A inflação como pretexto para
aumentar a taxa de juros
J. Carlos de Assis, na Agência Carta Maior
Será um erro elevar a taxa básica de juros a pretexto de combater a inflação. A alta de preços que vem sendo observada na economia deve-se a um aumento de demanda que nada tem a ver com a taxa básica de juros, associado a uma queda na produção de produtos agrícolas de alto consumo, nos dois casos refletindo efeitos de uma correta política de redistribuição de renda em favor dos menos favorecidos. Comparada à de 2011 (6,5%), houve de fato no ano passado, a despeito da queda da taxa de juros, um significativo declínio da inflação (5,84%).
Por que, então, a insistente pressão do “mercado”, através de seus porta-vozes na mídia, bramindo contra a inflação e pedindo mais juros, como se estivéssemos à beira de um descontrole total de preços? É muito simples: para subir a taxa de juros serve qualquer pretexto. É espantoso o fato de que os economistas de banco e seus asseclas são incapazes de reconhecer que a inflação anual caiu, remetendo-se exclusivamente ao centro da meta – um centro que, por ser um centro de uma banda estimada, não significa um objetivo fixo.
Há muitas causas para a inflação, desde uma retração da oferta a um total descontrole fiscal em situação de utilização da plena capacidade produtiva na economia. A causa teoricamente menos relevante, não obstante ter sido a pedra angular da doutrina monetarista, é a que atribuiu à política monetária (elevação da taxa básica de juros e contração geral do crédito) a função exclusiva de controlar a alta dos preços. O próprio Milton Friedman, diante de fatos contrários, teve de recuar de seus princípios doutrinários.
Veja-se a atual situação norte-americana: com taxa básica de juros de zero por cento e expansão infinita do crédito (quantitative easing), os Estados Unidos deveriam estar mergulhados em inflação, e não em risco de deflação. O mesmo se pode dizer da área do euro (0,5%) e da Inglaterra (0%). Isso significa que a política monetária não tem em geral nenhuma influência sobre a média ponderada dos preços, seja para subir, seja para descer. Só em condições muito especiais ela tem relevância, por exemplo, numa situação de colapso total do sistema fiscal. Nesse caso, porém, se tem hiperinflação.
Por que, no Brasil, temos uma inflação ainda elevada em termos de comparação internacional? A razão principal é a efetividade e a memória da indexação dos preços que, depois de décadas de hiperinflação e de vários planos econômicos, ainda persiste. Um caso notório onde a indexação persiste são os preços dos serviços públicos privatizados. O governo FHC não teve coragem de introduzir o princípio da atualização eventual de preços de serviços pelo custo preferindo a fórmula simples da indexação. Isso contaminou e contamina outras áreas.
Voltemos, porém, à inflação de 2012: um dos maiores aumentos de preços foi o de serviços de empregados domésticos (12,73%), o qual teve o mais destacado peso individual no índice geral (0,45 ponto percentual). Sem esse aumento, a inflação teria ficado em pouco mais que 5%, bem perto da meta. Pergunta-se: em que medida a elevação da taxa básica de juros poderia ter contribuído para um aumento menor de salários dos trabalhadores domésticos? Ou das costureiras (7,42%)? Ou das manicures (11,73%)? Ou das cabeleireiras (6,8%)? Ou ainda dos hotéis (9,39%), das excursões (15,25%) ou dos cigarros (25,48%)?
Na verdade, ao longo de 2012, o grupo alimentação e bebidas, o de maior peso no IPCA, teve um aumento de 9,86%, contra 7,18% em 2011. O significado disso é muito simples, nada teve a ver com taxa de juros. Deveu-se a problemas de safra agrícola, uma terrível e prolongada seca no Nordeste além de desastres climáticos no Sul. Graças à civilizada política de distribuição de renda monetária do governo milhões de trabalhadores nordestinos e do Sul, mesmo não tendo podido produzir, puderam consumir. E é esse consumo, sem equivalente produção, que pressionou em parte os índices de preço do grupo alimentação.
É evidente, insista-se, que isso nada tem a ver com a taxa básica de juros. Se quiserem acusar o governo de contribuir com a inflação, que busquem outra desculpa. Por exemplo, que exijam, abertamente, o fim da política de distribuição de renda representada pela política de valorização do salário mínimo, de renda mínima vitalícia, de bolsa família etc. Que defendam abertamente um recuo nos índices civilizatórios que conseguimos nesses últimos dez anos para cairmos de novo na cantilena ideológica da privatização, do mercado auto-regulado e do Estado mínimo.
Nada disso implica o reconhecimento de que a política macroeconômica segue sem falhas. Nosso problema essencial não é inflação, mas um crescimento medíocre. Nesse contexto, aceitar as pressões para aumentar a taxa de juros é um disparate. A grande falha de política econômica deste governo é confiar em excesso no desejo ou na capacidade do setor privado de investir, abrindo mão de um papel essencial do Estado em economias em desenvolvimento, que é liderar o processo de crescimento, inclusive privado, mediante amplos investimentos públicos. Isso, sim, é o que está faltando para o Brasil: conciliar crescimento com desenvolvimento social.
Por que, então, a insistente pressão do “mercado”, através de seus porta-vozes na mídia, bramindo contra a inflação e pedindo mais juros, como se estivéssemos à beira de um descontrole total de preços? É muito simples: para subir a taxa de juros serve qualquer pretexto. É espantoso o fato de que os economistas de banco e seus asseclas são incapazes de reconhecer que a inflação anual caiu, remetendo-se exclusivamente ao centro da meta – um centro que, por ser um centro de uma banda estimada, não significa um objetivo fixo.
Há muitas causas para a inflação, desde uma retração da oferta a um total descontrole fiscal em situação de utilização da plena capacidade produtiva na economia. A causa teoricamente menos relevante, não obstante ter sido a pedra angular da doutrina monetarista, é a que atribuiu à política monetária (elevação da taxa básica de juros e contração geral do crédito) a função exclusiva de controlar a alta dos preços. O próprio Milton Friedman, diante de fatos contrários, teve de recuar de seus princípios doutrinários.
Veja-se a atual situação norte-americana: com taxa básica de juros de zero por cento e expansão infinita do crédito (quantitative easing), os Estados Unidos deveriam estar mergulhados em inflação, e não em risco de deflação. O mesmo se pode dizer da área do euro (0,5%) e da Inglaterra (0%). Isso significa que a política monetária não tem em geral nenhuma influência sobre a média ponderada dos preços, seja para subir, seja para descer. Só em condições muito especiais ela tem relevância, por exemplo, numa situação de colapso total do sistema fiscal. Nesse caso, porém, se tem hiperinflação.
Por que, no Brasil, temos uma inflação ainda elevada em termos de comparação internacional? A razão principal é a efetividade e a memória da indexação dos preços que, depois de décadas de hiperinflação e de vários planos econômicos, ainda persiste. Um caso notório onde a indexação persiste são os preços dos serviços públicos privatizados. O governo FHC não teve coragem de introduzir o princípio da atualização eventual de preços de serviços pelo custo preferindo a fórmula simples da indexação. Isso contaminou e contamina outras áreas.
Voltemos, porém, à inflação de 2012: um dos maiores aumentos de preços foi o de serviços de empregados domésticos (12,73%), o qual teve o mais destacado peso individual no índice geral (0,45 ponto percentual). Sem esse aumento, a inflação teria ficado em pouco mais que 5%, bem perto da meta. Pergunta-se: em que medida a elevação da taxa básica de juros poderia ter contribuído para um aumento menor de salários dos trabalhadores domésticos? Ou das costureiras (7,42%)? Ou das manicures (11,73%)? Ou das cabeleireiras (6,8%)? Ou ainda dos hotéis (9,39%), das excursões (15,25%) ou dos cigarros (25,48%)?
Na verdade, ao longo de 2012, o grupo alimentação e bebidas, o de maior peso no IPCA, teve um aumento de 9,86%, contra 7,18% em 2011. O significado disso é muito simples, nada teve a ver com taxa de juros. Deveu-se a problemas de safra agrícola, uma terrível e prolongada seca no Nordeste além de desastres climáticos no Sul. Graças à civilizada política de distribuição de renda monetária do governo milhões de trabalhadores nordestinos e do Sul, mesmo não tendo podido produzir, puderam consumir. E é esse consumo, sem equivalente produção, que pressionou em parte os índices de preço do grupo alimentação.
É evidente, insista-se, que isso nada tem a ver com a taxa básica de juros. Se quiserem acusar o governo de contribuir com a inflação, que busquem outra desculpa. Por exemplo, que exijam, abertamente, o fim da política de distribuição de renda representada pela política de valorização do salário mínimo, de renda mínima vitalícia, de bolsa família etc. Que defendam abertamente um recuo nos índices civilizatórios que conseguimos nesses últimos dez anos para cairmos de novo na cantilena ideológica da privatização, do mercado auto-regulado e do Estado mínimo.
Nada disso implica o reconhecimento de que a política macroeconômica segue sem falhas. Nosso problema essencial não é inflação, mas um crescimento medíocre. Nesse contexto, aceitar as pressões para aumentar a taxa de juros é um disparate. A grande falha de política econômica deste governo é confiar em excesso no desejo ou na capacidade do setor privado de investir, abrindo mão de um papel essencial do Estado em economias em desenvolvimento, que é liderar o processo de crescimento, inclusive privado, mediante amplos investimentos públicos. Isso, sim, é o que está faltando para o Brasil: conciliar crescimento com desenvolvimento social.
J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).
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