14 maio 2013
A LUTA CONTINUA
O PETRÓLEO É NOSSO
por Mauro Santayana, em seu Blogue
A Petrobras desfigurou-se quando o governo dos tucanos paulistas e cariocas decidiu entregar a exploração do petróleo a empresas estrangeiras. Uma evidência da entrega: todos os países exportadores de petróleo cobram das empresas estrangeiras royalties, em média, de 80%: em petróleo. O Brasil, por decisão desses senhores, só cobra dez por cento do óleo extraído — e em dinheiro. Na realidade, essas empresas são donas de todo o petróleo produzido, cuja descoberta se deve à própria Petrobras.
Mais do que o petróleo, vindo do solo, a Petrobras extraiu da alma brasileira a sua orgulhosa consciência de povo. Essa consciência vinha sendo construída em difíceis passos políticos, confrontada com a cumplicidade das oligarquias coloniais com a Metrópole, na exploração do trabalho escravo e no saqueio sistemático da natureza, desde o século 17. É bom registrar que ela sempre se associou aos nossos recursos naturais, do pau-brasil ao ouro e a outros minerais.
A Independência, em 1822, serviu para o surgimento de grupos mais atilados, com ideais democráticos e republicanos, ainda que prevalecessem os interesses oligárquicos. A confluência do movimento abolicionista com a campanha republicana, a partir de 1870, acabaria com as duas instituições caducas, a escravatura e a monarquia. Mas, fora a pequena elite pensante das grandes cidades, não havia consciência de nação. No campo, os grandes fazendeiros viam o país como um território repartido entre eles, senhores das terras e dos que nelas trabalhavam e viviam.
Só na segunda década republicana houve quem associasse o desenvolvimento industrial ao bem-estar dos trabalhadores — mas esses visionários foram violentamente reprimidos pelos governos, a serviço das oligarquias e das empresas estrangeiras. Elas controlavam as incipientes manufaturas e o comércio exterior com a venda de nossos produtos primários – e a importação de bens de consumo, em sua maioria supérfluos.
A partir dos anos 20, começou a esboçar-se o que podemos entender como a assunção do Brasil, como ele é: uma nação de imigrantes, mestiça de mamelucos e cafuzos, de negros e brancos, de europeus nórdicos e meridionais — e de gente do Oriente Médio e da distante Ásia. Nesse sentido, apesar de seus críticos, a Semana de Arte Moderna, de 1922, teve a sua marcante influência. O Brasil desembarcou definitivamente da Europa com o atrevimento dos intelectuais, muitos deles brasileiros de primeira geração, que tornaram nobre o que antes se considerava vulgar.
Foi então que despimos as sobrecasacas, trocamos as ceroulas por cuecas, e as mulheres se livraram dos espartilhos para que suas formas desabrochassem sob a regência de uma sensualidade tropical.
Nesses anos 20, em certos momentos sem uma orientação política e ideológica coerente, surgiram os partidos de esquerda e os movimentos de rebeldia militar com os tenentes, como a gesta heroica, mas prematura, da Coluna. Tudo isso conduziria à Aliança Liberal de 1930, empurrada, como sempre ocorre, pelo confronto de interesses políticos pessoais de personalidades fortes, associado ao conflito das forças econômicas regionais.
É interessante notar que, nesses decênios iniciais do século 20, o petróleo já se situava no centro da disputa geopolítica das grandes potências — e desde a Primeira Guerra Mundial, com o desembarque inglês, comandado pelo coronel Lawrence, na Península Árabe. O livro de Essad Bey, A luta pelo petróleo, é a melhor fonte para entender as intrigas entre os estados e os milionários no esforço pelo controle das jazidas.
Em 1928, como narra Monteiro Lobato em seu livro sobre o assunto (O escândalo do petróleo), os soviéticos, preocupados em diminuir o elevado consumo de álcool entre seus soldados, propuseram ao Brasil trocar petróleo – do qual grande parte de seu território era, e continua, encharcado – por café brasileiro. Acreditavam que a nossa bebida contribuiria para aliviar o alcoolismo de suas tropas. Os Rockefeller, donos da Standard Oil e líderes das grandes petroleiras, impediram que fizéssemos o negócio.
Com Getulio, dentro das amarras do tempo, começamos a levar o problema a sério, com o Conselho Nacional do Petróleo, criado em 1938, e sob a chefia do general Horta Barbosa. Todas as atividades petrolíferas se encontravam sob o controle do Estado, que poderia conceder a exploração e o refino, dentro dos interesses nacionais. Enfim, em 1953, criou-se a Petrobras.
O lema da campanha popular, O petróleo é nosso, transcendia de seu enunciado. Não era só o petróleo que era nosso. Queríamos dizer que o Brasil, com o petróleo e tudo mais, pertencia-nos, como povo. Na medida em que a Petrobras se consolidou — mesmo sobre o cadáver de Getulio — entendemos que éramos um povo capaz de conduzir, soberanamente, o seu próprio destino.
Se não fosse essa consciência, adquirida nas lutas populares, Juscelino não teria sido eleito em 1955, e não teríamos dado o grande salto, dos cinqüenta anos em cinco, durante o seu qüinqüênio: construímos trechos de ferrovias, grandes eixos rodoviários e erigimos Brasília, porque a criação e os primeiros êxitos da Petrobras diziam-nos que éramos um povo tão capaz como qualquer outro, e poderíamos, com isso, construir definitivamente a nossa soberania.
No entanto, a partir do governo presidido por Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras tem sido submetida a lenta, mas criminosa, desconstrução. O Estado vendeu, no exterior, as ações preferenciais da empresa, transferindo assim, em forma de dividendos, os esforços dos técnicos e trabalhadores brasileiros, que, com o seu êxito, ajudaram-nos a criar a consciência de nação soberana.
A Agência Nacional do Petróleo, ao que parece a isso autorizada pelo cimo do governo, decidiu colocar em leilão, hoje, e pelas regras que remontam a Fernando Henrique, centenas de lotes de exploração de petróleo na costa brasileira. Trata-se de áreas em que a Petrobras investiu centenas de milhões em pesquisa e que serão entregues, em sua maior parte, e ao que se prevê, a empresas estrangeiras.
Segundo cálculos da Associação dos Engenheiros da Petrobras, divulgados pelo seu ex-presidente Ricardo Maranhão, e pelo seu atual vice-presidente, Fernando Siqueira, o valor desses depósitos fósseis é superior a um trilhão e cem bilhões de reais. As entidades representativas dos trabalhadores da Petrobras estão sem recursos para custear as ações na Justiça, e a empresa não pode ou não quer tomar estas providências. É o caso de os donos do petróleo, ou seja, os cidadãos brasileiros, abrirem uma conta e contribuírem com o que cada um puder, para constituir um fundo de defesa do petróleo. De novo temos de ir às ruas para dizer que “o petróleo é nosso”. O lema da campanha pode ser, outra vez, O petróleo é nosso.
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