14 março 2011

C R Ô N I C A S

O sobrevivente e a fé no destino de cada um


Mais habituado a escrever sobre as pequenas tragédias e alegrias cotidianas, fico meio perdido diante de uma catástrofe com a violência e a magnitude desta que aconteceu no Japão.
Por isso, raramente trato destes assuntos das manchetes universais aqui no Balaio. Que posso escrever, além de tudo o que já foi dito, mostrado e publicado em todas as plataformas da mídia mundial?
Mudei de idéia ao encontrar nesta manhã de domingo, aqui mesmo na capa do iG, a inacreditável história do sobrevivente Hiromitsu Shinkawa, de 60 anos, encontrado em alto-mar, dois dias após o terremoto e o tsunami que varreram do mapa parte da costa nordeste do Japão.
Agarrado ao que restou do telhado da sua casa, cercado por todos os lados pelos escombros da cidade de Minamisona boiando no mar, Shinkawa suportou os rigores das águas geladas do inverno japonês e foi salvo por um destroier da Marinha. Levado a um hospital, passa bem.
O mais incrível neste resgate é que ele ouviu o alerta do tsunami, correu para um lugar seguro, mas resolveu voltar para pegar algo que deixou na casa.
Pois é, o sexagenário deu sopa ao azar, como se costuma dizer, acabou sendo levado pelas águas e, 48 horas depois, apareceu vivo em alto-mar. Como explicar o que aconteceu com ele?
No mesmo espaço de tempo em que Shinkawa estava perdido em alto-mar, os leitores do Balaio travaram um debate interminável, com quase 800 comentários, sobre meu texto anterior comentando o novo livro de Bento 61 em que o Papa nega o caráter revolucionário da obra de Jesus Cristo.
O livro foi só o pretexto para uma feroz discussão entre os católicos mais conservadores, que acreditam cegamente no Papa, os seguidores de outras religiões e aqueles sem fé nenhuma, que não crêem em absolutamente nada.
Nestas horas de mistérios que não conseguimos entender, como a terrível tragédia do Japão, costumam aparecer duas respostas.
“Foi o destino, só pode ser coisa do destino… Ainda não tinha chegado a hora dele…”, dizem os céticos, agnósticos ou ateus, os que não acreditam numa força superior a determinar o que vai acontecer com as nossas vidas.
“Foi Deus, só pode ser coisa de Deus…”, resumem de bate pronto os que têm fé, seguem uma religião e colocam seus destinos nas mãos Dele.
Que resposta nos daria Hiromitsu Shinkawa?
Como esta discussão nunca vai terminar, alguém arrisca outra alternativa?


*Matéria publicada no Balaio do Kotscho

(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)



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O Cristo que vive entre nós


Mauro Santayana


O papa Bento 16, na biografia de Cristo que acaba de publicar, decretou, de sua cátedra, que Cristo separara a religião da política. Mais do que isso, participa de um dos equívocos de São Paulo – porque até os santos se enganam – o de que, se Cristo não ressuscitou de entre os mortos, “vã é a nossa fé”.   Cristo ressuscitou dos mortos, não em sua carne perecível, mas em sua grandeza transcendental. O papa insiste – e nessas insistências a Igreja sempre se perdeu – em que o corpo de Cristo ainda existe, em toda a fragilidade da carne, em algum lugar, ao lado de Deus. Com isso, o Santo Padre separa Cristo da humanidade a que ele pertence, e o situa no espaço da mitologia dos deuses pagãos.


A afirmação mais grave do Papa, de acordo com o resumo de suas idéias, ontem divulgadas, é a de que política e religião são instituições separadas a partir de Cristo. A própria história do Vaticano o desmente. A Igreja Católica – e todas as outras confissões religiosas – sempre estiveram a serviço do poder político, e em sua expressão mais desprezível. Para não ir muito longe na História – ao tempo da associação entranhada entre os reis, os imperadores e o Vaticano, durante a Idade Média -, bastam os exemplos de nosso século. Os documentos existentes demonstram o apoio da Igreja a ditadores como Hitler, considerado, por Pio XII, como “um  bom católico”. Mais recentemente ainda, houve a “Santa Aliança”, conforme a denominou o jornalista norte-americano Bob Woodward, entre o antecessor de Ratzinger e o presidente Reagan, dos Estados Unidos, com o propósito definido de acabar com a União Soviética. Por acaso não se trata de uma escolha política do Vaticano a rápida canonização do fundador da Opus Dei, como santo da Igreja, e o esquecimento de grandes papas, como João 23, e de mártires da fé, como o bispo Dom Oscar Romero, de El Salvador?


A religião sempre esteve na origem  e na inspiração da política, e, em Cristo, essa identidade comum se torna ainda mais nítida. O campo da razão em que a fé e a política se encontram é o da ética. A ética é uma exigência da fé em Deus e do compromisso com a vida humana. A política, tal como a identificaram os grandes pensadores, é a prática da ética. A ética política significa a busca do bem de todos. Nessa extrema exegese do que seja a ética, como o fundamento da justiça, a boa política é a da esquerda, ou seja, da visão de igualdade de todos os homens.


Em Cristo, a fé é o instrumento da justiça. Quem quiser confirmar esse compromisso político de Cristo, basta ler os Atos dos Apóstolos, e verificar como viviam as primeiras comunidades cristãs, unidas pela absoluta fraternidade entre seus membros, enfim, uma sociedade política perfeita. Ao negar a essencial ligação entre a fé cristã e a ação política, o papa vai além de seu velho  anátema contra a Teologia da Libertação, surgida na América Latina, um serviço que ele e Wojtyla prestaram, com empenho, aos norte-americanos. Ele se soma aos que, hoje, ao separar a política da ética da justiça, decretam o fim da esquerda.


Esse discurso – o de que não há mais direita, nem esquerda – vem sendo repetido no Brasil. Esquerda e direita, ainda que a denominação venha da França revolucionária de 1789, sempre existiram. Na Palestina, no tempo de Jesus, a esquerda estava nos pescadores e pecadores que o seguiam, e a direita nos “fariseus hipócritas”, que, no Sinédrio, e a serviço dos romanos, o condenaram à morte.


O papa acredita que a Igreja sobreviverá à crise que está vivendo. Isso é possível se ela renunciar a toda sua história, a partir de Constantino, e retornar ao Cristo que andava no meio do povo,  perdoava a adúltera, e chicoteava os mercadores do templo. O  Cristo que ressuscitou  dos mortos está ao lado  dos que vêem a fé como a realização da justiça e da igualdade, aqui e agora.



(Transcrito do site http://www.cartacapital.com.br/)








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