os direitos fundamentais
Pedro Estevam Serrano, na Revista CartaCapital
Quem tem a curiosidade de acompanhar ocasionalmente meus artigos neste espaço sabe de minhas críticas ao julgamento do chamado caso do "mensalão", da ação penal 470. Em apertada síntese entendi que foram mal observados pela Suprema Corte direitos fundamentais de alguns réus, tais como o do juiz natural, do duplo grau de jurisdição, da coerência nos julgamentos e da presunção de inocência.
A razão de tal inobservância é complexa e ainda impossível de se detectar integralmente, mas certamente alguns de seus elementos já se vislumbram, como, por exemplo, a influência poderosa da mídia no julgamento. Esse papel da mídia na pressão sobre os julgadores e no relato do processo trouxe como efeito outro o uso do julgamento para fins políticos.
Em verdade consolidou-se a tendência que nasceu desde o renascimento de nossa democracia, muito por graça histórica do próprio PT, qual seja o uso de expedientes judiciais com fins políticos. Quando na oposição, o PT inaugurou o uso de medidas junto ao MP e ao Judiciário como forma de combate político. Ocorre aqui não a propalada judicialização da política, mas uma politização da justiça.
Até certo ponto de nossa historia recente essa postura rendeu bons frutos para a sociedade, com ampliação dos poderes do MP para proteção das minorias sociais, dos interesses coletivos, do patrimônio público e da moralidade administrativa e o surgimento de ações judiciais próprias para tanto. Esse caminho, contudo, passa a ir por vias obscuras quando ingressa no percurso autoritário na restrição a direitos fundamentais das pessoas. Quando se cria na sociedade um clima de justiçamento que é abraçado pela jurisdição acriticamente, onde todos agentes públicos disputam o papel do Robespierre em falsete da ocasião
Obviamente esse clima passa a ser usado de várias formas por vários interesses de grupos organizados e pessoas proeminentes, de interesses nobres e ingênuos aos inconfessáveis e rasteiros.
Consolidado o erro do "mensalão" do PT se avizinha a possibilidade de erros semelhantes no "mensalão" do PSDB por mecanismos semelhantes de acolhimento de pressão indevida.
Embora beneficiado com a correta decisão do STF de “partir” o caso, enviando para julgamento em instância inferior os réus não titulares de mandato, os processos do chamado "mensalão" mineiro correm o risco de sofrer forte pressão política e midiática de tendência restritiva aos direitos fundamentais dos réus.
Isso porque alguns dos setores políticos que se julgaram atingidos pelos erros do julgamento do "mensalão" petista têm se expressado nas redes sociais, blogs e na mídia comercial exigindo a condenação dos réus do "mensalão" do PSDB de Minas da mesma forma que ocorreram as condenações no "mensalão" do PT, mesmo criticando-as como equivocadas. Ou seja, pleiteiam pela repetição do erro sem lembrar que estão ali como réus pessoas, seres humanos, que devem ter seus direitos fundamentais rigorosamente observados.
Nada mais justo que protestem contra o grave erro de nossa Corte Suprema em relação ao julgamento de alguns réus da ação penal 470, que postulem pela revisão do julgado etc. Mas postular pela condenação de outros na repetição do mesmo erro, pelo simples fato de pertencerem ao partido adversário é um imenso equívoco.
No Fla-Flu exacerbado da conjuntura politica brasileira o que vai pelo ralo são os direitos fundamentais de nossa Constituição, conquistados após ampla e árdua luta contra a ditadura militar, após mais de duas décadas de esforço jurisdicional por sua consolidação jurisprudencial e até hoje não alcançada sua universalização.
Essa disputa partidária legítima, mas cada vez mais mesquinha e menos ideológica não pode comprometer conquista civilizatória única em nossa história. Lamentável que quadros políticos da maior importância tenham sido condenados sem provas, como foram alguns dos réus do chamado "mensalão" petista, mas que esse erro se limite a esse caso e seja posteriormente corrigido é o que se deseja.
Ações judiciais e investigações policiais vêm sendo cada vez mais usadas como instrumentos de luta politica. É bem verdade que isso, em alguma medida, ocorre também nas democracias mais evoluídas do planeta, mas esses países em geral contam com tradições sólidas de proteção e garantia dos direitos dos acusados, o que por aqui vínhamos construindo em nossa Corte Suprema, mas demos passos atrás nos últimos tempos.
É evidente que a corrupção tem de ser combatida com rigor e a moralidade pública preservada, mas não à custa de nossa civilização democrática. Não há democracia ou mesmo vida civilizada sem direito de defesa pleno, presunção de inocência, juiz natural e outros direitos fundamentais.
Em uma democracia, a luta politica de interesses de grupos e partidos políticos que disputam pacificamente o poder é legitima desde que se respeitem as regras do jogo, dentre as quais figuram com máxima importância os direitos fundamentais da pessoa humana. Parecem ser direitos desse ou daquele réu, mas de fato são de todos nós.
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