Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
A anedota que encerra o ano é contada por um colunista do jornal O Estado de S. Paulo na edição de terça-feira (31/12). A propósito de produzir uma “retrospectiva” do ano que se está a inaugurar, ele faz uma rápida passagem por indicadores, que, a rigor, podem apontar projeções para cima ou para baixo no desempenho da economia (ver aqui). No final, quase pede desculpas aos leitores por fazer uma análise otimista, “mas não irrealista”.
O texto é interessante não apenas porque exercita com sagacidade a difícil arte da ironia no jornalismo, mas também porque, de certa maneira, coloca em termos mais realistas a suposta capacidade dos especialistas de fazer previsões. O artigo se destaca justamente por fugir do determinismo habitual da mídia especializada, que insiste em fincar postes de concreto no pantanoso terreno das subjetividades. Sua principal qualidade é a de brincar com as “retrospectivas futuristas” que a imprensa costuma publicar nesta época do ano.
A leitura das muitas páginas de adivinhações publicadas nos últimos dias leva à constatação de que o jornalismo no Brasil se apegou tanto a certo olhar sombrio sobre as chances de desenvolvimento do país que já não consegue dissimular uma clara “torcida” para que alguma coisa dê errado. Assim, se o nível de desemprego se mantém entre os mais baixos do mundo, em economias comparáveis, e se a renda do trabalho segue em alta, sem que os lucros das empresas tenham sido afetados, resta cravar na manchete o péssimo desempenho do mercado de ações.
A Bolsa do Brasil teve o segundo pior desempenho entre as instituições do gênero em 2013, mas os analistas projetam uma recuperação de 30% no ano que se inaugura. Essa notícia já havia sido publicada ao longo da semana, mas ganha espaço nas primeiras páginas de terça-feira (31), porque é preciso ressaltar, sempre que possível, os aspectos negativos da complexidade econômica.
É quase um mantra no jornalismo brasileiro, uma espécie de manual de redação comum aos principais veículos de circulação nacional. Como se dizia no programa humorístico Rádio Camanducaia: “Quando não tem notícia, a Camanducaia inventa”.
O mapa astral
Interessante observar o subtexto das reportagens sobre o péssimo desempenho da Bolsa. Quem ler apenas os títulos sai comentando nas redes sociais que o mundo acabou, mas basta um olhar mais cuidadoso para perceber alguns sinais de manipulação na construção de manchetes.
Primeiro, os jornais omitem o fato de que o índice Bovespa reflete a variação média das ações de maior valor de mercado e mais negociadas nos pregões. Convém, então, relativizar os dados, como faz corretamente a Folha de S. Paulo.
O Estado de S. Paulo anuncia no título: “Bovespa cai 15,5% em 2013 e tem pior desempenho entre as principais bolsas”. Mas o texto da reportagem é otimista nas entrelinhas, com os analistas levando em conta a derrocada da OGX, empresa de Eike Batista, que sozinha carregou 40% das perdas do mercado, e projetando para 2014 o início de um período de recuperação do mercado acionário no Brasil.
No infográfico que acompanha a notícia, observa-se que a Bolsa da Argentina liderou os ganhos em todo o mundo, com um crescimento de 88% em 2013, mais de 30 pontos acima do desempenho da Bolsa de Tóquio. Sem explicações.
O Globo, com um título que beira o deboche, destaca: “Na lanterninha global”. Na reportagem interna, as razões para a queda no índice Bovespa incluem fatores variados, entre os quais o risco de o Supremo Tribunal Federal determinar o pagamento das perdas bilionárias provocadas por planos econômicos de duas décadas atrás, o que derrubou o valor de mercado dos grandes bancos. A Bolsa da Argentina simplesmente desaparece do gráfico, e o lucro daqueles que desconfiaram do mercado de ações aparece apenas no fim do texto.
Do material disponível nas principais publicações brasileiras, o grande destaque em termos de objetividade fica para a página dupla no pacote de “apostas” da revista Época desta semana: o mapa astral mostra que o céu é “favorável para os brasileiros na Copa do Mundo”, mas há nuvens negras na política e no clima, ou seja, há possibilidade de novas revelações de corrupção e mais inundações em áreas urbanas.
Conclusão: a informação mais confiável da imprensa está no horóscopo.
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