UM JULGAMENTO DE EXCEÇÃO
Antonio Lassance
Como nunca antes
Dizer que o mensalão é o maior escândalo de corrupção da história do país é corromper a própria história da corrupção do Brasil. É um favor que se faz a uma legião de notórios corruptos e corruptores de tantas épocas que jamais foram devidamente investigados, indiciados, julgados, muito menos condenados.
O que se pode de fato dizer sobre a Ação Penal 470 é que nunca antes, na história desse país, um escândalo foi levado, com está sendo agora, às suas últimas consequências.
Como é possível que, em apenas 2 anos (supostamente, de 2003 a 2005, quando foi denunciado), um único esquema tenha sido capaz de superar aqueles constantes de 242 processos engavetados e 217 arquivados por um único procurador-geral? Também falta um pouco de noção de grandeza a quem acha que o financiamento irregular a políticos, de novo, em apenas dois anos, pudesse ter causado mais prejuízo aos cofres públicos do que o esquema que vendeu um setor econômico inteiro, como foi o caso da privatização do sistema de telecomunicações. Será mesmo que o mensalão também superaria, em valores e número de envolvidos, os esquemas que levaram ao único “impeachment” de um presidente brasileiro? Improvável.
Um espetáculo para inglês ver
O mensalão é o ponto culminante de um processo de crescente ativismo judicial que transborda para o jogo da política. Longe de ser um julgamento técnico, trata-se de um exemplo da politização da pauta do Judiciário. O grande problema para a Justiça é que a linha entre a politização e a partidarização é tênue. O bastante para que este Poder passe a ser alvo de suspeitas de que sua atuação esteja sendo orientada e dosada com base em quem se julga, e não no que se julga.
É óbvio que o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do Partido, José Genoíno, por exemplo, serão julgados menos pelo que fizeram e mais pelo que representam. É a própria imagem do PT que estará exposta à condenação. Dirceu, em particular, se tornou o maior troféu desta ação penal, sobretudo pelo seu significado para o PT. Mas o tamanho do castigo a ele encomendado em certa medida se explica por Dirceu ter encabeçado, em 2004, a proposta de controle externo sobre as ações do Ministério Público, no que acabou conhecido como projeto de ‘lei da mordaça”.
Embora singular, o mensalão é mais um dentre os inúmeros episódios que foram explorados visando criar uma aversão pública e uma rejeição à marca PT. A tentativa de criminalizar este Partido vem desde o nascedouro, em 1980, quando Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional pelas greves dos metalúrgicos do ABC paulista, em 1980. O PT já nasceu indiciado, denunciado e exposto ao escárnio, poucos meses após sua fundação.
O atual julgamento tem de tudo para ser um exemplo. Elogiado pela revista “The Economist” como um avanço, já pode ganhar o status de processo feito para Inglês ver. É um exemplo do rigor que a Justiça não costuma empregar. Um exemplo de inquérito que se conclui a tempo de produzir consequências políticas profundas (de longo prazo) e imediatas (bem em meio a uma campanha eleitoral). O escândalo e seu desdobramento judicial foram meticulosamente trabalhados para serem como um carimbo, repetido incansavelmente até que possa tornar-se parte indissociável de uma memória de longa duração sobre a sigla.
Os crimes dos Tupinambás
Embora pareça uma novidade, a ação reproduz padrões de desigualdade que marcaram a administração da justiça no Brasil desde sempre.
Quando o governador-geral, Tomé de Souza, por aqui chegou, no século XVI, deparou-se com o episódio da morte de um colono português por um Tupinambá. A tribo foi ameaçada pelo novo governante e o responsável pelo crime se entregou. Em um espetáculo público “exemplar” e inédito, que permaneceria por muito tempo na lembrança dos que assistiram à punição, o Tupinambá teve sua cabeça amarrada à boca de um canhão e destroçada. Havia até um inglês assistindo à execução, o viajante Robert Southey, a quem devemos o relato para a História.
É claro que as práticas que supostamente constituem a base das acusações da AP 470 são vergonhosas e inadmissíveis, mas não é esta a questão. A dúvida que permanece é sobre o critério utilizado para se estabelecer punições. Afinal, os Tupinambás estão sendo punidos com tal rigor por seus crimes, ou por serem Tupinambás? Crimes desse tipo serão punidos, doravante, da mesma forma, ou apenas se demonstrará que os “portugas” podem, os Tupinambás não podem? Os chefes políticos de outros esquemas, como o que é objeto de uma CPMI em curso, terão suas cabeças igualmente amarradas à boca do canhão pelo procurador-geral?
Até o momento, a AP 470 é exemplar de algo que o sistema judiciário não costuma fazer: vigiar e punir aqueles que estão incumbidos do mais alto exercício do poder. Neste sentido, é um julgamento de exceção. Mais uma daquelas feitas para confirmar a regra.
Para o Partido dos Trabalhadores, já se impôs uma de suas mais duras lições. Mesmo quando aculturado pelos usos e costumes da política tradicional, continuará sendo vigiado e punido por sua natureza: a de ser um partido de Tupinambás.
Dizer que o mensalão é o maior escândalo de corrupção da história do país é corromper a própria história da corrupção do Brasil. É um favor que se faz a uma legião de notórios corruptos e corruptores de tantas épocas que jamais foram devidamente investigados, indiciados, julgados, muito menos condenados.
O que se pode de fato dizer sobre a Ação Penal 470 é que nunca antes, na história desse país, um escândalo foi levado, com está sendo agora, às suas últimas consequências.
Como é possível que, em apenas 2 anos (supostamente, de 2003 a 2005, quando foi denunciado), um único esquema tenha sido capaz de superar aqueles constantes de 242 processos engavetados e 217 arquivados por um único procurador-geral? Também falta um pouco de noção de grandeza a quem acha que o financiamento irregular a políticos, de novo, em apenas dois anos, pudesse ter causado mais prejuízo aos cofres públicos do que o esquema que vendeu um setor econômico inteiro, como foi o caso da privatização do sistema de telecomunicações. Será mesmo que o mensalão também superaria, em valores e número de envolvidos, os esquemas que levaram ao único “impeachment” de um presidente brasileiro? Improvável.
Um espetáculo para inglês ver
O mensalão é o ponto culminante de um processo de crescente ativismo judicial que transborda para o jogo da política. Longe de ser um julgamento técnico, trata-se de um exemplo da politização da pauta do Judiciário. O grande problema para a Justiça é que a linha entre a politização e a partidarização é tênue. O bastante para que este Poder passe a ser alvo de suspeitas de que sua atuação esteja sendo orientada e dosada com base em quem se julga, e não no que se julga.
É óbvio que o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do Partido, José Genoíno, por exemplo, serão julgados menos pelo que fizeram e mais pelo que representam. É a própria imagem do PT que estará exposta à condenação. Dirceu, em particular, se tornou o maior troféu desta ação penal, sobretudo pelo seu significado para o PT. Mas o tamanho do castigo a ele encomendado em certa medida se explica por Dirceu ter encabeçado, em 2004, a proposta de controle externo sobre as ações do Ministério Público, no que acabou conhecido como projeto de ‘lei da mordaça”.
Embora singular, o mensalão é mais um dentre os inúmeros episódios que foram explorados visando criar uma aversão pública e uma rejeição à marca PT. A tentativa de criminalizar este Partido vem desde o nascedouro, em 1980, quando Lula foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional pelas greves dos metalúrgicos do ABC paulista, em 1980. O PT já nasceu indiciado, denunciado e exposto ao escárnio, poucos meses após sua fundação.
O atual julgamento tem de tudo para ser um exemplo. Elogiado pela revista “The Economist” como um avanço, já pode ganhar o status de processo feito para Inglês ver. É um exemplo do rigor que a Justiça não costuma empregar. Um exemplo de inquérito que se conclui a tempo de produzir consequências políticas profundas (de longo prazo) e imediatas (bem em meio a uma campanha eleitoral). O escândalo e seu desdobramento judicial foram meticulosamente trabalhados para serem como um carimbo, repetido incansavelmente até que possa tornar-se parte indissociável de uma memória de longa duração sobre a sigla.
Os crimes dos Tupinambás
Embora pareça uma novidade, a ação reproduz padrões de desigualdade que marcaram a administração da justiça no Brasil desde sempre.
Quando o governador-geral, Tomé de Souza, por aqui chegou, no século XVI, deparou-se com o episódio da morte de um colono português por um Tupinambá. A tribo foi ameaçada pelo novo governante e o responsável pelo crime se entregou. Em um espetáculo público “exemplar” e inédito, que permaneceria por muito tempo na lembrança dos que assistiram à punição, o Tupinambá teve sua cabeça amarrada à boca de um canhão e destroçada. Havia até um inglês assistindo à execução, o viajante Robert Southey, a quem devemos o relato para a História.
É claro que as práticas que supostamente constituem a base das acusações da AP 470 são vergonhosas e inadmissíveis, mas não é esta a questão. A dúvida que permanece é sobre o critério utilizado para se estabelecer punições. Afinal, os Tupinambás estão sendo punidos com tal rigor por seus crimes, ou por serem Tupinambás? Crimes desse tipo serão punidos, doravante, da mesma forma, ou apenas se demonstrará que os “portugas” podem, os Tupinambás não podem? Os chefes políticos de outros esquemas, como o que é objeto de uma CPMI em curso, terão suas cabeças igualmente amarradas à boca do canhão pelo procurador-geral?
Até o momento, a AP 470 é exemplar de algo que o sistema judiciário não costuma fazer: vigiar e punir aqueles que estão incumbidos do mais alto exercício do poder. Neste sentido, é um julgamento de exceção. Mais uma daquelas feitas para confirmar a regra.
Para o Partido dos Trabalhadores, já se impôs uma de suas mais duras lições. Mesmo quando aculturado pelos usos e costumes da política tradicional, continuará sendo vigiado e punido por sua natureza: a de ser um partido de Tupinambás.
Antonio Lassance é cientista político e pesquisador do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). As opiniões expressas neste
artigo não refletem necessariamente opiniões do Instituto.
Fonte: www.cartamaior.com.br
Mensalão: de como um rótulo virou acusação,
e a acusação, um massacre
J. Carlos de Assis (*)
Três coisas sempre me intrigaram no que a grande imprensa
brasileira qualificou, no rastro de denúncias hiperbólicas de dois procuradores
gerais da República, o anterior e o atual, como o maior escândalo da história
republicana, apelidado de mensalão, realizado por uma quadrilha sob comando de
José Dirceu. Primeiro, o caráter regular dos pagamentos, supostamente mensais;
segundo, o fato de os pagamentos terem sido feitos predominantemente para
parlamentares fiéis do próprio PT; terceiro, a fonte dos recursos, públicos ou
privados.
Comecemos pelo último. O insuspeito “O Globo” publica na edição de domingo que “o mensalão” desviou R$ 101 milhões, dos quais apenas R$ 4,6 milhões foram recursos de origem supostamente pública. Mesmo essa origem é controversa, pois a instituição usada no trânsito do dinheiro era privada, a Visanet, e não pública. Conceda-se porém o privilégio da dúvida: sejam esses R$ 4,6 milhões de origem pública. Justifica-se o rótulo de maior escândalo da República o desvio de dinheiro nesse montante? Não houve em nossa história outros maiores, muito maiores?
Vejamos o segundo ponto: quem ou o que estava sendo comprado? Votos? Mas como, se os principais beneficiários eram deputados do próprio PT? Então deputados do PT estavam vendendo seus votos para o próprio PT?
Finalmente, a questão da regularidade dos pagamentos: não consegui ver nenhuma prova inequívoca de que houvesse um pagamento regular mensal aos políticos beneficiários do esquema que lhe justificasse o rótulo de mensalão.
Esse rótulo foi inventado pelo ex-deputado Roberto Jefferson com propósito declaradamente publicitário. Ele próprio o renegou.
A coisa toda pegou mais pelo rótulo do que pela substância. Nesse caso, o que houve foi um esquema clássico de caixa dois para pagamento de dívidas de campanha. Só isso justifica o fato de que parlamentares do PT estivessem entre a maioria dos beneficiários. Só isso justifica o ódio de Roberto Jefferson por não receber a parte combinada da venda ao PT do tempo de televisão do PTB na campanha eleitoral. Ou seja, o PT estava fazendo um acerto de campanha “interna corporis” e esqueceu, talvez por arrogância, um aliado vingativo.
Então não houve crime? A resposta deve ficar à nossa escolha. Se realização de caixa dois, nos termos da legislação eleitoral da época, fosse tipificada como crime, a totalidade – digo, a to-ta-li-da-de – dos dirigentes partidários brasileiros deveria ir para a cadeia. Já acompanhei campanhas eleitorais de partidos grandes e pequenos, participei de algumas, e todos eles fazem caixas dois, todos gastam mais do que têm, todos se viram depois das eleições para fazer os acertos das dívidas pendentes, e não raras vezes dando calotes em seus agentes publicitários.
É claro que o partido que ganha as eleições e seus aliados têm muito mais facilidade de conseguir dinheiro para os acertos pós-campanha que os adversários. Foi isso que levou o PT a embriagar-se de dinheiro, e despertar o ódio dos adversários. Não que fosse dinheiro diretamente público. Toda empresa que tem relações financeiras com o governo tem uma prática regular de contribuir com campanhas de seu interesse. Não raro, contribuem também para os partidos adversários, sempre confiando em alguma contrapartida futura em momento oportuno.
Se não fosse isso, as campanhas eleitorais no Brasil, um país de dimensões continentais, teriam imensas dificuldades de realizar-se. Só nas eleições presidenciais são milhares de candidatos aos executivos e ao Congresso, todos tendo que deslocar-se territorialmente, preparar programas de televisão, imprimir propaganda eleitoral, distribuir panfletos, participar de debates, contratar equipes etc. Obviamente, isso não sai de graça. A maioria dos políticos não tem grande fonte própria de renda. Os recursos só podem vir das empresas, mesmo porque não temos no Brasil muita tradição de contribuições políticas por pessoas físicas (como nos Estados Unidos).
Assim, para sair da maldição do caixa dois, teríamos como alternativa: primeiro, instituir o financiamento público de campanha; segundo, criminalizar os candidatos responsáveis pelo caixa dois. São decisões dificílimas de ser tomadas, mesmo porque grande parte da população, ignorando que no atual sistema os financiamentos de campanha por “particulares” no fundo têm origem no setor público, entenderia como desperdício financiamento público de campanhas políticas. Por outro lado, os políticos teriam grande dificuldade de criminalizar o caixa dois, como condição do financiamento público, porque continuariam tentados a usá-lo.
Voltemos ao “mensalão”. Por que, com evidências tão frágeis, a grande imprensa decidiu crucificar os acusados desse suposto “crime” – suposto, porque ao que me consta, caixa dois é uma irregularidade, não um crime - montando um massacre combinado às figuras mais proeminentes do PT, a começar por José Dirceu? A resposta talvez seja mais simples do que o imaginado: a grande imprensa ficou furiosa com o Governo Lula porque ele decidiu redistribuir a verba publicitária oficial, antes concentrada nuns poucos grupos de comunicação, em favor também de milhares (mais de 6 mil) pequenas e médias empresas do setor.
Mas, e os procuradores, porque carregaram tanto nas tintas da
acusação? Só consigo explicar isso por um excesso de vaidade, já que eles tinham clara evidência de que receberiam uma cobertura espetacular da grande imprensa se fossem duros. Agiram demagogicamente, abusando de seus poderes. Isso também justificou o pré-julgamento realizado por alguns ministros do Supremo, de forma indireta. Alguns, se tivessem real consciência jurídica, deveriam considerar-se impedidos de julgar o caso na medida em que praticamente deixaram público o seu veredicto.
Assim, a partir desta semana, não estarão em julgamento no Supremo apenas os 38 acusados. Estará em julgamento também a Procuradoria Geral da República, a imparcialidade do Supremo e a responsabilidade pública da própria grande imprensa.
(*) Professor de Economia Política da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal Monitor Mercantil do Rio de Janeiro.
Comecemos pelo último. O insuspeito “O Globo” publica na edição de domingo que “o mensalão” desviou R$ 101 milhões, dos quais apenas R$ 4,6 milhões foram recursos de origem supostamente pública. Mesmo essa origem é controversa, pois a instituição usada no trânsito do dinheiro era privada, a Visanet, e não pública. Conceda-se porém o privilégio da dúvida: sejam esses R$ 4,6 milhões de origem pública. Justifica-se o rótulo de maior escândalo da República o desvio de dinheiro nesse montante? Não houve em nossa história outros maiores, muito maiores?
Vejamos o segundo ponto: quem ou o que estava sendo comprado? Votos? Mas como, se os principais beneficiários eram deputados do próprio PT? Então deputados do PT estavam vendendo seus votos para o próprio PT?
Finalmente, a questão da regularidade dos pagamentos: não consegui ver nenhuma prova inequívoca de que houvesse um pagamento regular mensal aos políticos beneficiários do esquema que lhe justificasse o rótulo de mensalão.
Esse rótulo foi inventado pelo ex-deputado Roberto Jefferson com propósito declaradamente publicitário. Ele próprio o renegou.
A coisa toda pegou mais pelo rótulo do que pela substância. Nesse caso, o que houve foi um esquema clássico de caixa dois para pagamento de dívidas de campanha. Só isso justifica o fato de que parlamentares do PT estivessem entre a maioria dos beneficiários. Só isso justifica o ódio de Roberto Jefferson por não receber a parte combinada da venda ao PT do tempo de televisão do PTB na campanha eleitoral. Ou seja, o PT estava fazendo um acerto de campanha “interna corporis” e esqueceu, talvez por arrogância, um aliado vingativo.
Então não houve crime? A resposta deve ficar à nossa escolha. Se realização de caixa dois, nos termos da legislação eleitoral da época, fosse tipificada como crime, a totalidade – digo, a to-ta-li-da-de – dos dirigentes partidários brasileiros deveria ir para a cadeia. Já acompanhei campanhas eleitorais de partidos grandes e pequenos, participei de algumas, e todos eles fazem caixas dois, todos gastam mais do que têm, todos se viram depois das eleições para fazer os acertos das dívidas pendentes, e não raras vezes dando calotes em seus agentes publicitários.
É claro que o partido que ganha as eleições e seus aliados têm muito mais facilidade de conseguir dinheiro para os acertos pós-campanha que os adversários. Foi isso que levou o PT a embriagar-se de dinheiro, e despertar o ódio dos adversários. Não que fosse dinheiro diretamente público. Toda empresa que tem relações financeiras com o governo tem uma prática regular de contribuir com campanhas de seu interesse. Não raro, contribuem também para os partidos adversários, sempre confiando em alguma contrapartida futura em momento oportuno.
Se não fosse isso, as campanhas eleitorais no Brasil, um país de dimensões continentais, teriam imensas dificuldades de realizar-se. Só nas eleições presidenciais são milhares de candidatos aos executivos e ao Congresso, todos tendo que deslocar-se territorialmente, preparar programas de televisão, imprimir propaganda eleitoral, distribuir panfletos, participar de debates, contratar equipes etc. Obviamente, isso não sai de graça. A maioria dos políticos não tem grande fonte própria de renda. Os recursos só podem vir das empresas, mesmo porque não temos no Brasil muita tradição de contribuições políticas por pessoas físicas (como nos Estados Unidos).
Assim, para sair da maldição do caixa dois, teríamos como alternativa: primeiro, instituir o financiamento público de campanha; segundo, criminalizar os candidatos responsáveis pelo caixa dois. São decisões dificílimas de ser tomadas, mesmo porque grande parte da população, ignorando que no atual sistema os financiamentos de campanha por “particulares” no fundo têm origem no setor público, entenderia como desperdício financiamento público de campanhas políticas. Por outro lado, os políticos teriam grande dificuldade de criminalizar o caixa dois, como condição do financiamento público, porque continuariam tentados a usá-lo.
Voltemos ao “mensalão”. Por que, com evidências tão frágeis, a grande imprensa decidiu crucificar os acusados desse suposto “crime” – suposto, porque ao que me consta, caixa dois é uma irregularidade, não um crime - montando um massacre combinado às figuras mais proeminentes do PT, a começar por José Dirceu? A resposta talvez seja mais simples do que o imaginado: a grande imprensa ficou furiosa com o Governo Lula porque ele decidiu redistribuir a verba publicitária oficial, antes concentrada nuns poucos grupos de comunicação, em favor também de milhares (mais de 6 mil) pequenas e médias empresas do setor.
Mas, e os procuradores, porque carregaram tanto nas tintas da
acusação? Só consigo explicar isso por um excesso de vaidade, já que eles tinham clara evidência de que receberiam uma cobertura espetacular da grande imprensa se fossem duros. Agiram demagogicamente, abusando de seus poderes. Isso também justificou o pré-julgamento realizado por alguns ministros do Supremo, de forma indireta. Alguns, se tivessem real consciência jurídica, deveriam considerar-se impedidos de julgar o caso na medida em que praticamente deixaram público o seu veredicto.
Assim, a partir desta semana, não estarão em julgamento no Supremo apenas os 38 acusados. Estará em julgamento também a Procuradoria Geral da República, a imparcialidade do Supremo e a responsabilidade pública da própria grande imprensa.
(*) Professor de Economia Política da UEPB, autor, entre outros livros, do recém-lançado “A Razão de Deus”, pela Editora Civilização Brasileira. Esta coluna sai também no site Rumos do Brasil e, às terças, no jornal Monitor Mercantil do Rio de Janeiro.
Fonte: www.cartamaior.com.br
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