Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa
As revistas semanais de informação e os jornais do fim de semana tentam decifrar o fenômeno do “rolezinho” com muita sociologia de manual e um bocado de preconceito. Em tempos de Google e Wikipedia, o número de intelectuais e eruditos na imprensa tende a se multiplicar na proporção dos aparelhos móveis conectados à internet.
Como já se observou aqui há alguns anos, uma das maravilhas do nosso tempo é o surgimento das novas categorias dos “wikieruditos” e dos “googlectuais”, criadores de uma sabedoria tão instantânea quanto superficial. Assim, basta uma rápida busca na rede para que os padrões ordinários de análise dos eventos sociais sejam adornados com citações e pensatas de diversas colorações, cada uma tentando justificar a opinião preexistente que se quer aplicar a tudo.
A imprensa, de modo genérico, não apenas reflete certa histeria coletiva, mas justifica e alimenta a tese de que as concentrações de jovens e adolescentes em shopping centers são movimentos antissociais.
Aqueles que preferem explicações mais simples lembram que shopping centers foram construídos para oferecer a sensação de segurança que os ambientes fechados proporcionam nas grandes cidades. Para isso, o pressuposto é que os frequentadores se comportem ali basicamente como consumidores. Se uma multidão resolve utilizar aquele espaço para uma forma de protagonismo não prevista no plano de negócio, gera-se o medo do descontrole.
Por outro lado, muitos analistas colocam uma ênfase excessiva no efeito das novas redes sociais digitais, como matriz das mobilizações. Ora, as redes são apenas meios de comunicação – amplificados, quase onipresentes e estimuladores de certa autonomia, mas apenas meios. O que origina os toques de reunir dos jovens é a velha e natural fervura dos hormônios.
Uma das causas do medo que se produz em certos ambientes é a ideia de que todo movimento que parte da periferia tem como objetivo derrubar a Bastilha. Muito provavelmente, o protagonista típico dos “rolezinhos” apenas manifesta o desejo de se exibir.
Esgotos ao mar
O problema começa justamente aí: jovens e adolescentes precisam da vida social como forma de consolidar suas individualidades. Basta ser ou ter sido jovem para entender os ciclos de recolhimento e expansão que definem os organismos em fase de maturação. Quando milhares deles resolvem sair ao mesmo tempo, a grande contribuição dos novos meios digitais é facilitar a agenda. O resto é reação de um sistema que pretende organizar e controlar a vida social nos mínimos detalhes.
Fechar o shopping em pleno sábado é uma declaração explícita dessa pretensão de selecionar quem deve desfilar diante das vitrinas, o que produz a outra vertente de análises, que enxerga em toda tentativa de controle a mão pesada do opressor sobre o oprimido. Muito provavelmente, o administrador do shopping nem refletiu ao decidir fechar as portas: para ele, trata-se de uma ação preventiva absolutamente natural – ele prefere arcar com a perda de vendas do que enfrentar o risco de eventos que não sabe como controlar.
O aspecto antissocial do rolezinho se manifesta nos poucos indivíduos que procuram se aproveitar das aglomerações para cometer furtos, assim como na tentativa dos administradores dos centros de compra de selecionar quem pode e quem não pode andar por seus corredores.
Deste posto de observação, o que se pode dizer depende sempre daquilo que a imprensa seleciona para oferecer ao seu público. E uma análise do noticiário permite afirmar que o Brasil ainda precisa caminhar muitos passos para se apresentar como um país que se educa socialmente. Vejamos um exemplo dessa má educação.
Na primeira página da edição de segunda-feira (20/1) do Estado de S. Paulo, reportagem informa que, no litoral paulista, pelo menos 25 mil imóveis de luxo descartam o esgoto diretamente no mar, sem tratamento, embora a ligação com a rede pública seja gratuita (ver aqui).
Esse é um aspecto de uma sociedade viciada na privatização do território físico e virtual. A relação desse fato com o barulho em torno dos “rolezinhos” é um pouco sutil – sua compreensão não está disponível para uma consulta rápida no Google ou na Wikipédia.
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