilidades dos países deficitários e superavitários. Nada mais atual.


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)

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Desordem financeira: as vítimas do livre mercado



Guerra civil na Líbia. Os especuladores do petróleo voam em círculos ao redor do mercado. Durante quase uma semana, dia após dia as cadeias de televisão destacam a história da alta dos preços do petróleo e falam da “ameaça à economia”. Isso é verdade? A inflação subjacente, conforme os dados do Banco Central dos EUA (Federal Reserve), exclui os alimentos e a energia, na base de que a variabilidade dos preços é moderada e que, em qualquer caso (salvo no caso dos revolucionários ganharem terreno na Arábia Saudita) os especuladores apostam até sobre as pinturas de Michelangelo. O preço da gasolina vai de 3.14 dólares a 3,55 (o barril) e de repente ficamos todos nervosos com a possibilidade de ter que recorrer à exploração de nossas reservas nacionais (EUA).

Na semana anterior aos preços do petróleo ganharem destaque nas televisões, o governo anunciou que a taxa de desemprego caiu para 8,9%. A linha argumentativa que está surgindo é que o aumento dos preços do combustível está colocando em perigo a “recuperação” econômica. Esse não é o motivo pelo qual a recuperação está vindo abaixo.

Um informe de 2008, do Departamento de Energia, assinala que o petróleo é responsável por 37% do consumo total de energia. A Líbia produz 2% do petróleo mundial. O relato que me parece mais clamoroso é que as políticas estadunidenses nos terrenos da indústria, finanças, construção e moradia, quase sem críticas por parte do quarto poder, criaram uma tormenta perfeita desde meados dos anos noventa até meados da década de 2000, permitindo o crescimento de bolhas especulativas no mercado de valores e no setor imobiliário com o objetivo de dar uma aparência de prosperidade econômica enquanto Wall Street e toda a maquinaria de crescimento se dedicavam a saquear bancos até que todo o plano colapsou como o Hindenburg.

Ninguém assumiu a responsabilidade pelo que aconteceu e talvez seja isso o que esteja deixando intranquilos os telespectadores. Observar aqueles pobres árabes tomar as armas contra seus milionários ditadores armados até os dentes está aquecendo os ânimos do pessoal em nível nacional de uma maneira que, até agora, está passando despercebida.

A obsessão estadunidense pelo “direito de ter armas” não é nada se a comparamos com as imagens das notícias nas quais desorganizados rebeldes líbios carregam metralhadoras e disparam para o ar. Deste jeito, a Associação Nacional do Rifle terá que pressionar para conseguir o direito dos cidadãos possuírem mísseis terra-ar. Enquanto as manchetes são os preços da gasolina o que aparece em um discreto segundo plano é como uma nova classe de vendedores de poções está fazendo seu verão nos Estados Unidos.

Durante o século XIX, no momento em que Robber Barons consolidava seu poder político e econômico com as ferrovias, estes vendedores surgiram abundantemente vendendo remédios milagrosos para problemas intestinais que consistiam meramente em garrafas cheias de álcool puro. Suas prescrições são do mesmo tipo que as de nossos vendedores de poções. Eles são os defensores de uma suposta “sociedade de proprietários” ou os membros e seguidores do Tea Party que atacam as “regulações ambientais que fazem desaparecer postos de trabalho” como se fossem as bruxas de Eastwick.

Ninguém foi para a cadeia. Nem Angelo Mozilo, da Countrywide, a gigantesca companhia de hipotecas que converteu em sua maior virtude conceder hipotecas a qualquer um que pudesse provocar bafo no espelho. Na Flórida, no condado de Miami-Dade e na capital Tallahassee, a Escola Angelo Mozilo de Roubo e Camuflagem teve um aumento em seu número de alunos. As elites do partido republicano estão muito ocupadas formatando as políticas mais radicais de consolidação de poder vistas desde a década de 80 do século XIX.

Os que contaminam estão no bom caminho para eliminar as já pobres regulações ambientais e de saúde pública. Mas não estamos prestando atenção nisso: em seu lugar vemos como sacodem suas bíblias, como prendem com alfinetes bandeiras dos Estados Unidos em suas lapelas ou como esculpem seus cabelos para ficarem parecidos com os bustos de mármore da praça do Capitólio.

No programa 60 Minutos, domingo passado, a principal reportagem tratava sobre o massivo aumento do número de estudantes sem vaga nas escolas públicas. Em um dos condados da Flórida, esse número está aumentando de 15 a 30 alunos por dia.

Nossa resposta? Cortar os fundos orçamentários? Não há nenhum? Pois corte mais então.

O programa assinalava que muitos estadunidenses estão abrindo seus lares para dar abrigo a estas vítimas do livre mercado. Mas em sua maior parte, os principais meios de comunicação mantém-se distantes, o mais longe possível, destas histórias sobre a nova onda de insensibilidade nos Estados Unidos. Preferem se concentrar no preço da gasolina. A instabilidade na Líbia impulsiona a instabilidade em Wisconsin e naqueles Estados onde os governantes locais estão se mostrando incapazes de enfrentar as cargas de endividamento, tema que não frequenta as manchetes sobre temas da atualidade. Mas até quando? Quanto tempo levará para que nossos cristãos evangélicos respondam essas perguntas? Em que lugar da Bíblia estabelece-se o dogma de ter governos pequenos e limitados? Onde está escrito que é preciso baixar os impostos de especuladores financeiros?

Fonte: http://www.counterpunch.org/farago03082011.html

Tradução: Katarina Peixoto


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)



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O problema da taxa de juros no Brasil


 
Luiz Fernando de Paula (*) - Especial para Carta Maior



A questão “porque a taxa de juros no Brasil é a mais alta do mundo” sempre volta à tona, ainda mais que no momento atual em que a política do “easy-money” do Banco de Reserva norte-americano (FED) tem resultado em uma grande expansão da liquidez mundial. Vários bancos centrais, mesmo em países emergentes, têm evitado neste contexto a elevar a taxa juros, utilizando outros instrumentos de política monetária e cambial (medidas macro-prudenciais, controle a entrada de capitais) para fazer face as pressões inflacionárias derivadas da elevação de preços de alimentos, de modo a desestimular um fluxo maior de capitais externos, com efeitos deletérios sobre a taxa de câmbio.

Economistas ortodoxo-liberais sustentam que o problema da taxa de juros está relacionado ao problema de incerteza jurisdicional (como sustentam Arida, Bacha e Lara Resende) ou ainda a questão do desequilíbrio fiscal, que obriga o governo a ter que financiar no mercado com emissão de dívida, elevando assim a taxa de juros de mercado, já que o governo teria dificuldades de administrar sua dívida em patamares elevados (digamos acima de 30% do PIB), em função do problema de “pecado original”. Esta tese sustenta que alguns países emergentes por conta de história de calotes, alta inflação, etc. não podem manter uma relação dívida pública/PIB elevada.

Já economistas heterodoxo-desenvolvimentistas defendem que o problema da taxa de juros está relacionado à existência de uma convenção conservadora adotada pelo BCB, decorrente tanto do modelo de política macroeconômica adotada (regime de metas de inflação) quanto da própria gestão da política monetária, no qual o BCB acaba por fazer frequentemente o jogo do sistema financeiro, sancionando suas expectativas altistas em relação a inflação. Em particular, haveria uma relação de subserviência do BCB aos interesses do mercado financeiro, evidenciado até mesmo pelo fato de que as diretorias estratégicas na definição da política monetária ficariam a cargo de economistas vindos do próprio mercado. Acrescente-se ainda que a política monetária não teria, nesta visão, efeitos neutros de longo prazo sobre as variáveis reais da economia (produto e emprego), uma vez que a taxa de investimento da economia seria fortemente impactada pela taxa de juros, e conseqüentemente o próprio produto potencial seria influenciado de forma importante pela política monetária.

Embora a hipótese da incerteza jurisdicional seja algo “sem pé e cabeça”, já que carece de qualquer suporte empírico (países com incerteza jurisdicional maior do que a brasileira têm taxa de juros menores!), há algum fundo de verdade nos dois argumentos, ainda que com boa dose de exagero: o desequilíbrio fiscal pode contribuir para a manutenção da taxa de juros elevadas em função da própria estrutura de dívida pública existente no Brasil (mas não por problemas de “pecado original”) e na condição especial de que a economia esteja perto da sua “plena capacidade”; e a convenção pró-conservadora tem feito que o BCB, ao menos até recentemente, reaja a sinais de inflação (decorrentes por exemplo de uma redução no hiato do produto) elevando a taxa de juros em magnitude maior do que reduz a mesma quando as condições assim o requerem.

O problema da dívida pública está em parte relacionado à “jabuticaba” ainda existente que é a existência de títulos públicos indexados a Selic (LFTs), com participação em cerca de 35% do total da dívida pública. Isto faz com que a mesma taxa de juros que é usada para propósitos de política monetária, definindo o custo das reservas bancárias, seja a taxa que remunera parte da dívida pública. Isto gera uma série de distorções, como o “efeito-contágio” entre mercado de dívida pública e a política monetária: um aumento nos custos da rolagem da dívida acarreta um aumento na taxa de juros básica; mas o contágio pode ir também na direção contrária: um aumento na taxa Selic, por conta da condução da política monetária, encarece a rolagem da dívida pública. Um efeito importante da existência das LFTs é que o efeito riqueza da taxa de juros (perda do valor dos títulos prefixados devido a um aumento na taxa de juros) acaba sendo neutralizado ou mesmo eventualmente invertido: elevações nas taxas de juros, para propósitos de contenção de demanda agregada, resultam em aumento da riqueza financeira dos agentes, já que a remuneração dos títulos indexados a Selic se eleva, que têm seu poder de compra aumentado.

Uma questão obscura é qual seria a “taxa de juros de equilíbrio” da economia, ou seja, aquela que permitiria a economia crescer dentro do seu potencial sem maiores pressões inflacionárias. Na primeira metade da década de 2000 falava-se frequentemente o produto potencial brasileira era próximo do crescimento real do PIB da ordem de 3,0%; agora, num passe de mágica, fala-se em 4,5% ao ano. Como diz o economista Delfim Netto, o produto potencial empiricamente é algo misterioso, e não é sem razão. Keynes, neste particular, dizia que não se pode conhecer a trajetória de longo prazo da economia sem definir previamente a política monetária, isto porque obviamente a taxa de juros afeta de forma importante a taxa de acumulação da economia, e, consequentemente, o próprio produto potencial. Daí a dificuldade de se definir o produto potencial da economia e, a partir dela, a taxa de juros de equilíbrio compatível.

O BCB dá alguns sinais de mudança na gestão do regime de metas de inflação, até mesmo por conta de ter atualmente uma diretoria composta por funcionários próprios do banco, após anos de administração puramente ortodoxa na gestão Meirelles. Já no final de 2010 adotou instrumentos não-convencionais de política monetária, as chamadas medidas macroprudenciais, incluindo o aumento do requerimento de capital para operações de crédito a pessoa física com prazo superior a 24 meses, como forma de produzir uma desaceleração no ritmo de expansão do crédito bancário (em particular crédito consignado e financiamento a veículos), e, conseqüentemente, reduzir a demanda agregada, ao invés de um aumento na taxa básica de juros (com efeitos deletérios sobre a dívida púbica e a taxa de investimento da economia). Ademais o BCB na gestão Tombini tem se mostrado menos propenso a levar ao pé da letra as expectativas inflacionárias, aparentemente não se deixando levar totalmente pela forte deterioração das expectativas inflacionarias para 2011, evitando que expectativas excessivamente pessimistas “geradas” pelo mercado financeiro sobre a inflação futura acabam sendo sancionadas pelo BCB via elevações mais bruscas na taxa de juros, o que faria a festa do sistema financeiro. A escalada da taxa de juros nos próximos meses vai ser fundamental para aferir se o BCB está adotando realmente uma postura mais autônoma em relação aos “interesses” do mercado financeiro – na reunião de 2/3/2011 o COPOM elevou a taxa básica de juros em 0,5%, enquanto que o mercado “pedia” um aumento de 0,75%.

Uma agenda interessante e necessária de médio prazo para a condução da política macroeconômica no Brasil deve incluir uma política mais agressiva de melhoria na gestão da dívida pública (com uma redução ainda maior das LFTs), alguma revisão na indústria de fundos de investimento e nas cadernetas de poupança, “forçando” um alongamento nas aplicações financeiras, uma mudança no sistema de coletas das expectativas inflacionário pelo BCB, passando a serem feitas mensalmente ao invés de semanais, e uma mudança no horizonte temporal de decisão do BCB quanto a meta de inflação, por exemplo passando de um ano calendário para dois anos (isto poderia possibilitar um gradualismo maior na política monetária). Uma política fiscal que garanta uma redução do déficit público, mas procurando evitar cortes sobre investimentos públicos, é importante para assegurar que o governo não fique refém dos rentistas. Para tanto, a coordenação de políticas macroeconômicas é fundamental, pois um mix de política fiscal contracionista com uma política monetária mais apertada tem o risco de levar a economia a uma desaceleração mais abrupta e precipitada.

(*) Professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).


(Transcrito do site http://www.cartamaior.com.br/)



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CUIDADO COM A DOSAGEM


Por Antonio Delfim Netto(*)



Se aceitarmos a ideia (o governo principalmente) desses autonominados falcões do mercado financeiro, de que é preciso reduzir para 3% o crescimento do PIB brasileiro para segurar a inflação dentro da meta em 2011/2012, em lugar de uma simples redução o que vamos colher é que o crescimento desaba para uns 2% e a economia entra em recessão.
O governo talvez não perceba que está caminhando no fio da navalha ao admitir a abordagem nos termos desejados pelo sistema financeiro: já está se consolidando a expectativa de que é possível dosar o crescimento naquele nível e trazer a taxa de inflação, em 2012, para um intervalo de 4,2% a 4,5%.
É fato que estamos recebendo algumas pressões inflacionárias importantes do exterior e também internamente, que são difíceis de ser avaliadas separadamente. São flutuações que não justificam, porém, a rápida deterioração das expectativas da inflação. Claramente essas expectativas estão sendo turbinadas para levar as pessoas a acreditarem que o governo vai pôr a mão pesadamente para conter o nível da atividade.
A economia depende muito da psicologia das pessoas: na medida em que as expectativas influírem no ânimo dos empresários, que tiveram o espírito animal despertado para o desenvolvimento nesses últimos três ou quatro anos, e eles começarem a imaginar, a crer que o governo vai puxar o freio da atividade, não vamos ter ilusões sobre o tamanho do tombo.
A expectativa é o fator mais importante na determinação do nível da inflação. Se os empresários imaginam que a inflação vai continuar sendo 4,5%, eles moderam o seu comportamento, não exageram nas tentativas de aumento dos produtos e os trabalhadores não reivindicam aumentos salariais muito acima dos 4,5% mais a correção, porque têm de ficar em limites razoáveis para proteger os empregos. Agora, se começam a crer que a inflação vai bater inexoravelmente em 6%, as empresas já pensam em aumentar os preços 8% (porque 6% podem ser insatisfatórios) e as reivindicações de salários se comportam da mesma maneira.
Tal comportamento leva a desestruturar as expectativas de inflação e, quando isso acontece, colhe-se mais inflação. Infelizmente, neste momento, estamos assistindo à disseminação de um estado de desconfiança que já elevou as expectativas da taxa de inflação. Elas se deterioraram realmente, passando de 4,5% para quase 6%. Mesmo o governo tendo agido tomando as decisões corretas, como no caso do salário mínimo e no corte de 50 bilhões de reais, que devem reduzir o ritmo de crescimento da despesa pública, ainda assim o mercado consegue passar a mensagem de que a inflação vai continuar subindo.
Ela tem causas internas, dentre as quais o aumento dos custos dos serviços, em razão de ações de política econômica e social do governo Lula (aumentos reais generosos do salário mínimo e nos programas de combate à fome e à miséria), cujos efeitos positivos superam em muito os exageros, porque foram decisivos para ampliar o mercado interno, combater os efeitos da crise financeira mundial e para a redução importante das desigualdades secula-res entre brasileiros.
Sabemos que há muitas falhas na apuração dos números, eles acabam incorporando duvidosas indicações do mercado financeiro reproduzidas nos boletins Focus, fruto de uma relação simbiótica entre Banco Central e o sistema financeiro, mas é inegável que houve uma deterioração das expectativas.
O governo, então, vai ter de agir com muito cuidado diante de uma situação delicada, dosando adequadamente os instrumentos, inclusive a elevação da taxa de juros. As medidas prudenciais são importantes, ajudam no combate à inflação, mas são subsidiárias à política de juros. Os efeitos de tais medidas ainda não se esgotaram e elas estão produzindo efeitos que não se podem negar. E todos sabem que elas são tomadas para atender ao objetivo maior dentre as atribuições do BC, que é manter a higidez do sistema financeiro. Nosso sistema tornou-se realmente hígido, enfrentou todos os embates externos exatamente porque, desde os episódios do Proer, o BC cuidou prioritariamente do equilíbrio e da solidez dos sistemas financeiro e bancário.

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