da crítica
Wanderley Guilherme dos Santos, na Agência Carta Maior
A qualquer momento, governos submetidos a escrutínio severo mostrarão desempenho insatisfatório. Fora os realmente negligentes, governos escrupulosos enfrentam obstáculos imprevisíveis ou dificuldades criadas pelo próprio sucesso de algumas iniciativas. É fácil, então, sublinhar atrasos de execução, efeitos colaterais ou reconsiderações significativas e atribuí-los, todos, à incompetência governamental.
Em democracias, o planejamento e execução de políticas públicas exigem a participação de ponderável número de agentes, totalmente autônomos em suas decisões. Por simples rememoração, o Executivo brasileiro, todos, e não apenas o atual, depende da cooperação de um Tribunal de Contas, e de várias agências como o IBAMA, a FUNAI, e de um sem número de órgãos reguladores legalmente estabelecidos para autorizar e vigiar ações governamentais. Além dos atores previsíveis, embora suas ações não o sejam, existem os atores imprevisíveis, cujas intervenções devem ser democraticamente respeitadas e negociadas.
O número de vezes que a construção de Belo Monte foi interrompida por invasões e outros procedimentos de grupos de interesse seriam enervantes para qualquer gestor público. O vulto do investimento e a importância vital da usina para o futuro do conjunto da população brasileira justificariam, na China, por exemplo, a repressão às intervenções que ameaçassem a eficiência na execução do projeto.
Certamente, as fáceis acusações de ineficiência pipocam em todas as democracias, sem que os críticos aceitem a responsabilidade de sugerir a transformação das atuais democracias em réplicas chinesas.
O exemplo de Belo Monte é o de maior celebridade, assim correm os tempos, mas nem longe o único, os jornais são testemunhos. Já em outra esfera da economia e da sociedade, as invasões de terra, a grilagem, a expulsão indígena e o retorno indígena, são outros tantos imprevistos a torcerem os planos e orçamentos.
Mesmo nos casos em que a legislação é inteiramente clara, permitindo a remoção dos obstáculos, seja de grileiros, de índios ou de populações demandantes, não é digno de aplauso que os governos o façam sem mais aquela. Há outros valores, além do econômico convertido em lei, que exigem atenção. A subversão social de pequenas comunidades, em matéria de moradia, laços de vizinhança, rotinas sociais, hábitos estabelecidos, que não são recompensados por indenizações monetárias ou transferências abruptas, ainda que legalmente autorizadas. Para o observador crítico, o Executivo ou é culpado por leniência ou por brutalidade.
Comum, em democracias, são estes dilemas em que qualquer decisão tem custos irreparáveis pelos benefícios gerados. Em autocracias, não existem vozes livres para anunciá-los.
Outra dimensão, de extremo interesse público, são as tensas negociações entre os governos e os interesses privados, cristalizados em lobbies, a propósito da remuneração que o capital exige para colaborar com as ações governamentais. Sob a forma de tempo de exploração de um negócio, preços e tarifas que virão a cobrar por produtos ou serviços, ao lado de redução, se possível total dos riscos, dos empreendimentos, eis algumas das manobras que os empresários privados adotam para extrair o máximo de vantagem nas negociações. Ao final, o preço do serviço contratado, seja em tempo doado, seja em moeda corrente, é sempre muito superior ao esperado. E não se trata de ingenuidade do planejador, mas porque o empreendedor privado sabe quando se encontra em posição quase monopólica. Embora o volume de achaques tenha limite, as vantagens extras que obtêm não deixam de afetar o resultado final da operação, às vezes bastante distantes do anúncio governamental anterior.
Cada área econômica, cada segmento social, cada relação com o exterior, guarda surpresas para Executivos de boa fé. Por isso, trombetas jornalísticas à conta de insuficiências governamentais indicam incapacidade de descobrir, sob o óbvio do cotidiano, as razões dos problemas. Toda crítica desacompanhada de alternativas aceitáveis de ação, com efeitos relativamente previsíveis, em custos e benefícios, não passa de pedantismo intelectual. No momento, é evidente que as propostas bem articuladas da inteligentzia da oposição evitam apresentar a conta dos custos dos benefícios que teoricamente as medidas trariam. Mas a advertência cabe também à esquerda caolha, que faz muxoxo porque a revolução não está sendo feita. Parecem russos que ainda não foram avisados: não há nenhuma revolução à vista, nem em métodos, nem em objetivos aceitáveis. Esse papo não pertence à democracia.
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