Marcos Coimbra (*)
Na pauta da comissão Especial do Senado que trata da reforma política, uma das propostas é adotar o voto facultativo. Depois de quase 80 anos de voto compulsório, estabelecido pelo Código Eleitoral de 1932, a mudança ganha adeptos.
Apesar disso, ao que parece, o tema ainda divide os senadores, assim como faz com a sociedade.
Dos vários que estão sendo discutidos, nenhum é tão polêmico.
As pesquisas feitas nos últimos anos mostram que há maiorias claras em favor de algumas ideias (como a fidelidade partidária e a reeleição) e contrárias a outras (como o financiamento público de campanhas e o voto em lista fechada). No tocante à obrigatoriedade do voto, contudo, a proporção dos que querem mantê-la é igual à dos que preferem que acabe. Se dependesse da opinião dos cidadãos comuns, teríamos um impasse.
Existem razões para defender as duas opções, embora a quase totalidade das democracias avançadas atuais tenham o voto apenas como direito e não como dever. O debate entre críticos e defensores do modelo já dura anos, sem que qualquer lado possa se dizer vitorioso.
No cerne, a principal diferença está na avaliação de quando convém a um país como o nosso abrir mão da obrigatoriedade e avançar em direção ao voto facultativo. Quem concorda com nossa tradição entende que ainda é cedo. Quem quer alterá-la acha que já estamos preparados.
Quando perguntadas, nas pesquisas, sobre como se comportariam se o voto não fosse compulsório, uma boa proporção das pessoas afirma que continuariam a votar. Em uma feita pelo Vox Populi nas vésperas da eleição de 2010, por exemplo, 74% dos entrevistados disseram que votariam mesmo se o voto fosse facultativo.
Fora do ambiente eleitoral, as respostas costumam ser menos enfáticas. Em uma pesquisa anterior do Vox, a pergunta oferecia três opções ao entrevistado: se votaria sempre, se votaria dependendo da eleição ou se não votaria, caso não houvesse a obrigação
.
Os resultados indicam que, se o voto fosse opcional, existiriam, no Brasil, dois tipos de eleitor (cada um com perto de 35% a 37% do eleitorado) e um grupo de não eleitores (com os restantes 30% ou um pouco menos). Poderíamos chamar os primeiros de eleitores regulares, que votariam em qualquer situação. Os segundos, de eleitores ocasionais, que votariam apenas quando se sentissem motivados. Os terceiros seriam as pessoas que tenderiam a nunca votar.
Levando essas proporções ao pé da letra, a expectativa seria a de que, nas eleições reais, o número de votantes ficasse abaixo de dois terços do eleitorado (pois o terço final seria formado pelos não eleitores), mas não inferior a um terço (pois os eleitores regulares garantiriam esse mínimo). Entre os dois, as taxas de comparecimento poderiam variar, em alguns casos ficando aquém, mas, na maior parte das vezes, indo além dos 50%.
Ao olhar nossas eleições presidenciais modernas, vemos resultados coerentes com essa hipótese. Em 1989, pelo inusitado, tivemos a única em que os não eleitores foram bem menos que o esperado e o total de votantes chegou a 81%. Em 1994, os votantes caíram para 66% e, em 1998, para 63% do eleitorado, o que indica quão desmobilizadoras foram as eleições dominadas pelo Plano Real. Em 2002 e 2006, a proporção de votantes voltou a subir, para perto dos 75%. Agora em 2010, continuamos nesse patamar.
O que isso sugere é que, apesar da obrigatoriedade formal, o eleitorado brasileiro se comporta de maneira semelhante ao que declara que faria se o voto fosse facultativo. Ou seja, o fato de o voto ser obrigatório não implica nem que todos queiram votar nem que votem.
Note-se que, caso fossem considerados os números de outras eleições, como as municipais e legislativas, teríamos, em muitas situações, distâncias ainda maiores entre eleitores e votantes – entre os que estão obrigados a votar e os que votam. Em alguns estados do Nordeste, nas eleições para a Câmara dos Deputados, não são raros exemplos em que o total de votos nominais fica abaixo da metade da população apta a votar.
Ganha-se alguma coisa ao se oficializar o que existe? Tornando legal aquilo que a sociedade faz na prática? É provável que sim, assim como é provável que pouco perderíamos se abandonássemos o voto compulsório. O risco de os coronéis do interior obrigarem as pessoas a ir votar (ou a deixar de fazê-lo) é real, mas afeta um pedaço cada vez menor do País, em eleições cada vez menos importantes.
A adoção do voto facultativo (especialmente se vier acompanhada da desobrigação do registro, permitindo que o eleitor exerça seu direito de voto quando quiser e livre de burocracias) pode aprofundar a democracia brasileira.
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