Alberto Dines, no Observatório da Imprensa
Também ocorreu numa aziaga sexta-feira, 13 de dezembro: ontem [13/12], nos 45 anos da promulgação do Ato Institucional nº 5, poucos lembraram o seu significado. Parecia mais uma data do monótono livro das efemérides completamente liberada da carga de terror que espalhou pelo país ao longo dos 17 anos seguintes.
Graças aos sites “Última Instância” e “Opera Mundi”, as ameaças de amnésia e acomodação não se consumaram e ficamos sabendo que o AI-5 vinha sendo formalmente discutido desde julho de 1968, no Conselho de Segurança Nacional, opondo o então general-presidente Costa e Silva ao chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), general Garrastazu Médici. Apoiavam o imediato endurecimento do regime os três ministros militares, o ministro da Justiça, Gama e Silva, e o da Fazenda, Delfim Netto (ver “Especial ‘À espera da verdade’”).
Este “núcleo duro” via com preocupação a onda crescente de manifestações de rua contra o regime militar inspiradas no figurino francês de maio de 1968. Temiam, sobretudo, que a Frente Ampla – a surpreendente coligação articulada dois anos antes por Carlos Lacerda com o apoio dos seus ex-inimigos, Juscelino Kubitschek e João Goulart – conseguisse uma base de apoio popular capaz de torná-la politicamente imbatível.
Data redonda
Desgasta-se assim a versão tradicional de que o AI-5 foi uma reação da ditadura à recusa do Congresso em processar o deputado Márcio Moreira Alves pelo discurso antimilitar na véspera do Sete de Setembro daquele ano. Tanto o discurso como a resistência parlamentar foram meros pretextos. O “golpe dentro do golpe” vinha sendo pacientemente elaborado porque a comunidade de informações mancomunada com os órgãos de repressão carecia de um instrumento legal para começar agir contra a “conspiração comunista”.
O fim do habeas-corpus, o fechamento do Congresso e a implantação formal da censura aos órgãos de comunicação constituíam o armamento básico do arsenal militar. Costa e Silva resistia não porque fosse um convicto democrata, mas porque era um pragmático e, além disso, adepto das doutrinas de “cordialidade” e aparências. Ao opor-se à censura, disse nas reuniões do Conselho de Segurança que não se importava que alguns dos ministros continuassem influenciando a direção das empresas jornalísticas em defesa do regime – Delfim Netto era um dos mais ativos e bem sucedidos –, mas ele, Costa e Silva, não implantaria a censura.
O general-inquisidor ganhou duas vezes: além de vencer a disputa com o general-presidente ficou com o seu cargo quando, em 1969, Médici substituiu a Junta Militar que assumiu o comando do país quando Costa e Silva foi vitimado por uma hemorragia cerebral. Como prêmio pela autoria da mais abjeta legislação que o país já teve, Gama e Silva foi escolhido por Médici para sucedê-lo em 1973. Os irmãos Geisel (Orlando e Ernesto) não deixaram. O outro pai do AI-5, Delfim Netto, continua o seu pontificado a favor do Estado forte, agora incensado por setores de esquerda.
O AI-5 não foi uma ópera-bufa representada nos quartéis. Foi uma tragédia que precisa ser escancarada. Por que em breve, em 31 de março de 2014, teremos outra efeméride a lamentar: os 50 anos do golpe militar, quando começou o pesadelo.
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