MP dos Portos: quando o governo
vai abrir as comunicações?
Saul Leblon, no Blog das Frases
O desconhecimento da sociedade sobre qualquer tema é o solo fértil de toda sorte de manipulação ideológica e econômica.
A MP dos Portos, editada em dezembro último, cujo prazo de validade vence nesta 5ª feira, é o exemplo clássico desse redil capaz de imobilizar as melhores intenções.
Sempre hesitante em sua política de comunicação, o governo, mais uma vez, menosprezou uma dimensão crucial da luta pelo desenvolvimento que consiste em popularizar o debate das decisões estratégicas com toda a sociedade.
Não o fez com a agenda dos portos; como também não foi feito com a da licitação de ferrovias e rodovias e tampouco com outras iniciativas em resposta à crise mundial.
Teme-se o carimbo de populismo.
Cultiva-se o ‘não politizar a agenda do desenvolvimento’, que não é outra coisa senão economia concentrada em escolhas políticas.
Em contrapartida, faculta-se a um oligopólio midiático a modelagem narrativa do passo seguinte da história do país, reduzido assim a um carnaval de tomates e beterrabas.
A receita torna o governo refém da entropia oportunista que prolifera em sua própria base.
Eis-nos mais uma vez, e não será a última, enredados em uma nuvem de impasse e crise, associada a um tema tornado inacessível a parcelas majoritárias da população.
A votação da MP dos portos fracassou nesta 2ª feira.
A agonia venceu o primeiro round.
O prazo do governo estreitou-se em 24 horas.
As manchetes desta 3ª feira festejarão mais uma ‘acefalia da base’.
O objetivo da MP dos portos, afirma o Planalto, é acelerar investimentos da ordem de R$ 54 bilhões no setor até 2017.
A medida seria imprescindível para baixar os custos da logística brasileira e injetar competitividade às exportações nacionais num momento em que o mercado mundial se contrai.
Segundo a OMC, o comércio internacional não deve crescer muito acima de 3% este ano.
Uma taxa significativamente inferior à média de 5% das últimas duas décadas.
Busca-se uma parceria entre investimentos públicos e privados para adicionar agilidade operacional aos embarques em curto espaço de tempo, alega o governo.
Para tanto, a MP dos Portos avança sobre protocolos e interesses estabelecidos.
Entre os pontos polêmicos estão a licitação de terminais com base no critério do menor preço e maior desempenho: vence quem cobrar menos pelo maior volume de despachos previstos.
Portos privados, antes restritos a operações específicas, terão liberdade para movimentar cargas de terceiros, o que amplia a concorrência com detentores privados de docas em portos públicos. Explica-se por aí um pedaço das críticas à MP.
Estados que detinham a administração de portos públicos perdem a prerrogativa para a agência reguladora do setor, que pretende assim impor maior coerência à logística de transporte de todo o país.
De um lado, operações técnicas são compartilhadas com a esfera privada; de outro, reforça-se o comando estratégico do setor na esfera federal.
Os críticos à esquerda alegam que a MP apertou o passo do governo na ladeira privatizante e terá efeito inócuo na alegada redução de custos (leia artigo desse ponto de vista no espaço de debate aberto nesta pág).
À direita, rejeita-se a ‘intromissão’ estatal nos portos estaduais, bem como o ‘intervencionismo’ embutido na MP.
Ela faculta ao Estado exercer o controle sobre o que acontece em terminais administrados por capital particular, mesmo quando construídos em terrenos privados.
Quem apoia a MP alega que ela não toca na estrutura portuária pública, mas amplia as opções de escoamento. Com isso forçaria uma salutar redução de custos dentro das próprias docas estatais já administradas por capitão privado.
A MP dos portos por certo mereceria um debate político mais amplo.
Emoldura-a a transição de uma economia que luta para dilatar a logística de uma sociedade planejada para servir a 1/3 da população.
Ao ampliar a escala da cidadania e do consumo, esbarra-se agora em toda sorte de limites.
O risco de regressividade política e econômica é real.
A MP dos portos é só um exemplo de uma corrida contra o tempo.
Deixar que decisões desse calibre se tornem objeto de troca nas mãos de Cunhas & Alves não é somente um passo em falso do ponto de vista de articulação política.
Trata-se de uma preocupante subestimação da capacidade de discernimento da sociedade e do seu papel na luta pelo desenvolvimento.
Sem abrir o debate político Getúlio jamais teria ido tão longe na primeira arrancada da infraestrutura nacional.
A Petrobras talvez não existisse.
Com toda astúcia política, ainda assim viu-se compelido a dar um tiro no peito para não ceder ao conservadorismo.
Crê o governo que dando sucessivos tiros no pé na esfera da comunicação poderá ser mais eficaz que Vargas na luta pelo desenvolvimento brasileiro?
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