As cenas de pavor produzidas na penitenciaria de Pedrinhas, no Maranhão, colocam uma pergunta civilizatória: quem tornou nossos criminosos tão criminosos, tão perversos, mais cruéis do que nossa imaginação seria capaz de adivinhar?
Engana-se quem fala nas condições sócio-economicas. O Brasil está melhorando na última década, em especial para os mais pobres.
Engana-se quem fala que bandido bom é bandido morto, pregando uma escola de violência que não deu certo e nunca dará.
A perversidade do crime brasileiro tem uma origem conhecida que, como símbolo, vou definir por um nome: capitão Ubiratã.
Ele mesmo, o oficial da PM que comandou o massacre do Carandiru, marco histórico da violência do Estado, que deveria zelar pela vida e pelos direitos de toda pessoa que é mantida sob sua guarda. Estou falando de um símbolo, de uma postura, uma ideia – não de uma pessoa física. Você pode colocar outros nomes reais: secretários de Estado, governadores, Ministros... É só escolher.
Quem for atrás do degrau atual da criminalidade brasileira irá encontrar um nome: a facção criminosa PCC. E quem for atrás do PCC irá encontrar outro nome: Carandiru.
Competente repórter a estudar o assunto, Josmar Jozimo, com passagens respeitáveis pelas editorias de polícia dos principais jornais de São Paulo, escreveu até um livro sobre a facção criminosa.
O que importa registrar é o seguinte: o PCC se forma, inicia suas primeiras ações e atos de crueldade – fuzilar diretores de presídio, explodir automóveis, cortar cabeças e assim por diante – como uma resposta ao massacre de Carandiru.
Pois é, meus amigos. A lição a ser aprendida é assim: a violência do Estado atingiu um patamar tão baixo, tão grotesco, tão inaceitável, que obrigou os criminosos, individualistas por natureza, dispersos e competitivos por vocação, a se organizar, a criar disciplina e mesmo definir objetivos que são – sim – de natureza política.
Esqueça por um instante o tráfico de drogas, o controle dos presídios, a chantagem sobre as famílias. São motivações econômicas.
O que está na origem da facção criminosa, o que dá força a sua liderança, é a capacidade de dar resposta ao Estado. Não tem nada a ver com exemplos de grupos que praticavam a luta armada contra o regime militar.
É selvageria em estado bruto. Olho por olho, dente por dente. Por isso, porque fala a linguagem de Carandiru, Ubiratã, e tantos outros, ela é obedecida e temida.
Quem quiser entender a barbárie atual pode voltar aos textos do professor Antonio Flavio Pierucci, aquele que pesquisou o nascimento de uma classe média conservadora no início da democratização do país – e que se mostrava escandalizada com a política de direitos humanos. Chamava de mordomia todo esforço para melhorar a vida no cárcere, de proibir a tortura e as execuções sumárias. Aplaudia a violência e pedia mais, sempre mais. Comemorava fuzilamentos.
Chegamos aonde era fácil ver que iríamos chegar. O tratamento desumano está institucionalizado. As prisões são um inferno tão previsível que é preciso encontrar algo que chama a atenção. Se não fossem as cabeças decepadas, da menina de 6 anos incendiada de forma criminosa, quem estaria falando de Pedrinhas? Alguns advogados que são considerados uns chatos, uns padres que deveriam pensar em coisa melhor...
Os prisioneiros foram rebaixados a animais para serem explorados, cotidianamente, como gado. Sua fome alimenta quem desvia verbas, sua penuria serve a quem faz negocios intermediários. Sem direito a palavra, ao Direito e a outros recursos da civilização, não falam. Preferem atos repugnantes: machucam, matam, torturam. Olho por olho, dente por dente.
Esta é a realidade em que nos encontramos e da qual o país não irá sair sem uma grande mudança. Não precisamos de homens providenciais. Precisamos de políticas que respeitem nossos valores – para que eles sejam respeitados.
Isso implica em cadeias que não sejam hotéis mas também não sejam jaulas nem chiqueiros.
Numa justiça capaz de atender o pobre, o sem recurso e sem oportunidade. Isso implica em dinheiro, envolve sacrifício, exige enfrentar aquela massa influente, rica e profundamente ignorante de cidadãos que não entenderam nada desde que numa aventura parisiense do século XVIII a humanidade aprendeu que todos os homens são iguais – e sem entender isso, fica difícil entender qualquer coisa, ainda mais quando se fala de liberdade, de respeito, direitos.
Se queremos conviver com humanos, não podemos tratar homens e mulheres como animais. Nenhum de nós tem culpa. Mas a responsabilidade, não custa lembrar, é nossa.
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