17 agosto 2012

POLÍTICA


O estado da democracia no Brasil


Por Emir Sader, em seu Blog



Quando se pergunta a esses economistas de plantão como está o Brasil, eles imediata auscultam a Bolsa de Valores nos seus Ipads, como um médico faz um exame cardiológico. O vai e vem da Bolsa seria o tique- taque da saúde da economia e do próprio país, para a mentalidade mercantil que orienta esses economistas.

Se a Bolsa de Valores faz parte do país – mesmo se de forma um tanto contraditória, na medida em que atrai capitais especulativos -, a situação do país real tem que ser auscultada em outro lado e com outros métodos.

Os avanços mais significativos do Brasil na ultima década se deram no plano da sua democratização social. Uma política econômica que articula estreitamente desenvolvimento econômico com extensão do mercado interno de consumo popular, que prioriza a expansão dos direitos econômicos e sociais e não os ajustes fiscais, tem permitido ao país mais desigual do continente mais desigual, apresentar uma imagem social menos desigual, menos injusta, com menos pobreza e menos miséria do que marcou tradicionalmente a nossa sociedade.

Esses avanços se chocam com estruturas políticas que mantem suas características tradicionais de instrumentos de poder das velhas elites políticas, que aparecem como freios para que a democratização social se expresse em estruturas políticas – tanto parlamentares, como jurídicas e do aparato-estatal – concordes com esses avanços.

Se alguém conseguisse fazer o exercício mirabolante de imaginação e fizesse abstração dos enormes avanços nos direitos sociais dos milhões de brasileiros que estão tendo seus direitos sociais atendidos, parece que seguimos vivendo em governos anteriores – os do Sarney ou do FHC, por exemplo. Governos em que as heranças da ditadura se faziam sentir de forma direta, seja no pessoal político, nas estruturas jurídicas, nas formas de funcionamento do Estado, nas representações parlamentares.

Até onde essas estruturas são compatíveis com a democratização do Brasil? O Congresso é impermeável, pela sua representação eleita pelo financiamento privado de campanhas, que produzem fortes lobbies corporativos, a projetos de democratização das arcaicas e monopolizadas estruturas do campo brasileiro e, ao contrário, ameaça consolidá-las com a aprovação de um Código Rural que aponta para retrocessos maiores ainda.

É impermeável à aprovação de um Marco Regulatório dos meios de comunicação, que permita romper com o monopólio privado de algumas famílias que pretendem formar a opinião pública nacional e partir dos seus próprios interesses e opiniões. E, como diz o Lula, não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da imprensa.

O Congresso, eleito com os privilégios das campanhas privadas, que traduzem as desigualdades econômicas e sociais para as campanhas eleitorais e para o Congresso, tampouco procederá à reforma democrática do sistema eleitoral, que supõe, em primeiro lugar, o financiamento público das campanhas.

O Judiciário tem se mostrado insensível e incapaz de promover a justiça no Brasil, burocrático, passível de corrupção, inadequado para a promoção da justiça e a extensão dos direitos para a grande maioria da população, que o país urgentemente precisa.

O aparato de Estado foi feito para reproduzir as relações dominantes, marcadas pela exclusão social, pelo monopólio das elites tradicionais, que sempre se apropriaram desse aparato para promover seus interesses e reproduz a sociedade desigual e fragmentada que temos.

O governo Lula avançou pelas beiradas, pelas brechas, com o instinto do ensaio e erro do ex-presidente, valendo-se das imensas precariedades herdadas – recessão econômica, exclusão social, concentração de renda, desarticulação do Estado. Retomou-se a expansão econômica, estreitamente articulada com a expansão do mercado interno de consumo popular e a extensão dos direitos sociais. Pela primeira vez a situação social da grande maioria pobre da nossa sociedade melhora. Porém, mesmo para obter esses resultados e dar-lhes continuidade, o governo enfrenta grandes obstáculos, que tantas vezes inviabilizam, mudam a natureza dos projetos ou tiram toda sua eficácia, porque se trata de um Estado – em todas suas estruturas, administrativas, financeiras, jurídicas – que não está feito para promover políticas de inclusão da grande maioria da população.

Nesse marco, a imensa democratização social levada a cabo pelos governos Lula e Dilma não encontra correspondência em processos de democratização política que, por exemplo, permitissem renovar radicalmente as representações politicas no Congresso, que tiveram mudanças menores, sem refletir as transformações sociais no Brasil contemporâneo. O bloqueio do financiamento público de campanha, feito exatamente pelos partidos que se beneficiam dos recursos privados, que os elegem e reelegem, falseando a representação popular, condena o Parlamento à desmoralização atual e ao bloqueio das iniciativas mais progressistas que necessitamos – no plano dos meios de comunicação, do meio ambiente, da política agrária, na reforma do Estado, na democratização do Judiciário, na transparência do funcionamento de todas as instituições públicas, na conquista de direitos ligados à mulher, entre tantas outras.

Sem democratização do Estado, do sistema de representação política, de formação de opinião pública, das relações econômicas e sociais no campo, haverá limites fundamentais para que o Brasil siga, nesta década, a trajetória que vinha trilhando na década passada. Inclusive no poder que o Estado necessita para impulsionar o crescimento econômico que o pais urgentemente precisa, mais além dos interesses corporativos e de busca especulativa de lucros – sem produzir nem bens, nem empregos – do grande capital privado.

Os maiores avanços democráticos que o Brasil teve nestes anos vieram de iniciativas especificas. A Comissão da Verdade, a aprovação do direito ao casamento dos homossexuais e o reconhecimento jurídico e político das políticas de cotas nas universidades. São iniciativas muito importantes, mas que precisam de reformas democráticas do Estado e do sistema político, para fazer do Brasil um país socialmente justo, democraticamente forte e economicamente soberano.


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A CRIMINALIZAÇÃO DA POLÍTICA


(*) Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil (Edição de Agosto de 2012)

Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população resume-se a eleições.

Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o "ano da política", fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país, do qual não escapa um ensino alheio ao tema.

Nação de base escravocrata, às camadas subalternas brasileiras sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político.

Como concessão permite-se o exercício do voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para perpetuação das elites tradicionais no poder.

O descompasso entre presidentes da República eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas têm sido uma constante da política brasileira desde a metade do século passado.

O suicídio de Vargas e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a presidência da República legalmente ocupada pelo presidente João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual enquadra-se até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros. Cabem aí também as chantagens exercidas por grupos parlamentares contra os governos Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.

Diferentemente da eleição majoritária, onde os candidatos a chefe do executivo falam às grandes massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apóiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros que são do velho coronelismo eleitoral.

E no Congresso, sem compromisso ideológico com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos do campo e da cidade, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas.

São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Por pertencerem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos), a existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses.

Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizado-a sempre que possível.

As raízes da tensão histórica existente entre o executivo e o legislativo brasileiros não fazem parte da pauta da mídia nacional.

Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política.

Entre elas, por exemplo, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes Estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.

O dever social da mídia seria o de ampliar esse debate, levando-o à toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política nacional. Mas ela não presta esse serviço.

Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os "bate-bocas" nas CPIs. São temas que caem como uma luva nas linhas editoriais dos grandes veículos, movidas por escândalos e tragédias espetaculares, sempre tratadas como "fait-divers", sem causas ou consequências, apenas como show.

O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos.

A definição de uso corrente de que "são todos iguais" reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.

No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave.

O Brasil é a única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas.

Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.

Ao exercerem no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com o fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.


Fonte: www.cartamaior.com.br 

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