24 agosto 2012

ASSANGE E A LIBERDADE DE IMPRENSA


Sinais dos tempos

Emir Sader, em seu Blog



A crise diplomática gerada pela aceitação do asilo de Julian Assange pelo Equador reflete as novas condições do mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, porque as mídias alternativas conseguiram grande vitória sobre o segredo diplomático das grandes potências, logrando colocar à disposição da opinião pública mundial mais de 5 mil documentos até ali considerados secretos.

Em segundo lugar, porque ao tentar fazer recair sobre o principal responsável por essa divulgação, Julian Assange, o peso da repressão e da censura, se viram às voltas com a solidariedade do governo do Equador, dos governos latino-americanos e de várias outras forças da própria Europa. Não puderam evitar, apesar das bravatas do governo britânico, o asilo de Assange na Embaixada do Equador e ainda tem que sofrer a campanha de protestos pela sua atitude e a favor do salvo-conduto que Assange necessita para seguir para o Equador.

Em terceiro lugar, um país progressista latinoamericano não apenas peitou o governo britânico, como aparece como território de abrigo de alguém que passou a representar a liberdade de expressão no mundo, enquanto que a Grã Bretanha aparece como seu perseguidor.

Em quarto lugar, a Grã Bretanha, com a atitude do seu governo, já é e continuará sendo objeto de campanhas no seu próprio país e em vários outros países do mundo, pela liberdade de Assange e contra a atitude do governo britânico.

Ao tomar a atitude que toma, o governo da Grã Bretanha faz uma aposta muito perigosa: a de ter que suportar, por tanto tempo quanto pretenda retardar o salvo-conduto para Assange, campanhas mundiais contra sua posição e a favor de Assange.

Se juridicamente o governo britânico pode retardar por um tempo indefinido a saída de Assange da embaixada equatoriano na direção do país que lhe concedeu asilo, a questão será decidida pelo grau de desgaste que a Grã Bretanha está disposta a sofrer por essas campanhas. Ela pode sustá-las concedendo de imediato o salvo-conduto a Assange ou ter que finalmente concedê-lo, quando esse desgaste já tenha se dado por um tempo mais ou menos longo.

Seja qual for o desfecho da situação, a Grã Bretanha – e, com ela, os EUA - saem perdedores, enquanto o Equador, a América Latina e Assange, sairão vencedores. Porque representam a liberdade de expressão, as formas alternativas de mídia, a ruptura de mecanismos de de diplomacia secreta.

Sinais de que os tempos mudaram no mundo. E, neste caso, para melhor.





QUE PAÍS É ESTE?


Jeferson Miola(*)



O asilo concedido pela República do Equador ao jornalista Julian Assange surge como um feixe incandescente sobre o obscurantismo medieval que caracteriza a elite conservadora da Inglaterra. E aqui não se trata de diferenciar, no binário sistema político inglês, o Partido Conservador de Margareth Tatcher e seus antecessores e sucessores históricos, do Partido Trabalhista de Tony Blair e seus antecessores e sucessores históricos – simplesmente porque são idênticos na condução da economia, da política e dos assuntos de Estado.

Entre o período da ortodoxia liberal com Tatcher e o período da ortodoxia neoliberal com Blair, tênues nuances diferenciaram os dois tempos. No essencial, foram idênticos: promotores de guerras [Malvinas e Iraque, respectivamente]; satélites europeus dos EUA; cúmplices do capital financeiro internacional; supressores de direitos sociais e laborais; minimalizadores do papel do Estado e, especialmente, imperialistas e colonialistas.

A elite conservadora contemporânea da Inglaterra em muito se assemelha à velha e tradicional aristocracia inglesa. Guerras, colonialismo, imposição religiosa, financeirização econômica são características que percorrem séculos de formação de um pensamento conservador hegemônico. O regime monárquico inglês é, em si mesmo, o veículo de transmissão dessa [quase] “teologia secular”. É o elo de ligação entre o passado e o presente do conservadorismo que plasma a sociedade inglesa. E a rainha Elizabeth é a prova fiel do fenômeno: reina há 60 anos! No século 21, a sociedade que incensa sua monarquia se distancia anos-luz da modernidade. E seu alter ego se identifica com a herança de uma monarquia anti-humanista e bárbara que há menos de 150 anos decapitava os oponentes da Corte.

O país que hoje sitia o jornalista Julian Assange e ameça invadir a Embaixada do Equador num gesto de desprezo pela Convenção de Viena sobre o direito de asilo e imunidade diplomática, é o mesmo país que concedeu asilo diplomático a Augusto Pinochet - um dos maiores trogloditas latinoamericanos do último século. A história é curiosa. O juiz Baltazar Garzón litigou contra o Estado da Inglaterra pelo cumprimento de um mandato internacional de prisão contra Pinochet, recusado ferrenhamente pelo governo inglês, que assim asilou um criminoso. E o juiz espanhol novamente luta contra o Estado da Inglaterra, desta vez para assegurar o direito de asilo e de saída do país ao jornalista Julian Assange, encontrando a ferrenha resistência do governo inglês.

O país que colonizou e dilapidou grande parte da África e Asia inteiras - da Índia à Nigéria - e inspirou a trágica monstruosidade do Apartheid, na África do Sul, é o mesmo país que coloniza as Ilhas Malvinas, distante a 12.700 Km de Londres, para piratear sua costa e seu petróleo. Se recusa a dialogar e encontrar o entendimento para o conflito; ao contrário, se pinta para a guerra em defesa da usurpação.

No Comitê de Descolonização da ONU estão identificados 16 territórios em todo o mundo que ainda são colônias, sem autonomia e sem soberania. O Reino Unido coloniza 10 desses territórios, que estão localizados na Ásia, na Europa, na América Latina e no Caribe. O desrespeito às resoluções das Nações Unidas sobre a erradicação do colonialismo é sistemático.

A ilegal – à luz do direito internacional - reação da Inglaterra ante o asilo concedido pelo Equador a Julian Assange não surprende. É expressão do seu poder num mundo que teve as normas internacionais subvertidas pela chamada “guerra preventiva” da doutrina terrorista de Bush e Blair. Segundo esta doutrina, os EUA e a Inglaterra são os guardiões da segurança e da ordem mundial. Nesta qualidade, caçam os cidadãos que representam “perigo para a humanidade”. O inofensivo e trabalhador brasileiro Jean Charles, por exemplo, foi alvejado por esta doutrina: tiros certeiros na cabeça, numa estação do metrô londrino.

A ação inglesa no episódio Julian Assange, ameaçando invadir a Embaixada equatoriana e se recusando a conceder o salvo-conduto, traduz sua profunda devoção aos desejos do império estadoudinense e o desrespeito com a comunidade internacional. A Inglaterra faz de tudo para viabilizar a extradição de Assange aos EUA, onde ele seria julgado arbitrariamente a la guantánamo e possivelmente condenado à prisão perpétua ou à pena de morte. Isso mesmo, pena de morte - outro traço do obscurantismo de uma cultura medieval e bárbara, incompatível com uma visão iluminista de mundo.

Julian Assange cometeu o crime de fundar o Wikileaks e assim exercer a liberdade de informar e de revelar os meandros do establishment dos EUA e as vísceras da política externa intervencionista e belicista que desenvolve no mundo. Curiosamente, o país acusado pelos EUA e pela Inglaterra de tolher a liberdade de imprensa, o Equador, é o mesmo que concede asilo político a um dos maiores símbolos contemporâneos da luta pela liberdade de informação, pela verdade dos fatos e pela democratização da mídia.

Jeferson Miola foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.




Fonte: www.cartamaior.com.br 



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