10 agosto 2012

MÍDIA


Murdoquianas





Por Mino Carta, na Revista CartaCapital


Aprendi jornalismo com meu pai, Giannino. A questão central do aprendizado dizia respeito ao compromisso moral, antes ainda que ético. Moral no sentido imanente, a transcender o momento fugidio. Neste ponto, a lição deu-se pelo exemplo, sem desperdício de palavras, pois a regra valia em todos os níveis do comportamento humano no exercício complexo da existência.
Meu pai, como muitos outros profissionais de qualidade, acreditava que jornalismo exige, em termos técnicos, quase nada de quem o pratica, ao contrário, por exemplo, da medicina. Aprende-se tudo em dois meses na redação, ou menos ainda. Um cidadão munido de algum talento para a escrita e de razoável cultura geral tem todas as condições de ser competente como jornalista, mas o compromisso moral é indispensável ao correto cumprimento da tarefa. Jornalismo implica, é fácil entender, responsabilidades imponentes.
As ideias políticas de meu pai não eram iguais às minhas, no entanto, a questão moral nos unia. Foi ele quem me ensinou, sem permitir-se ministrar lições, que a objetividade é a da máquina de escrever, hoje diria do computador. Desconfiem do jornalista que a afirma e a toda hora a proclama. Dele pretenda-se a honestidade. Jornalista honesto é aquele que conta os fatos exatamente como os viu, sem omitir aspecto algum indispensável à compreensão da audiência, na fidelidade canina à verdade factual.

O exemplo mineiro. Três capas entre novembro de 2005 e junho de 2006. As denúncias baseadas na verdade factual foram recebidas pelo retumbante silêncio midiático

Na minha visão,
 a mídia nativa peca de todos os pontos de vista. Ela não prima na lida com o vernáculo e pelo bom gosto. Leitores, ouvintes, espectadores dotados de espírito crítico sabem disso. Peculiares, digamos assim, são os critérios que orientam a hierarquização das informações e atrabiliários aqueles que ditam as manchetes. Às vezes pergunto aos meus perplexos botões: que farão eles se eclodir a guerra?
Os jornais são feios e mal impressos, do encontro com eles sai-se de mãos sujas. As seções de cultura destinam-se claramente a indigentes, e as colunas sociais, banidas há muitas décadas nos países civilizados, são mantidas para falar daquelas 837 inextinguíveis personagens. Comparada com a mídia de outras nações, a nativa habilita-se a inspirar sentimentos de pena em almas caridosas.
Cabe registrar, porém, algo pior, muito pior. Ao noticiar os fatos da política, ou quaisquer outros relacionados com o jogo do poder, a mídia nativa é profundamente desonesta. Desde sempre, arrisco-me a sustentar. Ou, por outra, omite, inventa, mistifica, mente, tempo adentro, certa de que nada acontece se não for notícia nos seus espaços. E tão segura na crença a ponto de se tornar vítima de si mesma ao enxergar a verdade onde não está e viver uma miragem compartilhada por quantos se abeberam à sua fonte.
O conjunto da obra está longe de ser animador. De todo modo, o assunto da reportagem de capa desta edição, a revelar as parcerias entre a revista Veja e o contraventor Cachoeira, soa-me inédito. Não recordo situação similar na história do jornalismo brasileiro. Não é que o enredo derrube meu queixo. Desta Veja nada justifica espanto, inclusive por ganhar a absoluta primazia no desrespeito à questão moral, antes ainda que ética. Que me lembre, nunca houve órgão midiático, ou jornalista, capaz de chegar tão longe.
Como haverão de reagir os barões e seus sabujos? Quando surgiram os primeiros sinais da relação Veja-Cachoeira, logo anotados por CartaCapital, fomos animadamente criticados, ou ignorados. O que, aliás, faz parte de hábitos e tradições. Sim, o Brasil não é um daqueles países onde, se o tema é importante, e válido porque baseado em fatos reais, contará com o interesse geral independentemente de quem o levantou. A mídia lhe seguirá as pegadas imediatamente.
Exemplo não muito distante, o chamado mensalão mineiro. A respeito, CartaCapital, entre novembro de 2005 e junho de 2006, publicou três reportagens de capa, acolhidas, obviamente, pelo silêncio retumbante da mídia. Diga-se que, em qualquer latitude de nossa política, o esquema de corrupção é sempre o mesmo. Não pretendo esclarecer agora as razões pelas quais aos tucanos tudo se perdoa. Observo apenas que de súbito uma ou outra coluna evoca nestes dias as mazelas cometidas sob a proteção do ex-governador Eduardo Azeredo, com a expressão arguta de quem avisa: depois não digam que não falamos disso…
A desfaçatez da turma não tem limites. E por que não falaram na hora certa? Neste exato instante, não me surpreenderei se o silêncio do abismo se fechar sobre as façanhas murdoquianas de Veja.


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O Triste fim de Policarpo





Por Leandro Fortes, na Revista CartaCapital



Na CartaCapital dessa semana há uma história dentro de uma história. A história da capa é o desfecho de uma tragédia jornalística anunciada desde que a Editora Abril decidiu, após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, que a revista Veja seria transformada num panfleto ideológico da extrema-direita brasileira. Abandonado o jornalismo, sobreveio a dedicação quase que exclusiva ao banditismo e ao exercício semanal de desonestidade intelectual. O resultado é o que se lê, agora, em CartaCapital: Veja era um dos pilares do esquema criminoso de Carlinhos Cachoeira. O outro era o ex-senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Sem a semanal da Abril, não haveria Cachoeira. Sem Cachoeira, não haveria essa formidável máquina de assassinar reputações recheada de publicidade, inclusive oficial.
Capa da edição de número 710 de CartaCapital
A outra história é a de um jornalista, Policarpo Jr., que abandonou uma carreira de bom repórter para se subordinar ao que talvez tenha imaginado ser uma carreira brilhante na empresa onde foi praticamente criado. Ao se subordinar a Carlinhos Cachoeira, muitas vezes de forma incompreensível para um profissional de larga experiência, Policarpo criou na sucursal da Veja, em Brasília, um núcleo experimental do que pior se pode fazer no jornalismo. Em certo momento, instigou um jovem repórter, um garoto de apenas 23 anos, a invadir o quarto do ex-ministro José Dirceu, no Hotel Nahoum, na capital federal. Esse ato de irresponsabilidade e vandalismo, ainda obscuro no campo das intenções, foi a primeira exalação de mau cheiro desse esgoto transformado em rotina, perceptível até mesmo para quem, em nome das próprias convicções políticas, mantém-se fiel à Veja, como quem se agarra a um tronco podre na esperança de não naufragar.
A compilação e análise dos dados produzidos pela Polícia Federal em duas operações – Vegas, em 2009, e Monte Carlos, em 2012 – demonstram, agora, a seriedade dessa autodesconstrução midiática centrada na Veja, mas seguida em muitos níveis pelo resto da chamada “grande” imprensa brasileira, notadamente as Organizações Globo, Folha de S.PauloO Estado de S.Paulo e alguns substratos regionais de menor monta. Ao se colocar, veladamente, como grupo de ação partidária de oposição, esse setor da mídia contaminou a própria estrutura de produção de notícias, gerou uma miríade de colunistas-papagaios, a repetir as frases que lhes são sopradas dos aquários das redações, e talvez tenha provocado um dano geracional de longo prazo, a consequência mais triste: o péssimo exemplo aos novos repórteres de que jornalismo é um vale tudo, a arte da bajulação calculada, um ofício servil e de remuneração vinculada aos interesses do patrão.
A Operação Vegas, vale lembrar, foi escondida pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel, este mesmo que por ora acusa mensaleiros no STF com base em uma denúncia basicamente moldada sobre os clichês da mídia, em especial, desta Veja sobre a qual sabemos, agora, que tipo de fontes frequentava. Na Vegas, a PF havia detecdado não somente a participação de Demóstenes Torres na quadrilha, mas também de Policarpo Jr. e da Veja. Essa informação abre uma nova perspectiva a ser explorada pela CPI do Cachoeira, resta saber se vai haver coragem para tal.
Há três meses, representantes das Organizações Globo e da Editora Abril fecharam um sórdido armistício com Michel Temer, vice-presidente da República e cacique-mor do PMDB. Pelo acordo, o noticiário daria um descanso para Dilma Rousseff em troca de jamais, em hipótese alguma, a CPI do Cachoeira convocar Policarpo Jr., ou gente maior, como Roberto Civita, dono  da Abril. A fachada para essa negociata foi, como de costume, as bandeiras das liberdades de imprensa e de expressão, dois conceitos deliberadamente manipulados pela mídia para que não se compreenda nem um nem outro.
No dia 14 de agosto, terça-feira que vem, o deputado Dr. Rosinha irá ao plenário da CPI apresentar um requerimento de convocação do jornalista Policarpo Jr.. É possível, no mundo irrreal criado pela mídia e onde vivem nossos piores parlamentares, que o requerimento caia, justamente por conta do bloqueio do PMDB e dos votos dessa oposição undenista sem qualquer compromisso com a moral nem o interesse público.
Será uma chance de ouro de todos nós percebermos, enfim, quem é quem naquela comissão.



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