Reconsiderando as nomeações para o STF
César Augusto Baldi (*)
Neste ano de 2012, a Presidenta Dilma terá a possibilidade de
nomear, ao que tudo indica, mais três novos integrantes do Supremo Tribunal
Federal: os Ministros Ayres Britto e Cezar Peluso aposentam-se compulsoriamente,
ao passo que o Ministro Celso de Mello anunciou desejo de retirar-se , terminado
o julgamento do denominado “mensalão”.
É verdade que a Constituição estabelece decisão unipessoal da Presidência da República, depois da aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal (art.101, § único, CF). Estabelece, para tanto, apenas: (a) idade mínima de trinta e cinco anos e máxima de sessenta e cinco anos; (b) notável saber jurídico; (c ) reputação ilibada. Não é necessário, portanto, que seja egresso da magistratura de carreira, nem do Ministério Público Federal, nem mesmo a comprovação do exercício de advocacia por mais de dez anos. Tampouco é condição, para tanto, que tenha sido nomeado para o Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, respeitados estes três requisitos, inexiste óbice para a indicação do nome.
Ainda que se possa discutir a conveniência de alteração constitucional para estabelecer novos requisitos ou mesmo fixar mandato para o exercício da função, é possível inovar no procedimento de escolha.
Tal como ocorreu na Argentina, com a edição do Decreto 222/2003, pelo então presidente Nestor Kirchner, que, manteve a indicação unipessoal e a decisão pelo Senado da Nação, procurando estabelecer mecanismos de maior transparência e participação para a escolha à “Corte Suprema de la Justicia de la Nación”.
O que estabelece tal regramento?
Primeiro, que a pré-seleção de candidatos se dá no marco de “prudencial respeito ao bom nome e honra dos seus pressupostos”, correta valoração de suas atitudes morais, idoneidade técnica e jurídica, trajetória e – importante frisar- compromisso com a defesa de direitos humanos e valores democráticos (art. 2º)
Segundo, a inclusão de novos integrantes deve permitir refletir “as diversidades de gênero, especialidade e procedência regional no marco ideal de representação de um país federal” (art. 3º).
Terceiro, uma vez declarada a vacância, publica-se, no prazo máximo de 30 dias, em dois diários de circulação nacional, na página web do “Ministerio de Justicia, Seguridad y Derechos Humanos” e no “Boletín Oficial”, o nome e antecedentes curriculares das pessoas que se encontram em consideração para o cargo (art. 4º), abrindo-se um prazo de 15 dias para que cidadãos em geral, organizações não governamentais, associações profissionais, entidades acadêmicas e de direitos humanos, por escrito e fundamentadamente, enviem considerações, observações que considerem importantes observar com relação aos incluídos na seleção, “con declaración jurada” (art. 6º). Importante destacar: não serão consideradas objeções irrelevantes para a perspectiva do procedimento estabelecido no art. 2º, nem aquelas fundadas em “qualquer tipo de discriminação”.
Também podem ser ouvidas outras organizações no âmbito “profissional, judicial, acadêmico, social, político e de direitos humanos” (art. 7º).
Quarto, as pessoas incluídas na seleção devem apresentar declaração de todos os bens próprios, de cônjuge ou união estável, patrimônio de eventual sociedade conjugal e de filhos menores, de acordo com a “Ley de Etica de la Función Pública nº 25.188” (art. 5º). Além disso, também clientes e contratantes de, pelo menos, últimos oito anos, bem como qualquer compromisso que possa afetar a imparcialidade de seu critério “por atividades próprias, atividades de seu cônjuge, de seus ascendentes e de seus descendentes em primeiro grau”, para avaliar objetivamente a existência de “incompatibilidades ou conflitos de interesses”.
Quinto, em caráter de sigilo fiscal, será solicitado à “Administración Federal de Ingresos Publicos” informe sobre o cumprimento de obrigações impostas (art. 8º).
Sexto, o Poder Executivo tem o prazo de quinze dias, a partir das “posturas u observaciones”, para apreciar o mérito das objeções e enviar- ou não- o nome para apreciação do Senado Federal (art. 9º).
Inexiste, para o caso brasileiro, motivo para não aplicação de procedimento similar, sendo, antes pelo contrário, extremamente salutar.
Primeiro, porque, desde o Decreto nº 6.029/2007, existe o “Código de Conduta da Alta Administração Federal”, em observância ao princípio da moralidade, basilar para a administração pública, não havendo qualquer óbice para ser observado como parâmetro de avaliação de determinadas objeções que poderiam ser colocadas à apresentação de nome indicado, incluídos eventuais conflitos de interesses. Recorde-se, por exemplo, que quando da indicação de Hillary Clinton para “Secretária de Estado” dos EUA, foram colocadas determinadas restrições para a atuação da fundação dirigida por Bill Clinton, a fim de que a indicação fosse aceita.
Segundo, porque fixa, para o Poder Executivo, prazos para indicação, procedimento de objeções e apreciação das questões. A indicação do Ministro Luiz Fux tardou seis meses, a da Ministra Rosa Weber, três. E não existe previsão de que o STF tenha ministros convocados de outros tribunais, embora aberta a vaga, o que sobrecarrega, neste intervalo de tempo, a própria rotina de julgamentos, em contraposição ao princípio da eficiência. Aliás, ganharia maior legitimidade se a Presidência tornasse públicos os motivos que justificam a nomeação para o mais alto cargo do Poder Judiciário.
Terceiro, porque o procedimento estabelece uma filtragem em termos de gênero e procedência regional- quiçá pudesse ser incluído também um critério de ordem étnico-racial- e refuta qualquer objeção que seja fundada em discriminação- o que implicaria dizer também incluída aquela de orientação sexual e étnico-racial. Se é verdade que somente três mulheres foram nomeadas para o STF e que somente um negro o foi, e que, atualmente, apenas o Ministro Ayres Britto proveio da região Nordeste, também não se deve esquecer que nunca houve representante indígena e sequer a região Norte ou mesmo a Amazônia tem algum integrante na atual composição. Somente em 27 de agosto de 2008, por exemplo, Joênia Wapichana tornou-se a primeira advogada indígena a fazer uma sustentação oral no STF.
Quarto, porque a regulamentação implicaria um aumento de participação da sociedade civil e de deliberação democrática prévia à apreciação do Senado, com evidente democratização do processo de escolha unipessoal da Presidência da República, além de dar maior transparência e procurar coibir determinadas pressões políticas, permitindo o escrutínio público dos requisitos do notório saber jurídico e da ilibada conduta, bem como questionando o perfil de magistrado que se quer para a cúpula do Poder (maior experiência acadêmica? vivência jurídica? clareza nos argumentos ou maior técnica? sensibilidade social? perfil mais tradicional ou mais crítico?).
Quinto, porque fica estabelecida a necessidade de um compromisso com a defesa dos direitos humanos e valores democráticos, que se encontram previstos, constitucionalmente, como fundamentos da República Brasileira (art. 1º) e dos princípios das relações internacionais (art. 4º). E não se pode negar que o protagonismo do Poder Judiciário tem implicado, também, a necessidade de um reforço de parâmetros democráticos, tanto na escolha dos seus membros, mas também em sua própria atuação. Ainda mais se considerando que o próprio STF tem aberto a possibilidade de audiências públicas e de inclusão de amici curiae, dentro de um processo de ampliação da “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, tal como preconizado por Peter Häberle.
Está mais que na hora do Brasil dar este importante passo no sentido da democratização da escolha dos integrantes do Tribunal responsável, dentre outras competências, pela “guarda da Constituição” e pelo julgamento de “inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 102, CF). A Presidenta da República pode tomar esta iniciativa, o que muito engrandecerá o exercício de seu mandato popular. Ou a sociedade civil, em especial os ativistas de direitos humanos, pressionar neste sentido. Este é o momento, antes da aposentadoria do Ministro Cezar Peluso.
(*) Mestre em Direito (ULBRA/RS), doutorando Universidad
Pablo Olavide (Espanha), servidor do TRF-4ª Região desde 1989,é organizador do
livro “Direitos humanos na sociedade cosmopolita” (Ed. Renovar, 2004).
Fonte: www.cartamaior.com.br
"As penas servem para intimidar aqueles que não querem
cometer crimes." - Karl Kraus
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