03 maio 2013

EMBARALHANDO PARA CONFUNDIR


Quem tenta embaralhar fatos e opiniões

Os jornais de hoje tratam do esforço do publicitário Cristiano Paz para anular sua pena de 25 anos e dez meses de prisão no julgamento do mensalão.



Paulo Moreira Leite, em seu Blogue (1./05/2013)
Em determinado momento, um dos maiores jornais do país diz o seguinte:
"A defesa acredita que há, no processo, documentos que comprovam, por exemplo, que a SMP&B efetivamente prestou serviços para a Câmara dos Deputados.”
 
Vamos devagar.
 
A defesa de Cristiano Paz não "acredita" que documentos do processo comprovam que a SMP&B prestou serviços para a Camara que o Ministerio Publico disse que não ocorreram.
 
Os documentos não são matéria de natureza espiritual. Estão lá, à disposição dos interessados.
 
Bastar consultar e ler.
 
A única forma de negar o que eles dizem é demonstrar que se trata de uma falsificação.
 
Não se trata de uma questão de opinião. Os documentos comprovam a prestação de serviços a partir de notas fiscais.  
 
A SPMP&B tem ainda arquivos que mostram filmes, fotos, cartazes e material de propaganda paga pela Câmara.
 
Ao transformar um fato numa opinião o que se faz é diminuir sua dimensão.
 
A realidade vira um Fla-Flu, manipulável ao sabor das conveniências de quem tem poder de narrar a realidade. Assim, os argumentos da defesa se tornam ideologia – quando se apoiam em fatos que ninguém conseguiu desmontar.
 
Outra moda semelhante é descrever a atuação do STF em relação ao Congresso como “ativismo constitucional”.
 
Vamos combinar. Essa é a forma pela qual o próprio STF descreve sua atividade.
 
É expressão inadequada, que ajuda a encobrir a natureza de determinadas decisões do tribunal, que têm impedido os parlamentares, representantes eleitos pelo povo, de exercer direitos que são seus e apenas seus.
 
Seria ativismo constitucional, por exemplo, ignorar o artigo 55 da Constituição, que reserva aos parlamentares a palavra final sobre o mandato dos parlamentares?  
 
Também seria ativismo constitucional intervir na pauta do Congresso, para impedir a votação de uma medida provisória sobre a partilha do petróleo, como se fez no final de 2012?   
 
Também seria ativismo constitucional impedir que os próprios deputados e senadores deliberem – como é seu direito --  a distribuição de verbas do Fundo Partidário e do tempo na TV?  
 
Vamos falar sério.
 
Se cabe ao STF definir como, quando e de que forma as leis são feitas, qual papel caberá ao Congresso?
 
É razoável imaginar que o Supremo possa dar a pauta – isto é, definir o escopo das atividades do Congresso – sem que este se torne um poder superior em relação aos parlamentares, num país onde a Constituição diz que todo poder emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos?
 
Alguém se esqueceu que o Poder Moderador, típico do Império, era uma peça anti-democrática?
 
Qual a mensagem dessa atitude?
 
Não é preciso fazer estudos subliminares para debater este comportamento. 
 
Nem é preciso ser especialmente observador para concluir que a reação escandalosa diante de um projeto do deputado Nazereno Fonteles (PT-PI) destina-se a impedir que o país faça um debate necessário sobre a divisão de poderes.
 
Apresenta-se o projeto como obra de um deputado que teria feito um “trabalho sujo” nas palavras absurdas de um comentarista, quando, na verdade, ele foi aprovado com apoio – na posição decisiva de relator – de um deputado do PSDB, o que ajuda a sinalizar o tamanho da insatisfação de muitos parlamentares com o “ativismo” do STF.
 
Como explicou Janio de Freitas, num artigo esclarecedor:
 
“A ´crise´ entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse reino que está a "crise", na qual quase nada é verdadeiro, embora tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país”.
 
Não é verdade, como está propalado, que o Congresso, nem mesmo uma qualquer de suas comissões, tenha aprovado projeto que submete decisões do Supremo ao Legislativo. A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara nem sequer discutiu o teor do projeto que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. A CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e eventualmente levado a plenário. A CCJ considerou que sim. E nenhum outro passo o projeto deu.
 
Basta ler Hanna Arendt, uma das principais estudiosas do nazismo e do stalinismo, autora conhecida por todo interessado em questões da democracia  moderna.  
 
Arendt mostra que um dos principais movimentos no enfraquecimento das democracias consiste em transformar opiniões em fatos, apagar suas diferenças em nome de interesses políticos e da pura propaganda.
 
Ao evitar que os fatos sejam chamados pelo seu nome, o que se faz é embaralhar o debate político, distorcer as opiniões, dificultar a compreensão dos cidadãos.  
 
Neste mundo de verdades borradas, confusas, misturadas, impede-se que a democracia funcione – pois ela pressupõe a tomada de consciência do cidadão comum. 
 
Hanna Arendt formulou suas ideias a partir de um exemplo extremo e trágico, que foi a emergência da Alemanha nazista. Discutiu a ascensão de Adolf Hitler e também o esforço que se fez, mais tarde, para esconder responsabilidades.
 
Num esforço para mitigar a dimensão da tragédia, o coro dominante da Alemanha no pós-guerra pretendia aliviar o que havia ocorrido.
 
Dizia que o cidadão comum não sabia o que se passava com cidadãos que eram levados para a morte nos campos de concentração.  
 
Debatendo a má consciência, Arendt diz que o país sabia sim o que estava ocorrendo – apenas não quisera ou não fora capaz de reagir.  
 
Foi ela quem ensinou que a resistência às tiranias e o funcionamento das democracias se alimenta do conhecimento dos fatos. Por isso, explicou, havia um cuidado decisivo com a sonegação de informações e a censura sobre episódios reais e condenáveis – sempre prioritária em relação às questões de opinião.
 
O problema, ensinava, não era expor a divergência, a opinião discordante  – mas revelar fatos verdadeiros, desagradáveis e terríveis.
 
Claro que estamos falando de outra época e outra sociedade.
 
Mas no Brasil de 2013 estamos diante de fatos que devem ser conhecidos e avaliados por seu nome. 
 



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