01 maio 2013

CAIXA PRETA

De onde saem as propinas


Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa





Os jornais de quarta-feira (1/5) publicam alentadas reportagens informando que, no dia 18 de abril, o presidente de honra da Fifa – Federação Internacional de Futebol – João Havelange, renunciou ao cargo honorífico para não ser punido em uma investigação sobre pagamento de propinas. Juntamente com Ricardo Teixeira, seu ex-genro e ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, e do paraguaio Nicolás Leoz, presidente da Confederação Sul-Americana de Futebol e do comitê executivo da Fifa, ele é acusado de receber propinas da agência de marketing esportivo ISL.
O caso vinha se arrastando desde a falência da ISL, ocorrida em 2001, com a descoberta, pela Justiça da Suíça, onde fica a sede da Fifa, de que a empresa havia mantido uma longa relação de negócios paralelos com a entidade, pagando propina para influenciar em decisões importantes na organização de competições internacionais de futebol. Embora os nomes dos envolvidos tivessem sido mantidos em sigilo, a imprensa brasileira tinha informações consistentes sobre o esquema, principalmente por conta do trabalho do colunista Juca Kfouri.
O noticiário dos jornais dando conta de que Havelange havia se desvinculado oficialmente da Fifa há quase duas semanas revela pouco, muito pouco. Revela principalmente que a entidade segue sendo uma caixa-preta a cujo conteúdo a imprensa não tem acesso. Aquilo que é apontado como o epílogo de um processo criminal é apenas uma formalidade para colocar panos quentes em um esquema que certamente vai ter continuidade, com outros nomes na fachada.
João Havelange reinou sobre o futebol mundial por quase 25 anos, período em que o esporte se transformou em um negócio planetário de muitos bilhões. Boa parte de seu poder se baseou na relação com a ISL, cujos proprietários são ligados à empresa de materiais esportivos Adidas. Foi uma longa parceria, iniciada ainda nos anos 1970, e que rendeu grandes lucros para ambas as partes. Mas junto com a grande influência, inclusive sobre as relações entre países, a Fifa também se tornou mais exposta, e as negociatas vieram à tona.
E os outros?
As reportagens publicadas nas edições de quarta-feira pela imprensa brasileira passam a impressão de que o futebol mundial entra agora em nova etapa, livre de trambiques. Mas há muitas perguntas sem resposta, e o fato de a entidade se localizar no espaço nebuloso entre os negócios privados e o ambiente do Estado facilita o acobertamento de irregularidades. Observe-se, por exemplo, que o maior volume de subornos foi pago entre 1992 e 2000, mas, como na época a Fifa não tinha um código de conduta, os pagamentos da ISL aos dirigentes eram considerados comissão por intermediação de negócios.
Estado de S. Paulo opina diretamente, afirmando que “a prometida ação para punir os responsáveis no futebol e adotar medidas exemplares contra Havelange, Teixeira e Leoz terminou em uma grande pizza”. Com as renúncias, os três dirigentes não sofrerão punição e o caso foi encerrado. Muito provavelmente, nos próximos dias também a imprensa deixará o assunto no esquecimento, mesmo porque muitos ganham muito com a intensa movimentação financeira em torno dos campeonatos de futebol.
A análise cuidadosa dos relatos feitos pelo Estado, a Folha de S. Paulo e o Globo pode deixar o leitor curioso, por exemplo, com a falta de informações sobre o tipo de vantagens que a ISL negociou com os ex-dirigentes do futebol mundial durante todos esses anos. Segundo a investigação, os três principais acusados receberam subornos que totalizaram entre R$ 40 milhões e R$ 45 milhões.
O que foi dado em troca? Essa é uma informação que falta nos jornais.
Num parágrafo discretamente posicionado no meio do texto, o Estado registra: “O documento confirma que Havelange teria recebido milhões de dólares, entre 1992 e 2000, em propinas relacionadas à venda de direitos de transmissão para as Copas de 2002 e de 2006”.
Ora, não é preciso ser diplomado em jornalismo investigativo para adivinhar quem pagou a propina, direta ou indiretamente. No Brasil, até as freiras reclusas sabem quem transmite os principais eventos da Fifa e quais têm sido seus patrocinadores. Mas isso não vai sair nos jornais.



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