O LADO POLITICO DA JUDICALIZAÇÀO
Liminar contra IPTU foi terceira intervenção contra prerrogativa de Fernando Haddad
Paulo Moreira Leite, em seu blogue
No esforço para convencer os brasileiros de que o Poder Judiciário tem o direito de tomar decisões que o artigo 1 da Constituição reserva aos representantes eleitos pelo povo, nossos comentaristas e observadores tentam passar uma justificativa nobre.
A menos que estejamos diante de uma concepção determinista da história não custa lembrar que a evolução da humanidade pode ser empurrada para um destino positivo, mas também pode ser conduzida para trevas e abismos. Em 1964, a história andou para trás, com uma mãozinha do STF, que se acomodou ao poder militar.
O conteúdo social dessa decisão é uma caricatura da desigualdade brasileira.
Seria uma piada pronta, não fosse uma tragédia.
Na média, cada proprietário de imóvel teria um acréscimo de 50 centavos por dia no IPTU. Sabe aquela moedinha prateada que tanta gente procura no bolso para dar para aquela criança que estica o braço para dentro da janela quando o sinal estava fechado? Era isso, e apenas isso, salvo para aquelas pessoas que olham o mundo pelo olhar míope do impostômetro – numa atitude que os mais antigos chamariam de egoísmo de quem perdeu até a alma.
Mas o Senado, dominado por uma oposição interessada em quebrar as pernas do governo Lula, conseguiu ajuda de Skaf para tirar dinheiro da saúde pública.
Veja o que aconteceu com os royalties do petróleo. O Congresso resolveu, por ampla maioria, que eles deveriam ser divididos de uma forma mais equitativa entre os estados brasileiros. Essa medida não agradou a uma fatia dos eleitores dos Estados que iriam perder receitas e foi combatida duramente pela TV Globo.
Até hoje uma decisão soberana do Congresso brasileiro encontra-se parada no STF. Omissão de quem?
O mesmo Tribunal de Justiça que privou a prefeitura paulistana de um recurso extra de R$ 800 milhões definiu um programa de creches detalhado, prazos que devem ser cumpridos, metas e assim por diante. Alguém já se perguntou o que nossos juízes pretendem fazer com Fernando Haddad – autoridade eleita pelos paulistanos para zelar pelos interesses da cidade – caso o programa de creches do TJ-SP não for cumprido?
Como a maioria da população, tenho uma opinião bastante crítica sobre nossos legisladores. Muitos são menos preocupados com as necessidades do povo do que deveriam. Chegam a tomar atitudes que muitas pessoas encaram com um insulto e uma desmoralização. Nada disso justifica, no entanto, qualquer esforço para diminuir e enfraquecer seus poderes. Cabe debater regras eleitorais, procurar outros candidatos e assim por dinante. A menos, claro, que você não tenha percebido, ainda, que a democracia é o pior regime do mundo -- com exceção de todos os outros.
E aqui chegamos a questão essencial.
Ao agir politicamente, a Justiça é obrigada, de uma forma ou de outra, a afastar-se de seu princípio essencial, da isenção, da balança, do equilíbrio, para tomar partido, escolher um lado.
Em editorial onde admite o problema, a Folha de S. Paulo chega a pedir “equilíbrio” ao Judiciário. Referindo-se ao programa de creches do Tribunal de Justiça, o jornal adverte:
“Se terminar usurpando competências do Executivo e ambicionar, em substituição ao governo, conduzir a política educacional, a decisão será desastrosa.
Em democracias consolidadas, tribunais se pautam pelo equilíbrio entre ativismo e autocontenção. Na jovem democracia brasileira, a busca por essa fórmula está em curso e dependerá, em boa medida, do sucesso (ou fracasso) de experiências como a do TJ-SP e da sobriedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal.”
Vamos combinar que o simples fato de um jornal pedir “equilíbrio” ao Judiciário mostra que se chegou a um preocupante estado de desequilíbrio entre os poderes. É sintomático que o jornal tenha reconhecido isso.
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