Fernando Gaspar Neisser (*) - Agência Carta Maior
O Supremo Tribunal Federal pautou para esta quarta-feira, 10 de dezembro, o início do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4650, ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil. Sustenta-se na inicial a inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas para candidatos, coligações e partidos políticos. Entende a OAB que a Constituição Federal reserva aos cidadãos, pessoas físicas, de forma exclusiva, a possibilidade de influir na escolha política dos seus representantes.
Respeitando o intuito moralizador da medida judicial que irá a julgamento, que visa reduzir ou afastar a influência do poder econômico nas eleições, algumas ponderações parecem cabíveis. Na democracia representativa as eleições assumem papel crucial, significando o momento no qual o corpo político toma para si a rédea decisória, escolhendo este ou aquele rumo que pretende dar à coisa pública no período subsequente.
A elaboração de mensagens políticas e sua divulgação; o processo de convencimento lícito e legítimo dos eleitores; a manutenção das estruturas partidárias que dão substrato e permitem a disputa política; são todas atividades custosas, que exigem ser financiadas por alguém. Referido custo, cabe destacar, só vem sofrendo acréscimos, em todos os países democráticos, nas últimas décadas. O desenvolvimento de novas tecnologias de informação; a crescente importância do marketing na área política e eleitoral; a massificação da informação, impondo o manejo de linguagens e formas de acesso diversas a cada público; apontam para um crescimento geométrico dos custos da atividade política, especialmente das campanhas eleitorais.
Resta, assim, saber qual a melhor forma de arcar com tais custos, entendendo por financiamento político o custeio das atividades partidárias e eleitorais e admitindo, de igual modo, os possíveis efeitos negativos decorrentes do ingresso de recursos financeiros na atividade política.
No esteio de um liberalismo político de matiz individualista e antiestatal, o custo da atividade política foi tido por algo forçosamente externo ao Estado e, por esta razão, por ele ignorado. Aos agentes e partidos políticos cabia buscar os meios de seu financiamento, pouco importando como tal se daria. Tinha-se, desta forma, um financiamento exclusivamente privado, a ser buscado dentre os apoiadores dos partidos políticos. Esta postura, contudo, trouxe consequências negativas ao jogo político, incrementando em demasia a influência do poder econômico nas eleições e reclamando, por parte do Estado, algum nível de controle. Assim é que as primeiras regulamentações sobre o tema se cingiram a um aspecto negativo de controle. Foram estatuídos limites de arrecadação e gastos por parte de candidatos e partidos, tanto sob a ótica que quem podia doar, quanto em relação a que tipo de despesas poderia ser realizado.
Com o aperto generalizado das contas públicas decorrente de políticas neoliberais, principalmente a partir de meados da década de 80 do século XX, contudo, os Estados deixaram de ter disponibilidade para custear integralmente as cada vez mais caras campanhas eleitorais. Por esta razão é que a maior parte dos Estados vem, paulatinamente, adotando modelos mistos de financiamento político, através dos quais se permite o ingresso de recursos privados, de forma controlada, cotejados com recursos públicos de caráter equalizador.
No Brasil o modelo adotado é exatamente o de financiamento misto. O Estado participa com o custeio da compra de tempo em todas as redes de televisão e rádio, paga mediante compensações tributárias, bem como com recursos diretos do orçamento da União consubstanciados no Fundo Partidário. Admite-se, simultaneamente, a recepção de doações de pessoas físicas ou jurídicas, nos termos e com os limites que serão objeto de ponderação mais à frente.
De uma forma ou de outra, é de se admitir que mesmo com o financiamento exclusivamente público não se mostra possível afastar definitivamente o ingresso ilícito de recursos privados nas campanhas eleitorais. Muito já se falou sobre a permeabilidade da política à influência do dinheiro. Considera-se, inclusive, que o dinheiro atua como a água, sempre em busca de um canal de escoamento para dentro do sistema político. Assim, a experiência vem mostrando que mesmo as mais rígidas normas não se mostram capazes de definitivamente afastar a influência do poder econômico da disputa eleitoral e, posteriormente, do exercício do poder.
A adoção da tese defendida pela OAB na ação cujo julgamento aqui se debate busca impor a solução mais simples: veda-se totalmente a doação eleitoral ou partidária realizada por empresas. Sob uma ótica minimamente consequencialista, contudo, é de se reconhecer que a proibição logrará evitar o resultado previsto na norma com, no máximo, a mesma eficácia que qualquer proibição legal o faz.
É certo que parte das doações hoje realizadas serão obstadas. Sempre há os que seguem a lei por sua mera existência e validade ou, ao menos, pelo temor da sanção. Ocorre que estes tendem a ser, em regra, aqueles que ao efetuarem as doações atualmente já o fazem às claras, dentro dos limites legais. Os outros, cujas doações visam obter benesses junto ao Estado, não se intimidam no modelo atual de controle e, por certo, manterão o mesmo comportamento caso tenha êxito a medida judicial proposta pela OAB.
Por outro lado, forçoso reconhecer que incomoda mais a magnitude da influência de um doador do que propriamente sua natureza – se cidadão ou empresa. Nosso atual modelo prevê que os limites de doação são fixados em função do faturamento bruto, em caso de empresa, ou do rendimento, para os cidadãos. Ou seja, o mais rico pode, licitamente, influenciar mais a escolha política.
Tal aspecto faz crer que mais salutar do que vedar doações de empresas seria a imposição de um teto fixo, válido para uns e outros, dentro do qual todos poderiam participar da atividade política, limitada a influência individual a tal teto. Ao mesmo tempo, o financiamento público – paralelo ao privado – busca reduzir as discrepâncias de exposição entre as diferentes propostas políticas, mitigando os efeitos do poder econômico.
Tapar o sol com a peneira, como aponta o dito popular, não o torna menos luminoso. Mais madura é a solução de uma sociedade que reconhece a existência do problema e sua complexidade; estruturando regras de transparência e controle que permitam ao menos minimizar os seus efeitos deletérios, ao mesmo tempo em que incentiva a participação política de todos os seus atores com recursos do orçamento público.
(*) Mestrando em direito pela Universidade de São Paulo e advogado em direito eleitoral em São Paulo. Artigo baseado em trabalho anterior intitulado Financiamento Eleitoral e Corrupção: limites do atual modelo de controle in: Gomez de la Torre, Ignácio Berdugo e Bechara, Ana Elisa Liberatore S. (Coord). Estudios sobre la Corrupción: Una Reflexión Hispano Brasileña. Salamanca: Centro de Estudios Brasileños de la Universidad de Salamanca, 2013, p. 441 e ss.
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